segunda-feira, 22 de março de 2010

CALAMANDREI RECOMENDA

Eles, os Juízes, Vistos por um Advogado é o título do belíssimo livro em que Piero Calamandrei, processualista italiano, descreve alguns aspectos de sua vasta experiência profissional.

Dos conselhos que oferece, preciosos para quem está no começo de qualquer carreira jurídica, destaco o seguinte:

"Lembrem-se de que a brevidade e a clareza são os dois dons que o juiz mais aprecia no discurso do advogado.

- E caso não consiga ser ao mesmo tempo breve e claro, qual dos dois dons, para descontentar menos o juiz, devo sacrificar?

- Inútil a clareza, se o juiz, vencido pela prolixidade, adormece. Ele aceita melhor a brevidade, ainda que obscura: quando o advogado fala pouco, o juiz, mesmo que não compreenda o que ele diz, compreende que tem razão" (CALAMANDREI, p. 82-83).

Só fico pensando se a recomendação ainda seria válida se substituíssemos advogado e juiz, respectivamente, por professor e aluno, no caso de uma aula, ou, aluno e professor, no caso de uma prova.

CALAMANDREI, Piero. Eles, os Juízes, Vistos por um Advogado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. [Título original: Elogio dei Giudice Scritto da un Avvocato].

terça-feira, 16 de março de 2010

SOBRE O ENSINO JURÍDICO NA ITÁLIA


Colaboração enviada por Mariana Lara,
mestranda em Direito na UFMG,
que, durante a graduação,
participou de intercâmbio na Universidade de Bolonha (Itália).

Sou mestranda na Faculdade de Direito e participei do programa de intercâmbio institucional da UFMG no segundo semestre de 2008, ainda na graduação, através do qual tive a oportunidade de cursar um período na Universidade de Bolonha, Itália. Essa experiência foi bastante enriquecedora do ponto de vista acadêmico, pois além de aprofundar meus conhecimentos em outro idioma, pude trocar experiências com pessoas do mundo todo, e cursar disciplinas que não são normalmente ofertadas na nossa faculdade, como Direito Romano, Lógica e Argumentação Jurídica e Direito Privado Comparado.

A Universidade de Bolonha é a mais antiga do mundo, foi criada em 1088, possuindo enorme tradição e prestígio no cenário acadêmico europeu e mundial. É um centro de referências principalmente na área jurídica, primeiro curso criado com os glosadores.

A Unibo, como é conhecida, recebe a cada semestre centenas de estudantes provenientes de diversas partes do mundo, o que facilita a ambientação do aluno estrangeiro. Existem inclusive duas associações que promovem a integração dos intercambistas, organizando viagens culturais, eventos de culinária típica, exibição de filmes, visitas guiadas a museus e festas.

Para facilitar a aprendizagem do idioma, a universidade oferece um curso gratuito de italiano no mês de setembro, antes do início das aulas. É preciso ficar atento às informações do site da Unibo, pois deve-se fazer um teste de nivelamento pela internet alguns meses antes. O curso foi bastante proveitoso.

Quanto à Facoltà di Giurisprudenza, foi possível perceber diversas diferenças entre o sistema de ensino jurídico brasileiro e o italiano. No sistema de Bolonha, que inclusive está sendo adotado pela maioria das universidades européias, o aluno não precisa fazer matrícula na disciplina que deseja cursar, a frequência não é obrigatória, e não há avaliações ao longo do curso. Apenas ao final do semestre o aluno faz inscrição para o exame, podendo optar por uma das três chamadas existentes (por exemplo, pode escolher fazer a prova em dezembro, janeiro, ou fevereiro). Ele pode até mesmo escolher não fazer o exame naquele ano, mas no seguinte. As provas são quase sempre orais.



Geralmente é indicada uma bibliografia básica para aqueles que freqüentam as aulas, e uma bibliografia mais extensa para os “não frequentantes”. Vários alunos optam por estudar sozinhos e não participar das aulas. Encaro com bons olhos esse sistema liberal, pois na universidade o aluno não deve mais ser tutelado, ter alguém que analise seus passos e controle sua frequência, até porque a presença em sala não significa necessariamente que o aluno esteja atento aos ensinamentos.

As aulas, principalmente do ciclo básico, são em auditórios com mais ou menos 300 alunos, e possuem 2 horas de duração. A forma de lecionar é sempre expositiva, e os alunos nunca (ou quase nunca) perguntam ou fazem qualquer interferência. Esse é um ponto extremamente negativo, pois os alunos acabam ficando com dúvidas ou não fazem algum apontamento que poderia enriquecer a aula e provocar o debate gerando conhecimento.

A relação professor/aluno é muito distante. O estudante deve tratar o mestre com extremo respeito, usando “senhor(a)”, e até mesmo as conversas depois da aula não são muito comuns, bem diferente do que ocorre no Brasil. Para tentar suprir essas falhas, existe um horário semanal em que o professor ou um de seus assessores fica a disposição para tirar dúvidas, o que não funciona muito bem na prática.

Os professores das três matérias que cursei eram ótimos e aprendi bastante. Optei por fazer todas as disciplinas em italiano, mas existem algumas matérias que também são ofertadas em inglês.

Destaco ainda que a biblioteca da faculdade é muito rica, valendo a pena uma (ou várias) visitas.

Em resumo, há pontos positivos e negativos no sistema de ensino de qualquer universidade, porém, o que pude perceber de mais importante foi que a UFMG e o ensino aqui ministrado não ficam atrás de outras universidades mundiais, como a de Bolonha, de tão longa tradição. De toda forma, a experiência do intercâmbio é extremamente proveitosa, tanto pessoal quanto academicamente. Arrisco a dizer que foi uma das melhores fases da minha vida. Espero ter contribuído de alguma forma para os futuros intercambistas, e estou a disposição para quaisquer dúvidas.