quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

“Pista 6: Que personagens históricos você mais admira?”

Seria muito longa a lista dos personagens históricos que admiro, mas certamente incluiria São Francisco de Assis, Martinho Lutero, Gandhi, Martin Luther King e Mandela.

É verdade que foram pessoas de carne e osso e, por isso, cometeram muitos erros, uns mais evidentes, outros mais discretos. Mas o que eles têm de tão especial? O que eles têm em comum?

Em primeiro lugar, a disposição de perder tudo. 

Fico imaginando se, diante da Dieta de Worms, Lutero tivesse dito algo mais ou menos assim: “Pois é, fui eu que escrevi esses livros, mas, na verdade, são todos muito fraquinhos, cheios de heresia, inclusive, já estava pensando em jogá-los na fogueira…”. 

Ou se o jovem Francisco tivesse recuado diante das ameaças paternas. 

No entanto, nas circunstâncias mais adversas, os dois mostraram coragem e abnegação. 

Lutero, na verdade, recusando-se a desistir de suas opiniões, disse:

A menos que vocês provem para mim pela Escritura e pela razão que eu estou enganado, eu não posso e não me retratarei. Minha consciência é cativa à Palavra de Deus. Ir contra a minha consciência não é correto nem seguro. Aqui permaneço eu. Não há nada mais que eu possa fazer. Que Deus me ajude. Amém.

E Francisco, depois de sair da prisão, para onde havia sido mandado a pedido do próprio pai, declarou:

Até agora, chamei pai a Pietro Bernardone, mas a partir de agora sou servo de Deus. E restituirei a meu pai não só o dinheiro, mas tudo aquilo que pode ser considerado seu, incluindo as roupas que me deu.

Posso estar enganado, mas penso que as pessoas, em geral, não têm disposição de perder coisa alguma. Não sabem renunciar. Não sabem desistir. Não sabem perder. Ficam aferradas ao que um dia lhes foi entregue. Os homens que admiro, no entanto, mostraram-se dispostos a perder tudo, riquezas, honra, família, saúde e até mesmo a vida.

Em segundo lugar, a persistência. 

A história da África do Sul teria seguido outro curso se Nelson Mandela, depois de um ou dois anos de prisão, tivesse começado a odiar seus inimigos. Ao contrário, durante os 27 anos em que esteve encarcerado, soube relevar as ofensas e manteve os olhos fixos em seu objetivo final.

Para muitas pessoas, as dificuldades funcionam como avisos para interromper a jornada. No entanto, para esses homens extraordinários, elas sempre foram vistas como indicativo de que estavam no caminho certo e de que era preciso prosseguir.

Em terceiro lugar, a escolha de meios adequados.

Se Gandhi e, depois dele, Martin Luther King, tivessem montado guerrilhas armadas para lutar por seus objetivos, talvez até os tivessem conquistado e garantissem a inscrição de seus nomes na história. Mas eu não estaria falando deles aqui e eles não poderiam servir de inspiração para os nossos dias turbulentos. 

Não vale a pena atingir fins elevados se, para isso, for necessária a utilização de meios escusos. Somente quem se deixou cegar por um alvo, ainda que muito belo, aceita oferecer vidas humanas em sacrifício.

É verdade que Gandhi e Luther King foram assassinados, e isso pode parecer um final bem triste. Mas imagino que, se pudessem escolher, não mudariam o desfecho. Não puxariam o gatilho nem mesmo para eliminar o agressor.

Em quarto lugar, uma enorme paixão.

Não dá pra imaginar que Francisco poderia ter sido um comerciante ou um pregador. Não dá pra imaginar que Lutero poderia ter sido um jurista ou um teólogo. Eles nasceram para fazer apenas uma coisa e apenas nisso gastaram a vida. Havia neles uma paixão que os movia. 

Gandhi sonhou com a libertação de seu país. E Luther King também sonhou com alguma coisa, mas, nesse caso, é melhor deixar que ele mesmo se explique:

Eu tenho um sonho que um dia essa nação levantar-se-á e viverá o verdadeiro significado da sua crença: “Consideramos essas verdades como auto-evidentes que todos os homens são criados iguais.”
Eu tenho um sonho que um dia, nas montanhas rubras da Geórgia, os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes de donos de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade.
Eu tenho um sonho que um dia mesmo o estado do Mississippi, um estado desértico sufocado pelo calor da injustiça, e sufocado pelo calor da opressão, será transformado num oásis de liberdade e justiça.
Eu tenho um sonho que meus quatro pequenos filhos um dia viverão em uma nação onde não serão julgados pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu caráter. Eu tenho um sonho hoje.
Eu tenho um sonho que um dia o estado do Alabama, com seus racistas cruéis, cujo governador cospe palavras de “interposição” e “anulação”, um dia bem lá no Alabama meninos negros e meninas negras possam dar-se as mãos com meninos brancos e meninas brancas, como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho hoje.
Eu tenho um sonho que um dia “todos os vales serão elevados, todas as montanhas e encostas serão niveladas; os lugares mais acidentados se tornarão planícies e os lugares tortuosos se tornarão retos e a glória do Senhor será revelada e todos os seres a verão conjuntamente”.

Pensar em grandes personagens históricos pode ser uma pista para descobrir o que parece ser mais importante. E também pode ajudar a entender o significado de ter uma missão claramente definida. Mas esse é o tema do próximo texto.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

“Pista 5: Quem vai contar piada no seu velório?”

Contar piadas num velório pode não ser uma atitude ruim, desde que o comediante saiba respeitar a dor das pessoas presentes e somente se a morte não tiver acontecido em circunstâncias especialmente trágicas. 

Alguém poderá dizer que a morte é sempre uma tragédia. Mas não é verdade. Eu mesmo já fui a três velórios em que a tristeza não era a nota dominante.

Um deles foi o da minha avó paterna. Meu pai e minha tia choravam. Eu, minhas irmãs e meus primos, também. Mas não deixamos de cantar os hinos bonitos de que ela gostava. Lembramos de muitas histórias que vivemos com ela. E recebemos o abraço das pessoas que a admiravam. A sensação era de estar diante de alguém que completara a jornada.

O segundo foi de uma pessoa que eu não conhecia e de quem jamais ouvira falar: Armindo de Oliveira Silva. Fui com o simples objetivo de acompanhar minha esposa, professora no Colégio Batista Mineiro, onde ele também trabalhara como professor e diretor. Mas nunca vou me esquecer do que vivi. As pessoas se revezavam ao microfone para dizer tudo o que o professor Armindo tinha feito por elas. Coisas como a primeira oportunidade de trabalho, um conselho, um abraço, uma palavra de incentivo. Os integrantes da família tinham a serenidade no olhar e recebiam alegremente o afago dos amigos. Há poucos dias, lendo sobre a história do Colégio, que vai comemorar o seu primeiro Centenário, não pude conter as lágrimas quando passei pelo seguinte depoimento do professor:

Saudade! Tenho razão de tê-la e muita. 53 anos de íntima convivência dá pra ter saudade. Meu querido Colégio, ninguém pode amar-te tanto! Também ninguém conviveu tanto contigo. Foste a minha casa. Vi-te bem pequeno ainda. Vi-te crescer, crescemos juntos. Poderíamos dizer da saudade da juventude. Um dia tu me acolheste pelas mãos do teu insigne diretor, Dr. Alberto Mazoni Andrade. Como vai longe isso, meu Deus! Lá pelos idos de 1942; para ser mais exato, quatorze de fevereiro de 1942. Nunca mais nos separamos. Tu me deste tudo o que sou, eu te dei toda a minha vida. Tu me acolheste, acolheste meus filhos, acolhes agora meus netos com o mesmo carinho. Como é grande o teu coração! Da nossa vida em comum senti sempre divergir nossos destinos: enquanto tu crescias e te tornavas grande e forte, eu envelhecia e diminuía. Hoje, como tu és grande, e como eu sou pequeno! Isto é necessário, eu devo passar e tu deves permanecer, enquanto o Senhor da eternidade o quiser.

O terceiro episódio marcante aconteceu numa pequenina cidade do interior de Minas, chamada muito poeticamente de São João do Manteninha. Eu estava de férias, em Mantena, distante uns 20 quilômetros dali, quando soube do falecimento do conhecido pastor Enéias. Ao longo da infância, escutei muitas histórias sobre ele. Na primeira vez em que o vi, já era velho. Aliás, essa é a definição de velho que ouvi de meu amigo Brunello Stancioli: velho é o sujeito que já era velho na primeira vez em que você o viu. 

Durante a cerimônia fúnebre, além de cantar os mais belos hinos e ouvir depoimentos cheios de carinho, acompanhei a leitura de trechos de uma carta, que o pastor havia escrito há mais de 15 anos, ainda lúcido, quando fora desenganado pelos médicos por conta de uma pneumonia. Nunca ouvi nada mais lindo. Do que pude guardar na memória, lembro-me do agradecimento amoroso aos cuidadores, das palavras apaixonadas para a companheira de toda a vida, dos conselhos afetuosos a cada um dos filhos e netos, da exortação enérgica aos jovens pastores e dos recados aos vizinhos e aos amigos de longa data.

Acho que me alonguei demais ao tratar de um assunto que muitos querem evitar. Mas há uma razão para isso.

Em “Os Sete Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes”, Stephen Covey sugere duas formas bem radicais de pensar sobre o sentido da vida.

A primeira é imaginar que tipo de escolha uma pessoa faria caso recebesse o diagnóstico de uma doença terminal. Esse tipo de experiência pode ajudar a descobrir o que é realmente importante. 

Mas é a segunda estratégia que me interessa. Para ajudar no processo de discernimento, o autor convida o candidato a imaginar o próprio funeral, com riqueza de pormenores, incluindo os depoimentos de quatro oradores, representando a família, os amigos, os colegas de trabalho e os companheiros de alguma instituição religiosa ou comunitária. 

A ideia é inusitada, mas sugiro que você faça uma tentativa. O que as pessoas diriam de você? Elas descreveriam que tipo de filho ou filha, pai ou mãe, amigo ou amiga? E que tipo de colega de trabalho? Que características seriam mais mencionadas? De que tipo de marcas ou lembranças elas falariam.

Pensei bastante no assunto, mas não puder enxergar com muita clareza. Só sei que espero que o meu velório seja desses em que os amigos podem contar piada, mas bem baixinho, que é pra manter a ordem.

"Pista 4: E se você ganhasse na loteria?"

No planejamento de carreira, o tema da remuneração deve ser levado em conta. E pretendo fazer isso em outro texto. Mas o que tenho para hoje é mais radical. Imagine que você seja o único ganhador do prêmio da loteria. Não um prêmio qualquer, mas desses que podem garantir o sustento de três ou quatro gerações. O que você faria? Sendo mais específico, se já estivesse inserido no mercado de trabalho, qual seria sua reação? Continuaria fazendo as mesmas coisas de sempre? E caso ainda não tivesse renda própria, em que isso alteraria seus planos? Abandonaria o desejo de concluir o curso universitário? 

Já havia escutado esse tipo de pergunta, mas a primeira vez que pensei no assunto foi ao ler “Nasci para Isso”, de Chris Guillembeau. O resultado me surpreendeu. Você pode não acreditar, mas acho que iria trabalhar no dia seguinte. Percebi que realmente gosto do que faço e gosto do lugar onde trabalho. Mas isso não significa que faria tudo do mesmo modo. Se ganhasse na loteria, provavelmente teria mais coragem de arriscar. Ficaria mais seguro para seguir outro caminho, caso tudo desse errado. 

Foi isso que pensei, inicialmente. Mas, em seguida, imaginei o que poderia mudar no modo como me relaciono com o trabalho, caso o fizesse apenas pelo senso de realização, sem qualquer tipo de necessidade financeira. E percebi, por exemplo, que passo mais tempo escrevendo relatórios burocráticos e colocando informações nos sistemas administrativos do que escrevendo sobre os assuntos do meu interesse. Percebi que adoro ministrar aulas, palestras e simplesmente conversar com meus alunos, mas acabo dando menos atenção a essas tarefas em razão do tempo destinado a ler teses e dissertações intermináveis e participar de bancas examinadoras disso e daquilo.

Talvez esse tipo de reflexão me ajude a fazer escolhas no modo como organizo o trabalho. Talvez também possa ajudar a quem ainda não sabe em que tipo de atividade profissional pretende investir.

De todo modo, foi bom sonhar com o prêmio da loteria. Mas, por enquanto, nas conversas com alunos e ex-alunos, o salário de professor só me permitirá pagar o cafezinho. 

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

“Pista 3: O que te inspira profundamente?”

Ao entrar numa livraria, para qual seção você costuma se dirigir? Quando lê um livro ou vê um filme, que tipo de temática provoca as reações mais intensas? Nos momentos de ócio, para onde o seu pensamento tem o hábito de fugir? Quando as pessoas pedem sua ajuda, que espécie de atividade elas têm em mente? Se você fosse eleito Presidente da República, qual seria sua primeira medida?

“Essencialismo”, de Greg McKeown, foi um dos últimos livros que adquiri. Confesso que o encontrei na seção de auto-ajuda, uma de minhas favoritas. Nele, o autor defende a necessidade de realizar uma busca disciplinada por um número menor de tarefas.

Eu acredito nessa ideia. Ninguém pode fazer tudo ao mesmo tempo. Não dá para realizar múltiplas funções com o mesmo cuidado e a mesma qualidade. Mas é difícil enxergar as coisas com clareza. É difícil discernir o que pode proporcionar verdadeira realização. É difícil separar o essencial do que não nos levará a lugar algum.

Para ajudar no processo de busca, o autor sugere que o interessado medite nas seguintes perguntas: “O que me inspira profundamente?”, “Qual é o meu talento especial?” e “O que atende a uma necessidade importante do mundo?”. Em outra parte do texto, ele sugere uma questão ainda mais radical: “Se só pudéssemos ser verdadeiramente excelentes numa coisa, qual seria ela?”.

As perguntas podem ter alguma relevância, principalmente quando utilizadas em conjunto com outros exercícios de discernimento. São pistas que um bom investigador não deveria desprezar.

domingo, 28 de janeiro de 2018

"Pista 2: Que tipo de velhinho você pretende ser?"

“A Linha Mágica”, antiga lenda francesa, conta a história de Pedro, menino ansioso, “que não gostava de ir à escola e passava o tempo todo sonhando acordado”, cuja vida mudou ao receber de presente uma bola prateada, da qual saía uma linha de seda dourada. Sempre que puxava a linha, o tempo passava mais rapidamente. E foi isso que Pedro fez inúmeras vezes. Usou a linha mágica primeiramente para sair mais cedo da escola, depois para começar a trabalhar como carpinteiro, depois para cumprir o serviço militar, depois para se casar com Lise, depois para ver os filhos crescidos, e assim por diante. O problema é que, ao agir assim, mal podia notar que também envelhecia, seus filhos saiam de casa, pessoas queridas adoeciam e morriam, e a vida passava sem que ele, de fato, a pudesse viver. 

É por isso que o próximo exercício deve ser feito com cuidado, pois é preciso viver um dia de cada vez.

Sugiro que você vá para um lugar tranquilo, com uma folha de papel e uma caneta. Inicialmente, escreva sua idade atual. Depois, anote alguns marcos temporais, tais como 60 anos, 70 anos e 80 anos. Pense em como você gostaria de estar em cada um desses momentos, no que gostaria de estar fazendo. Em seguida, pense em como as escolhas de agora podem repercutir nas conquistas do futuro. Muita coisa que parece fazer sentido hoje pode simplesmente se dissolver quando colocada num quadro mais abrangente. Do mesmo modo, inúmeras atividades que atualmente parecem não ter importância alguma, quando vistas em perspectiva, podem se mostrar indispensáveis.

Sempre que me imagino com 80 anos, vejo um velhinho de cabelos brancos (sim, eu espero não estar totalmente careca), franzino (sim, pretendo emagrecer), acompanhado de minha esposa (que parece ainda mais linda, se é que é possível), morando em uma casinha pequena, no alto de uma montanha (mas também pode ser à beira-mar), acordando bem cedo para caminhar e meditar, lendo bons livros, escrevendo umas coisinhas e, de vez em quando, recebendo a visita de pessoas que amo.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

“Pista 1: Qual era o seu sonho de criança?”

Meu pai é um típico torcedor atleticano. Nunca desiste de nada. Não se importa com sofrimento. E tem uma explicação pra qualquer tipo de fracasso. Se o Galo perde um jogo, diz que foi bom para o treinador sacar o lateral que não joga nada. Se perde o campeonato, diz que foi necessário para a diretoria demitir o treinador que não tem visão de jogo. Se desperdiça uma temporada inteira, diz que foi importante para eleger uma diretoria mais comprometida. 

Não deve ter sido fácil quando ele percebeu que o filho preferia o Flamengo, o grande adversário  daqueles gloriosos anos 80. Eu tento me explicar com a indicação de três motivos. Em primeiro lugar, digo que a culpa é da Rede Globo que, pra aquelas bandas de Minas, só transmitia o Campeonato Carioca. A segunda causa é a influência de uma pessoa muito querida, o Doutor Araújo, médico da família, que, nas inúmeras vezes em que me atendia, com a voz um tanto nasalada, começava sempre com a mesma frase: “E o nosso Flamengo?”. Mas o motivo principal foi ter visto o Zico jogar. Acho que eu não torcia para o Flamengo. Torcia para o Zico. Tanto que até hoje tenho dificuldade de utilizar a palavra craque para me referir a outros atletas. 

Nunca fui muito original. Quando criança, assim como a maioria dos meus amigos, queria ser jogador de futebol. Depois dos jogos, tinha dificuldades para dormir. Ficava horas e horas rememorando os lances. Lamentando os passes errados. E saboreando novamente os dribles e as assistências. Sonhava com o dia em que entraria na Gávea e seria recebido pelo Zico. Imaginava a estreia com o Maracanã lotado. E planejava repetidas vezes o que diria na primeira entrevista. Era sempre algo mais ou menos assim: “Quero agradecer a todos os que me incentivaram e principalmente ao meu pai e ao meu tio Geraldo, que foram meus primeiros treinadores”. 

A verdade é que tudo não passou de um sonho de criança. Nunca cheguei a fazer teste em um time de verdade. Acho que o meu caso era mais esforço e insistência do que talento. E pra ser franco, também acredito que não teria sido feliz se tivesse seguido carreira no futebol. 

Contei essa história só pra dizer que a primeira pista para pensar em vocação pode ser dar uma olhada nos sonhos de infância. O que você queria ser quando era criança? Com o que sonhava? Para onde seus pensamentos retornavam com freqüência? Tudo bem que no meu caso a estratégia parece não ter dado certo. Não fui jogador de futebol. Já não tenho idade para isso. E nem mesmo sei se gostaria de ter escolhido o esporte como profissão. Mas não é bem assim. Além de jogar no Flamengo, eu também tinha o sonho de escrever livros, de ver meu nome impresso nas capas, de conversar com as pessoas sobre os textos publicados. Nesse caso, o sonho ainda está vivo. E isso pode ser uma pista para me ajudar a repensar o que tenho feito até aqui. E decidir como devo continuar. 

Talvez você possa fazer algo parecido. Separe um tempo para pensar em seus sonhos de infância. Converse sobre isso com os pais, os tios e os velhos amigos. Será que ainda resta alguma coisa aí dentro? Será que uma daquelas ideias antigas ainda faz sentido?

domingo, 21 de janeiro de 2018

Devemos descobrir ou podemos inventar o sentido da vida?

Em relação ao sentido da existência humana, talvez seja bom começar com três possibilidades teóricas. Na primeira, acredita-se que simplesmente não há qualquer sentido e que são igualmente vãs as tentativas de descobri-lo ou criá-lo. Na segunda, acredita-se que o sentido da vida é uma criação humana, individual ou coletiva, mas necessariamente humana, podendo variar, portanto, no tempo e no espaço. No terceiro, acredita-se que a vida tem um sentido verdadeiro, cabendo aos seres humanos apenas descobri-lo.

A primeira linha de pensamento, embora pareça elegante, não costuma se realizar na prática. Afirmar que a vida não tem sentido é mais fácil do que viver como se ela, de fato, não tivesse. Mesmo que não saibam ou não queiram articular com palavras, todos vivem em busca de algo, todos se organizam a partir de certos valores, todos possuem alguma ideia de vida boa, todos sabem reconhecer quando perdem algo precioso.

Assim, parece razoável resumir a controvérsia a dois campos: o dos que pensam que o sentido da vida é criado e o dos que pensam que o sentido da vida é descoberto.

No primeiro, a liberdade pode não ser total, pois, de alguma forma, todos nós percebemos que uns caminhos são melhores que outros. Acharíamos estranho, por exemplo, que nos dissessem que pais não devem corrigir filhos pequenos, que filhos não devem cuidar dos pais na velhice, que pessoas saudáveis não devem ajudar a prover o próprio sustento, que enfermos não devem receber cuidados especiais ou que promessas não devem ser cumpridas. Certas realidades parecem excessivamente estáveis e se colocam fora do âmbito de atuação da vontade humana. Mesmo para quem acredita no poder de criar um sentido original para a vida, há limites difíceis de transpor, desde que não se abdique de níveis mínimos de saúde mental e de harmonia na convivência entre pessoas.

Por outro lado, no segundo campo, a liberdade pode não estar completamente ausente, pois, mesmo havendo um sentido último para as coisas, a visão humana só o poderia alcançar de modo parcial, deixando amplo espaço para escolher o que fazer e como fazer.

De todo modo, seja para criar um sentido que organize a vida, seja para descobrir, as pistas podem ser úteis. No primeiro caso, para revelar o que toca mais intensamente o coração ou pode satisfazer as necessidades mais profundas. No segundo, para ajudar no processo de discernimento, de busca. 

Por isso, nos próximos textos, indicarei uma série de exercícios para ajudar a refletir sobre o sentido da vida ou, de modo bem mais restrito, a meditar em coisas como vocação, trabalho, carreira.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Onde obter pistas sobre vocação?

No último texto, prometi ajudar na árdua tarefa de descobrir pistas sobre vocação. Mas acabei percebendo que ainda não é a hora de fazer isso. Antes, precisamos conversar sobre alguns pontos. E o primeiro tem a ver com as dimensões do nosso campo de investigação. Dito de outro modo, será necessário um esforço conjunto para descobrir qual é, afinal, o tamanho do mundo em que habitamos. A boa notícia é que parece possível resumir todas as alternativas em apenas duas respostas básicas, o que significa que cada um de nós estará inevitavelmente em um desses campos, e apenas em um. Mas a notícia ruim é que os habitantes desses dois territórios não são muito acostumados a dialogar.  

Sem nenhuma intenção polêmica, C. S. Lewis começa o seu belíssimo “Milagres” com a seguinte distinção: “Alguns acreditam que não existe nada além da Natureza. Chamo essas pessoas Naturalistas. Outros julgam que além da Natureza existe algo mais. Denomino-os Sobrenaturalistas”. 

Um pouco mais adiante, com a clareza habitual, o autor de “As Crônicas de Nárnia” tem o cuidado de oferecer as seguintes explicações adicionais:

O Naturalista acredita que um grande processo de “formação” existe “por conta própria” no espaço e no tempo e que não existe nada além disso. O que chamamos coisas e acontecimentos específicos são apenas partes nas quais analisamos o grande processo em determinados momentos e locais no espaço. A essa realidade única e total ele chama Natureza. O Sobrenaturalista acredita que uma Coisa existe por conta própria e produziu a estrutura do espaço, do tempo e da progressão dos acontecimentos sistematicamente interligados que os preenche. Ele chama Natureza a essa estrutura e a esse preenchimento. Ela pode ou não ser a única realidade que a Coisa Inicial produziu. É possível que haja outros sistemas além daquele a que chamamos Natureza.

Assim, deve ficar claro que, para os naturalistas, as pistas para a descoberta de uma vocação somente podem ser encontradas nos limites da Natureza, já que, no seu modo de compreender, toda a realidade se esgota em seu interior, enquanto que, para os sobrenaturalistas, as pistas podem estar para além da Natureza ou podem ter sido nela dispostas por aquela Realidade Última de que tudo deriva.

Trocando em miúdos, um ateu e um cristão, por exemplo, ficariam inevitavelmente constrangidos a buscar estratégias diferentes para descobrir o tipo de atividade a que se dedicar. Vocação, para o primeiro, não poderia se referir a Deus, em cuja existência não acredita, mas apenas aos próprios desejos e aptidões. Para o segundo, vocação poderia ser entendida como uma espécie de convite feito por Deus. 

Aliás, esse tipo de distinção parece nos conduzir a uma outra pergunta, que pretendo analisar no texto seguinte.

De todo modo, as ideias que apresentarei ao longo de toda a série podem ser úteis para naturalistas e sobrenaturalistas e, conforme espero, também podem ajudar no diálogo respeitoso e alegre entre pessoas com distintas formas de ver o mundo.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Sherlock Holmes e o planejamento de carreira

Pistas. Os grandes detetives veem pistas onde as pessoas comuns não enxergam nada de especial. O segredo não está nas coisas, obviamente, mas nos olhos de quem vê. 

O Dr. Watson não se cansava de celebrar a habilidade de seu companheiro na descoberta de pistas nos lugares mais improváveis. E o grande Sherlock explicava: “Você vê, mas não observa” ou “Talvez eu tenha me exercitado para ver o que outras pessoas deixam passar”.

Guilherme de Baskerville, personagem de Umberto Eco em “O Nome da Rosa”, também impressionava pelo poder de observação. Ainda na estrada, ao encontrar o despenseiro da Abadia, acompanhado de “um agitado punhado de monges e fâmulos”, na perseguição ao cavalo favorito do abade, disse, sem ter visto o animal, não somente o lugar onde se encontrava, mas também a cor do pelo, a altura, o tamanho da cabeça, a largura das orelhas, o formato dos cascos, o tipo de galope e, para suprema surpresa de todos, até o nome do fugitivo. Quando seu companheiro pediu a explicação da façanha, a resposta foi a seguinte: “Meu bom Adso, durante toda a viagem tenho te ensinado a reconhecer os traços com que nos fala o mundo como um grande livro”. 

Observar, identificar traços, descobrir pistas, eis o trabalho de um detetive. Mas o que isso tem a ver com planejamento de carreira? Tudo, absolutamente. E eu explico.

Se eu não estiver enganado, é extremamente difícil encontrar alguém que saiba com clareza o tipo de atividade que deseja fazer, a sua verdadeira vocação, o seu lugar no mundo. Na maioria dos casos, as pessoas ou não têm nem mesmo consciência da pergunta ou sabem muito pouco sobre como achar a resposta. Daí o valor de poder identificar pequenas pistas. Por isso, nos próximos textos, pretendo sugerir uma série de exercícios para ajudar nesse trabalho de investigação. Aos leitores, naturalmente, caberá a tarefa de treinar os olhos para ver.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Estudantes universitários e planejamento de carreira

Imagine uma sala de aula com cinco alunos. O objetivo do curso é dar noções básicas de hebraico. O primeiro deseja frequentar as aulas para fazer novos amigos. O segundo pretende aprender o idioma para ler passagens bíblicas no original. O terceiro espera conhecer um pouco da cultura judaica. O quarto planeja utilizar o aprendizado em sua próxima viajem a Israel. E o quinto simplesmente não sabe o que está fazendo ali. 

Parece razoável supor que as aulas farão sentido para os quatro primeiros alunos e serão um completo desperdício para o último. 

A mesma lógica vale para os cursos universitários. Só faz sentido estudar Direito, Medicina ou Letras, por exemplo, se o investimento estiver ligado aos objetivos do estudante. Um pode estudar Direito com o propósito de fazer concurso para a magistratura. Outro, porque deseja enriquecer sua atividade empresarial. Um pode fazer Medicina para se tornar cirurgião. Outro, para seguir carreira acadêmica. Um pode cursar Letras para trabalhar no ensino de línguas estrangeiras. Outro, porque deseja se aventurar no mundo da literatura. Os objetivos podem variar ao infinito, podem ser mais românticos ou mais pragmáticos, podem estar claros ou um tanto confusos, mas o certo é que não dá para dispensá-los. É assim nos cursos universitários. É assim em tudo o que fazemos. 

Então, para quem deseja iniciar um curso superior ou para quem já iniciou, é importante pensar no modo como ele se relaciona com a vida, os objetivos, a missão, o propósito, enfim, com tudo o que é importante. 

E pra quem não sabe exatamente aonde vai, pode ser o momento de parar e pensar. Não que seja possível antever tudo e fazer planos rigorosamente precisos. Mas dá pra enxergar nem que seja um pouco e, assim, fazer escolhas mais consistentes.

Para ilustrar a importância do tema, o professor Marcelo Galuppo costuma citar um delicioso diálogo de “Alice no País das Maravilhas”, que reproduzo com pequenas alterações:

ALICE - Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para sair daqui?
O GATO - Isso depende bastante de onde você quer chegar. 
ALICE - O lugar não me importa muito.
O GATO - Então não importa que caminho você vai tomar.
ALICE - … desde que eu chegue em algum lugar.
O GATO - Oh, você vai certamente chegar a algum lugar, se caminhar bastante.

A partir de hoje, numa série de pequenos textos, pretendo falar sobre planejamento de carreira, começando com sugestões para ajudar a descobrir o que é realmente importante, inspiradas em alguns dos mais famosos detetives da história. Mas isso já é assunto para a próxima conversa. Até breve!