quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

O fim do exame especial

Nos últimos dias do semestre, um assunto domina a Faculdade de Direito da UFMG: a possibilidade de extinção do exame especial. É que as Normas Gerais de Graduação, aprovadas em agosto de 2018, conferem competência aos departamentos para definir se os estudantes terão direito a esse tipo de prova, que funciona como uma nova chance de obter os pontos necessários para aprovação. 

Ao ver o debate, conduzido pelos departamentos, e acompanhado de perto pelos estudantes, fico pensando no lugar tragicamente central que a avaliação ocupa no processo de ensino e aprendizagem. As mesmas Normas Gerais de Graduação que autorizam - mas não obrigam - a modificação do exame especial, obrigam - e não simplesmente autorizam - a revisão dos projetos pedagógicos dos cursos. Mas, no nosso caso, a discussão de um antecede a discussão do outro justamente por conta da centralidade da avaliação.

Uma decorrência natural do equívoco é que, antes de discutir o sistema de avaliação como um todo, discutiremos uma parte dele, que é a que cuida do exame especial, quando na verdade, só deveríamos discutir qualquer assunto ligado à avaliação no âmbito das conversas sobre o projeto pedagógico do curso. Nossa situação é tão curiosa como se, logo depois de decidir edificar uma casa nova, o marido dissesse à mulher: “precisamos escolher a cor da maçaneta da porta da cozinha”. Não deveria ser assim. O debate sobre avaliação não poderia se descolar do debate sobre os fundamentos conceituais e a estrutura curricular do curso. 

No estado atual, deveríamos admitir que, ao pronunciar a palavra prova, nenhum de nós pode sequer imaginar o que se passa na cabeça de um colega de departamento. 

É que alguns trabalham com a ideia de prova-granada, que é aquela que assusta os estudantes e os obriga a correr atrás dos livros e dos cadernos.

Outros, com a ideia de prova-miragem, que é aquela que simplesmente não existe: o professor finge que elabora, os alunos fingem que estudam, o professor finge que corrige.

Outros com a de prova-espelho, que é aquela que pode mostrar ao professor como ele ensinou, e ao aluno, como ele aprendeu.

E ainda outros com a ideia de prova-régua, que é a que tenta medir a quantidade de informações que os estudantes são capazes de armazenar.

Eu mesmo não sei o que pensar quando ouço a palavra prova. Mas tenho certeza de que o centro do processo pedagógico não pode ser algo diferente de aprender ou, de preferência, aprender a aprender. Se nos organizarmos ao redor da avaliação, correremos o risco de gastar os melhores esforços com coisas que não são verdadeiras. Alguém que estuda para se exibir não é necessariamente alguém que estuda para aprender. 

Assim, para voltar ao tema do momento, registro que, de fato, deveríamos nos perguntar sobre o fim do exame especial, e também sobre o fim da avaliação, e também sobre o fim do curso de Direito. Afinal, a que servimos nós?

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Você concorda com o fim do exame especial?

Pergunta enviada pelo representante de turma do 2º período:

Você concorda com o fim do exame especial?

Resposta do Professor Doutor (e Pós-Doutor) Lemos:

Se não estou enganado (e raramente estou enganado), o exame especial é aquela provinha que os artistas, quer dizer, os alunos fazem quando atravessam o semestre inteiro sem obter a pontuação mínima. É isso mesmo, né? Se eu acho que deveria acabar? Nunca deveria ter existido. 

Em primeiro lugar porque é uma prova e, se é uma prova, significa que o professor deve elaborá-la e corrigi-la. Tudo bem que monitores e estagiários de docência estão aí para esse tipo de coisa, mas é inegável que dá algum trabalho, sim.

Em segundo lugar porque pode servir como prêmio à malandragem. Veja bem, o artista, quer dizer, o aluno leva o semestre inteiro na flauta e, depois, faz o diabo para tirar boa nota numa única prova, usando, quase sempre, de artifícios que não convém sequer mencionar aqui. 

Em terceiro lugar porque favorece a cultura do mimimi. Se o professor já tiver decidido reprovar um artista, quer dizer, um aluno, é melhor aceitar que ele já está reprovado. Não será uma segunda, terceira, quarta, quinta ou sexta chance que vai mudar isso. E o exame especial pode ser apenas mais uma oportunidade para reclamações, choradeira e esses recursos inúteis. 

Então, muito embora tenha o peso que tem, por ser minha, é apenas uma opinião. Evidentemente, ninguém está obrigado a concordar. E ninguém será perseguido se discordar. Claro que não vou ficar de marcação com alunos que se manifestarem de modo contrário. Jamais utilizaria meu poder, por exemplo, para ferrar com um representante de turma que faz papel de engraçadinho. Academia é lugar de dissenso. Eu respeito opiniões alheias, mesmo quando elas não têm sentido algum.

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Como vencer votações no Colegiado do Curso?

Pergunta enviada por um jovem professor:

Como vencer votações no Colegiado do Curso?

Resposta do Professor Doutor (e Pós-Doutor) Lemos:

Notei, caro colega, que você usou o verbo “vencer”. Então, aprenda logo a primeira lição: o importante não é vencer as votações. É simplesmente não perdê-las. Tudo bem. Imagino que a diferença não tenha ficado clara. Vou explicar. Vencer uma votação implica que ela tenha sido realizada e que você tenha obtido a maioria dos votos. No entanto, para evitar a derrota será suficiente que ela não se realize. E esse é o grande segredo. Se você tiver a mínima suspeita de que não tem os votos necessários, basta seguir as minhas dicas. Você pode até não vencer, mas nenhuma outra pessoa vencerá.

A primeira providência é controlar a formação da pauta. Se for possível, tire o tema de lá, simplesmente. Se não, tente ao menos colocá-lo mais para o final da reunião.

A segunda providência é, durante os debates, falar pelo maior tempo possível, de modo a vencer os colegas pelo cansaço. Na melhor das hipóteses, o tema será deixado para a reunião seguinte. Se isso não acontecer, no entanto, os colegas estarão tão exaustos que ficarão mais suscetíveis à manobra seguinte.

A terceira providência é causar confusão. O caminho mais fácil é acusar o presidente de agir com autoritarismo, de não garantir o seu direito de fala, enfim, de tentar censurar suas opiniões. Outra possibilidade, perigosa, mas eficaz, é sugerir sutilmente que alguém ali tem interesse pessoal na questão. Também costuma dar certo pisar no velho calo de um colega mais exaltado. Se um deles  tiver enfrentado acusação de plágio, por exemplo, a mais vaga referência ao assunto pode ser o suficiente. Se outro tiver fama de puxa-saco, simplesmente use palavras como “servilismo”, “subserviência” e “bajulação”. Aumentar o tom de voz, colocar o dedo em riste, interromper o presidente da sessão, entre outras, são atitudes que podem produzir o clima desejado.

Também é possível tentar, a qualquer momento, uma saída regimental. Pense em algo como localizar um vício no procedimento, sair da sala para impedir a manutenção do quorum ou o bom e velho pedido de vista.

Mas lembre-se, jovem colega, que todas essas informações só devem ser utilizadas a bem da instituição e como forma de proteger a democracia. As pessoas nem sempre sabem o que querem. E nem sempre querem o melhor. Às vezes, meu caro, é preciso intervir, mas só para garantir a preservação do bem comum.

Não gosto do professor de Empresarial. O que devo fazer?

Pergunta enviada por um estudante do 8º período:

Não gosto do professor de Empresarial. Ele é bem fraquinho. O que devo fazer?

Resposta do Professor Doutor (e Pós Doutor) Lemos:

Olha, infelizmente, na verdade, a ética profissional me impede de tratar a questão com a clareza de costume. Não posso correr o risco de criticar um colega. Você diz que ele é fraquinho. Tudo bem, que seja. Mas quem sou eu para falar disso? E não é porque ele é feio, cospe enquanto fala, diz “pobrema” ao invés de “problema”, falha mais que o ataque do Galo, não é por isso que ele é mau professor. Tente perceber suas qualidades mais profundas, aquelas tão escondidas que ninguém vê, que nem mesmo ele sabe que tem, e que talvez ele não tenha, de fato. Procure evitar que a turma faça abaixo-assinado para pedir a cabeça do nobre colega. Todo mundo sabe que a Coordenação do Curso não pensaria duas vezes, né? Então, vocês não deveriam fazer isso. Tudo bem que poderia vir um professor bem melhor, mais novo, com doutorado e tudo. Mas pensem no pobre coitado. Por mais tentador que seja, não alimentem esse tipo de ideia. E tem mais: vejam a matéria que ele é obrigado a lecionar! Ninguém merece! No século XIX, chamava-se Direito Mercantil. No século XX, Direito Comercial. E agora, Direito Empresarial. Francamente, como levar a sério uma disciplina que não sabe nem o próprio nome? E como esperar que os alunos se interessem por coisas tão estranhas quanto letras de câmbio, cheques, duplicatas e cédulas de crédito rural? Então, vou resumir para os que têm dificuldade de entender. O professor é ruim? É. Ou melhor, pode ser que seja. Mas quem sou eu para criticar um colega? Ou sugerir algo que o possa prejudicar? Não esperem isso de mim, meninos. Não vou cair nessa. Jamais. Definitivamente.