quarta-feira, 27 de junho de 2018

Entrevista exclusiva com o Professor Lemos

Depois de muitas tentativas frustradas, finalmente, conseguimos uma entrevista exclusiva com o Professor Lemos, que é um dos candidatos à diretoria da Faculdade.

Jornal: Professor Lemos, em primeiro lugar...

Lemos: Desculpe, mas é Senhor Professor Pós-Doutor Lemos.

Jornal: Sim, claro, Senhor Professor Pós-Doutor Lemos, em primeiro lugar, agradecemos a disponibilidade de nos conceder a entrevista.

Lemos: Estou à disposição. Fiquem totalmente à vontade para perguntar. Nos próximos 15 minutos, estou inteiramente à disposição dos senhores.

Jornal: É verdade que o Senhor será candidato à direção da Faculdade?

Lemos: É.

Jornal: E o que o levou a tomar essa decisão?

Lemos: A História. Por conta de minha larga experiência, inclusive no plano internacional, tenho a exata medida da importância histórica desse tipo de escolha. Sei que o fato ficará registrado em páginas imorredouras. Por isso, resolvi me candidatar e, assim, ligar o meu nome ao nome da Faculdade. Tenho a certeza de que isso engrandecerá enormemente a história da instituição.

Jornal: E que outros benefícios a candidatura pode trazer?

Lemos: Aprendizado. O exercício de uma função pública é, antes de tudo, uma oportunidade de aprendizado. Claro, se houver humildade, o aprendizado ocorrerá. É inevitável. E isso é importante principalmente num país atrasado e sem cultura, como é o nosso. Então, espero que minha passagem pela diretoria da Faculdade proporcione aprendizado. Na verdade, trata-se de uma oportunidade única para que os outros professores e os alunos aprendam como devem se comportar na presença de uma autoridade, como devem cumprir ordens com exatidão e eficiência, como fazer críticas verdadeiramente construtivas, além de outras coisas.

Jornal: E o senhor pretende divulgar um plano com suas ideias e propostas?

Lemos: Evidentemente. Considero que não há democracia se os votos são concedidos unicamente em razão das qualidades pessoais dos candidatos. Terei um plano de governo e ele será amplamente divulgado. Na verdade, a empresa contratada para elaborá-lo me disse que já está quase tudo pronto. Falta apenas concluir as pesquisas qualitativas, eleger as ideias que foram mais mencionadas pela comunidade, e depois redigir um texto vago e impreciso. Mas teremos um plano de governo, sim. Claro que sim.

Jornal: E caso eleito, qual seria a sua primeira medida?

Lemos: Além de óbvia, a pergunta é simplista. A Faculdade é um universo. Não dá pra pensar em soluções mágicas. É difícil falar qual seria a primeira de todas as medidas. O que posso prometer é que vou trabalhar com prioridades, atacando, portanto, as questões mais urgentes. Vocês já entraram no gabinete do Diretor?

Jornal: Sim.

Lemos: Aquilo é um horror! É preciso fazer intervenções imediatas naquele local. Vou contratar os melhores arquitetos e decoradores.

Jornal: E a Faculdade tem verba para esse tipo de iniciativa?

Lemos: Não sei. Mas não preciso saber. Meu escritório vai custear tudo. Pode não parecer, mas sou uma pessoa generosa. E antes que eu me esqueça, quero dizer que também vou atacar outras prioridades. O elevador dos professores, por exemplo. De uns tempos pra cá, tenho notado a presença de alunos naquele meio de transporte. Vou implantar uma catraca ali e colocar dois ou três seguranças. E a garagem? Não parece chocante que, em pleno século XXI, não haja uma vaga reservada ao uso exclusivo do Diretor? A sala dos professores também precisa de reformas. Onde já se viu professores Pós-Doutores compartilharem o mesmo espaço, incluindo o banheiro, com professores que ainda não deram passo tão elementar? Pretendo dividir a sala em três ambientes: o primeiro para Pós-Doutores, o segundo para Doutores, e o terceiro para o resto.

Jornal: E quais são os planos para a Biblioteca?

Lemos: Infelizmente, senhores, nosso tempo está esgotado. O dever me chama. Foi um prazer falar com vocês.

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Florestas, lagos e a aventura de escrever uma tese

O sonho de ingressar no mestrado pode se transformar em pesadelo. No doutorado, as chances são ainda maiores. 

Costumam concorrer para isso, entre outras coisas, os caprichos do orientador, a grande quantidade de tarefas, as dificuldades financeiras e os problemas emocionais. Mas nada se compara ao desafio de escrever uma dissertação ou tese.

No meu caso, a experiência de mestrado foi tranquila. Mas o doutorado foi diferente. Faltando pouco mais de um ano para o término do prazo, a tese não passava de um esboço e eu tinha poucas esperanças de vencer o bloqueio. O medo de não produzir um trabalho digno praticamente me paralisava. 

Para contornar o problema, foi importante contar com o apoio da família, a confiança do orientador e o estímulo dos amigos. Também foi bom conversar com colegas experientes e perceber que aquela sensação de impotência não era nada original. Mas, nesse contexto, foi especialmente marcante a conversa que tive com um grande mestre.

Conhecedor do poder das parábolas, o professor João Baptista Villela me contou duas. Na primeira, o pintor entrava na floresta e, depois de contemplar tudo o que estava ao redor, decidia pintar uma única árvore, com todos os pormenores. Na segunda, o caminhante arremessava uma pedra ao lago e, depois, observava que as ondas produziam círculos cada vez mais amplos e, no entanto, cada vez mais fracos. 

Como bom discípulo, ao terminar de ouvir as histórias, perguntei que relação elas tinham com a minha angústia. E ele disse que a árvore era como o tema da tese. A floresta pode conter muitas coisas interessantes. Mas o pintor precisa escolher o aspecto que deseja retratar. E disse também que o tema da tese era como o exato lugar onde a pedra cai no lago. Os reflexos do evento podem se estender para lugares distantes, mas sempre o farão de modo impreciso. É somente nas imediações do fato que as consequências podem ser vistas com clareza. 

Saí do gabinete do professor Villela um pouco mais aliviado. Descobri que nenhuma produção acadêmica, nem mesmo uma tese de doutorado, pode ser vista como ponto final, resultado acabado, momento mais elevado de uma trajetória. Cada trabalho é apenas a descrição de uma árvore, no meio de uma floresta sem fim. Ou um ponto do tamanho de um seixo, no meio de um lago de grandes proporções.

A mosca azul da pesquisa

Quando ingressei no curso jurídico, tinha a vaga impressão de que seria advogado. Naquele momento, todas as outras possibilidades me pareciam muito distantes. Foi no terceiro período que surgiu um elemento novo. 

Curioso com a publicação de um edital de pesquisa, fui atrás de informações adicionais. Descobri que a candidatura dependia da elaboração de um projeto e da anuência de um orientador. Com o tema na cabeça, tentei contato com a professora da minha matéria favorita, mas não tive sucesso. Como segunda opção, procurei o professor de uma disciplina em que meu aproveitamento fora apenas razoável. E a conversa não poderia ter sido melhor, pois ele não somente aceitou o convite como também sugeriu que o resultado deveria ser publicado. Lembro-me claramente de suas palavras: “Não podemos escrever e depois deixar na gaveta”. 

A proposta foi aprovada, a pesquisa foi feita e o relatório final, de fato, foi publicado. Ao longo da realização do trabalho, meu entusiasmo era tão grande que o orientador disse algo mais ou menos assim: “Lamento informar, mas você foi picado pela mosca azul da pesquisa”. 

Eu não compreendia o alcance da frase, mas ele sabia exatamente o que estava dizendo.

A antiga lenda oriental, retomada por Machado de Assis no poema A Mosca Azul, conta a história de um homem muito simples, que ficou encantado com a beleza do pequeno inseto e, depois de aprisioná-lo, começou o minucioso trabalho de dissecação. Mas a mosca, coitada, não resistiu e acabou morrendo, “e com isto esvaiu-se-lhe aquela visão fantástica e sutil”. Por esse motivo, “dizem que ensandeceu e que não sabe como perdeu a sua mosca azul”.

No meu caso, o contato com a pesquisa, proporcionado pela experiência da iniciação científica, foi decisivo para a descoberta da vocação acadêmica. E uma vez conhecida, eu não fiz mais do que correr atrás de sua realização. 

Além da atividade de pesquisa, a monitoria também pode funcionar como teste vocacional. Trata-se da forma mais adequada de conhecer o cotidiano do magistério, com todos os seus desafios e alegrias. 

Ao longo do meu processo formativo, tive apenas um orientador, na monitoria, na iniciação científica, na monografia de final de curso, no mestrado e no doutorado. Foi o professor César Fiuza, uma das pessoas mais generosas que conheço. Devo muito a ele, inclusive a historinha da mosca azul.