quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Dicas para brilhar em entrevistas e provas orais


Professor Lemos

Antes de tudo, é preciso esclarecer que não me dirijo aos que estudaram e, portanto, estão prontos para qualquer tipo de prova. Ao contrário, escrevo para os tímidos, os inseguros, os de inteligência limitada e, sobretudo, os preguiçosos. Na verdade, quando a palavra “dica” aparece no título, o texto só é procurado por aqueles que pretendem achar um atalho. A eles, portanto, é que me dirijo.

A primeira providência para se dar bem em entrevistas e provas orais é buscar informações sobre os integrantes da banca. Faça o melhor levantamento que puder. Descubra principalmente os gostos pessoais. Se um examinador for cruzeirense, não deixe de dizer, como quem não quer nada, que o Tostão é o melhor jogador de todos os tempos. Se outro tiver pendores socialistas, insira no discurso, com a máxima naturalidade, palavrinhas como “opressão”, “ideologia” e “superestrutura”. E se ainda outro apreciar música sertaneja, pense na possibilidade de usar cinturão de couro, com fivela arredondada, e cantarolar distraidamente canções de Sérgio Reis ou Luan Santana, conforme o contexto exigir.

Outra iniciativa promissora é tentar identificar se há alguma rivalidade entre os integrantes da banca e, depois, usar isso em benefício próprio. Posso afirmar que, em 80% dos casos, há questões mal resolvidas entre os colegas que participam da avaliação. E nos outros 20% dá para dizer que eles se odeiam. Por isso, eleger a linha teórica adotada por um e rechaçada por outro pode criar um desequilíbrio altamente benéfico. Desse modo, se um dos examinadores disser que o seu trabalho é um lixo, o outro ficará tentado a afirmar que você, na verdade, é um gênio.

Recomendações disfarçadas também costumar dar certo. Por isso, se você e um examinador tiverem conhecidos ou amigos em comum, não se esqueça de dizer: “fulano te mandou um abraço”.

Uma tática perigosa, mas que pode dar certo, é a da ameaça velada. Caso saiba de um fato que desabone a conduta do examinador, você pode utilizá-lo. E se não souber, é só procurar direitinho. Nada que o Google não resolva. O essencial é que você escolha as palavras com tanto cuidado que nenhum dos demais presentes desconfie de qualquer coisa, enquanto o destinatário da ameaça possa perceber claramente o perigo que tem diante de si.

A lamúria é uma técnica que também dá bons resultados. Se você tem uma história cheia de obstáculos, dê um jeito de tocar no assunto, de preferência com frases dramáticas, pronunciadas com voz embargada. Algumas lágrimas, desde que bem dosadas, podem tornar a cena perfeita. Agora, se você sempre viveu numa boa, estudou nos melhores colégios e sempre passou férias na Europa, fale de alguma dificuldade de momento, tipo uma gripe que não sara ou uma dor de coluna que você quase não suporta.

Eu não poderia terminar sem uma referência à tradicional arte da bajulação. Aos iniciantes, recomendo prudência. Utilizem doses seguras. Algumas frases que podem funcionar: “li o seu artigo e gostei muito”, “só entendi o assunto quando estudei o seu livro” e “a sua palestra me fez rever inúmeros conceitos”. Sugiro que só os mais experimentados se arrisquem em elogios pessoais, do tipo “gostei do novo corte de cabelo” ou “como você emagreceu!”. 

Todas as dicas são poderosas. E dificilmente dão errado. Por isso, caso não tenha sucesso ao utilizá-las, é possível que o seu caso seja muito grave. Mas sempre restará uma última providência, que é justamente reclamar do arbítrio dos examinadores.

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Como redigir a epígrafe perfeita

Professor Lemos

 Bom xibom, xibom, bombom!
Bom xibom, xibom, bombom!
Bom xibom, xibom, bombom!
Bom xibom, xibom, bombom!
(As Meninas, 1999)

Neófitos sempre me perguntam sobre como redigir a epígrafe perfeita. Aliás, perguntar é o que os neófitos fazem melhor e, desse modo, revelam ao mundo toda a extensão de sua insensatez.

Perguntar pela epígrafe perfeita, no caso de um neófito, é perguntar pelo impossível. A perfeição é para os gênios. E genialidade não se ensina, não se aprende. Falarei, portanto, da epígrafe possível, na esperança de ser útil aos consulentes.

O segredo de uma epígrafe é escolher uma frase completamente incompreensível, o que se pode obter de dois modos. O primeiro é retirar do contexto uma frase compreensível, tornando-a, assim, suficientemente obscura. O segundo, e mais fácil, é escolher uma frase qualquer de um escritor incompreensível. E há autores especialmente apropriados ao propósito. Experimente, por exemplo, Lacan, Sartre, Derrida ou qualquer outro sujeito que jamais escrevia sem antes fumar ou beber alguma substância de procedência duvidosa.

A razão para escolher uma epígrafe misteriosa é óbvia. E se me dou ao trabalho de explicá-la é porque me dirijo a neófitos. Uma vez que é certo que todo gênio é um incompreendido, nada melhor que a obscuridade para simular genialidade que, como disse, é algo que não se ensina, não se aprende, mas com o que se nasce.

E talvez seja melhor um gênio simulado que um gênio de verdade, pois a genialidade é uma ilha num oceano de estupidez. O gênio é um solitário. Sua única forma de ter comunhão é escrever e, depois, ler o que escreveu. Somente consigo é que um gênio pode dialogar. Ninguém deveria aspirar à genialidade. Primeiro, porque é inútil. Depois, porque ser gênio não é fácil. E eu digo por experiência própria.

Uma epígrafe incompreensível, portanto, é o melhor que se pode fazer. Diante dela, o leitor, cansado de imaginar algum sentido razoável, desiste, sucumbe, desmorona, reconhecendo, assim, a estreiteza de sua capacidade intelectual, sem ter outra coisa a fazer senão confessar que está na presença de um gênio.

Post scriptum

Se você não sabe o que são os neófitos, isso significa que você é um deles. Nesse caso, consulte o dicionário, que é o livro que todo neófito deve ter sempre por perto. Saia de casa sem a carteira, o celular e o guarda-chuva, mas não ande sem o Aurélio, bom e velho.

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Pensar bem para agir bem: observações sobre estágio de docência*

Todo mundo já ouviu a história do sujeito que estava doente, mesmo às portas da morte, e tinha um grande segredo para contar. Na presença de amigos e familiares, ele abre os olhos com dificuldade, tenta levantar um pouco a cabeça, faz sinal para que todos se aproximem e, com o máximo esforço, consegue dizer: - “Eu queria revelar algo importante, que pode mudar a vida de muita gente. Prestem bastante atenção, que eu não vou repetir. Gostaria que vocês soubessem que…”. Nesse momento, com o clima de tensão no limite, o moribundo faz uma pausa. Os presentes, muito ansiosos, chegam ainda mais perto. Mas antes de completar a frase, ele apenas suspira, e morre.

Lamento decepcioná-los logo de cara, mas não tenho nenhum segredo para contar. Não posso lhes ensinar a mágica de obter sucesso no magistério, simplesmente porque não sei como fazê-lo. 

O que eu tenho a dizer é simples e se baseia na compreensão de que, para agir bem, é preciso pensar bem. É que embora não sejam suficientes, os pensamentos corretos são necessários para as boas atitudes. E se aqueles que se preparam para o magistério desejam fazer as coisas da melhor forma - e eu sei que desejam - é o caso, então, de escolher as melhores ideias. 

Assim, na expectativa de proporcionar reflexão e debate, gostaria de fazer quatro afirmações.

1. As atitudes refletem a personalidade

O professor não consegue se esconder dos alunos. Por mais que tente controlar os gestos e escolher as palavras, ele acaba revelando mais do que deseja. A dinâmica da sala de aula é cheia de armadilhas. E é difícil se esquivar de 40 ou 50 observadores atentos e inteligentes.

Por isso, parece que o melhor é buscar o máximo de autoconhecimento

Assim, ao descobrir os próprios limites, o professor respeitará si mesmo; ao perceber as fragilidades, saberá em que áreas precisa investir; e ao identificar os pontos fortes, perceberá de que modo pode dar as melhores contribuições. 

2. Ninguém pode oferecer o que não tem

Não acredito que o professor possa transferir conhecimentos da sua cabeça para a cabeça do aluno. Nesse ponto, e em muitos outros, estou de acordo com o Paulo Freire. Mas, por outro lado, o professor não deveria esperar que o aluno se tornasse algo essencialmente diferente de seu mestre. Jesus ensinou que “basta ao discípulo ser como o seu mestre”. Convenhamos que, quando os mestres são humanos, e especialmente quando são bem fraquinhos, os discípulos podem superá-lo. Mas, nesse caso, o importante é que o professor saiba que, querendo ou não, acabará servindo de modelo aos alunos. 

Sabendo disso, para o seu próprio bem e o bem de seus alunos, deve construir a mais adequada formação filosófica de que for capaz e a melhor formação na especialidade a que se dedica.  

3. Não dá para alimentar quem não tem fome

O que está em jogo na sala de aula é basicamente ensinar e aprender. Não apenas os conteúdos, mas também as habilidades. Não somente o professor ensinando, mas os alunos também. Não somente os alunos aprendendo, mais os professores também. 

O professor, de quem tradicionalmente se espera que ensine, não deve imaginar que é isso o que lhe cabe, mas também não pode admitir que não lhe reste o que fazer. Na dinâmica da escola, o professor sempre terá um papel especial. 

Quando o aluno já sabe o que quer, o professor pode adotar estratégias para ajudá-lo a se apropriar de conteúdos e habilidades. Mas quando o aluno não sabe para onde ir, o professor deve começar o seu trabalho com o que Feuerstein chama de mediação do interesse, que consiste na adoção de estratégias para ajudá-lo a perceber o universo de possibilidade que tem diante de si. 

O desafio não é pequeno, sobretudo num tempo em que as pessoas se dispersam com facilidade e costumam chegar ao ensino superior sem a mínima noção do que esperam para o futuro.

Para ajudar, é recomendável investir nos estudos de metodologia do ensino.

4. É impossível estar em dois lugares ao mesmo tempo

Agora, uma observação para quem está prestes a ter sua primeira oportunidade de assumir uma sala de aula, nem que seja apenas por um dia: não a desperdice. 

E também não acredite na ideia corrente de que professor universitário se realiza mesmo é como pesquisador. Não dê ouvidos aos que desvalorizam a sala de aula. Não se deixe prender pelos obstáculos, tais como a falta de estrutura, o desinteresse dos alunos ou a aridez dos temas que serão estudados. E se você é monitor ou estagiário de docência, não fique desanimado com eventuais falhas do orientador, mas utilize esse elemento como incentivo para fazer diferente. 

Em qualquer contexto, o professor não deveria buscar menos que a excelência. E com mais razão se ele está em início de carreira. 

Por isso, tendo a oportunidade de pisar na sala de aula, o professor deve estar inteiramente ali. Não pode se distrair com outras tarefas. Nem mesmo com os prazos para entregar a dissertação ou a tese.

Nossos dias não são os melhores para quem está prestes a ingressar no mercado de trabalho, em qualquer área, inclusive na educação superior. É preciso dizê-lo com franqueza. 

No entanto, para quem deseja seguir carreira no magistério, o correto é fazer todas as tarefas com o máximo cuidado, aproveitando, assim, cada oportunidade, e cuidando de se aprimorar de modo constante, na esperança de que, no momento certo, a porta certa se abrirá.

Para finalizar, cito uns versos do Fernando Pessoa, na verdade, de Ricardo Reis, que estão gravados no túmulo do poeta, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, e que podem resumir bem o que tentei dizer até aqui:

Para ser grande, sê inteiro: nada 
Teu exagera ou exclui. 
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

* Texto que serviu de base à comunicação apresentada no Seminário de Iniciação à Docência, organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMG, em 3 de agosto de 2018.

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Palestra inspiradora para estagiários de docência*

Professor Lemos

Sinto-me honrado com o convite para falar aos senhores sobre o trabalho do professor. De acordo com as informações que recebi da organização, os senhores são estagiários de docência e estão se preparando para o início do semestre. É isso mesmo, não é? Pois bem, foi-me dito que a minha fala deveria “inspirar os pós-graduandos para atuação no magistério jurídico”. Então, vamos lá, que essa é uma das coisas que eu faço melhor. 

A primeira ideia é: seja um bom estagiário hoje e torça para ter bons estagiários amanhã! Sim, porque ninguém aceitaria as tarefas do estágio se não soubesse que isso é por pouco tempo e sobretudo por conta da expectativa de logo ter os próprios serviçais. 

A segunda ideia é: mesmo que você já tenha sido aluno, jamais caia na conversa de um aluno! Todo cuidado é pouco com as historinhas que eles gostam de contar, principalmente para justificar o atraso nas aulas e a ausência em dias de prova. O melhor é trabalhar com a presunção de que falam mentira. E presunção iure et de iure, é bom que se diga.

A terceira é: não seja idiota a ponto de tentar ser melhor que o professor! É muito comum que estagiários de docência, cheios de uma espécie infantil de arrogância, queiram fazer gracinhas aos estudantes, procurando obter aprovação e admiração. E tudo com o indisfarçado propósito de diminuir a autoridade do professor. Não façam isso, meninos! Lembrem-se de que um dia vocês também poderão estar aqui no topo.

E a quarta e última ideia é: saiba que a regra de ouro é a de sempre fazer o menor esforço! É preciso ter cuidado com essas baboseiras da área de educação e com esses escritores piegas, do tipo Rubem Alves e Miracy Gustin. Se a gente fizesse tudo o que eles mandam, como sobraria tempo para trabalhar e ganhar dinheiro? Eles é que não sabem como o meu escritório toma tempo! Então, nada de inventar moda. O negócio é aula no gogó, prova fechada e um trabalho em grupo. 

Assim, concluo a minha conferência, certo de que inspirei todos os senhores. E olha que eu só pensei nessas ideias enquanto vinha para cá. Eu tenho muita facilidade. Improviso é o meu sobrenome. Um dia vocês podem fazer algo parecido, desde que estudem o quanto estudei, e somente se tiverem uma boa dose de sorte.

* Palestra proferida pelo Professor Lemos, no Seminário de Iniciação à Docência, organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito, em agosto de 2018.