Por duas razões objetivas, e autônomas, temos o dever de reformular o Projeto Pedagógico do Curso de Direito da UFMG. A primeira é a aprovação de novas Normas Gerais de Graduação, que assinalam o curtíssimo prazo de 240 dias para a tarefa. E a segunda é a aprovação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Direito. Assim, nosso desafio já não é discutir a conveniência da reforma, mas o melhor modo de fazê-la.
Vou começar do começo: que tal se fizéssemos o compromisso solene de conduzir os debates com generosidade! Sim, porque respeito é pressuposto elementar, mas insuficiente para o tamanho da tarefa. Vivemos um tempo especialmente tenso. Nossos alunos estão prestes a enfrentar um mercado de trabalho cheio de incertezas. Então, não basta ouvir e falar com consideração pelo outro. Precisamos nos dispor a assumir o lugar do outro, sacrificar interesses pessoais, compartilhar, ajudar.
Depois, penso que algumas diretrizes de trabalho poderiam contribuir.
A primeira é moderação. Eu já defendi reformas radicais. Em minhas turmas de graduação, inclusive, fiz as experiências mais malucas. Mas, hoje, estou convicto de que deveríamos manter a estrutura básica do curso e inserir pequenas novidades com potencial de transformação. A verdade é que nosso curso é bom. E isso passa, evidentemente, pela qualidade dos alunos, dos professores, dos servidores técnico-administrativos, pela longa tradição da Faculdade de Direito e pelo fato de que estamos inseridos numa Universidade de excelência. Com pequenos ajustes, poderíamos subir a um novo patamar. A moderação também tem a ver com a necessidade de que a reforma não seja apenas um conjunto de ideias no papel, mas a tradução de um consenso construído por meio do diálogo e alegremente vivenciado em nossa experiência cotidiana.
A segunda é equilíbrio, mas num sentido bastante específico: nenhuma modificação deveria perturbar o atual equilíbrio entre os quatro departamentos responsáveis pelo curso. Assim, para tranquilidade de todos, deveríamos garantir, no ponto de partida, que cada um deles manteria a mesma participação proporcional na oferta de disciplinas obrigatórias e teria voz ativa nas decisões sobre que matérias incluir e que matérias excluir da matriz curricular.
A terceira é autonomia. Se o objetivo de um curso de Direito fosse ensinar todos os conteúdos relevantes, vinte anos não seriam suficientes. Além disso, a crescente complexidade das relações sociais cria tantas novas áreas de atuação que qualquer projeto pedagógico corre o risco de nascer desatualizado. É preciso, portanto, identificar os conteúdos mínimos sem os quais ninguém deveria obter o grau de bacharel em Direito, além de investir fortemente no desenvolvimento de competências. Em termos práticos, isso resultaria na flexibilização da matriz curricular, reduzindo levemente o espaço das disciplinas obrigatórias e aumentando os momentos de liberdade para decidir sobre a própria formação.
A quarta é integração. Nosso curso ganharia imensamente se conseguíssemos trazer para o centro algumas das atividades que funcionam às margens. É preciso pensar em formas criativas de colocar o curso de Direito em contato com o de Ciências do Estado, já que compartilham o mesmo espaço e possuem objetivos comuns; com o Programa de Pós-Graduação em Direito, que é responsável pelo desenvolvimento de pesquisas altamente relevantes e sofisticadas; e com os demais cursos da UFMG, que oferecem as mais diversas oportunidades de formação. Além disso, atividades como pesquisa, extensão, intercâmbios internacionais e estágios, que permitem a entrada de novos ares na trajetória acadêmica, deveriam ser melhor articuladas com os objetivos do curso.
A quinta é diálogo. A construção de um Projeto Pedagógico é uma tarefa coletiva. Esse é o seu maior perigo. E sua maior beleza, também. E todos podem contribuir, alunos de graduação, alunos de pós-graduação, servidores técnico-administrativos, professores, representantes discentes, ex-alunos, integrantes das mais diversas carreiras jurídicas, especialistas em Educação e todas as pessoas que se interessam pelo assunto. Para que isso realmente aconteça, é essencial criar bons canais de comunicação e proporcionar momentos adequados de debate.
Eu tenho imensa alegria de trabalhar na Faculdade de Direito da UFMG. E percebo que esse sentimento é amplamente compartilhado. Mas é preciso confessar que somos muito egoístas. Somos excessivamente individualistas. Pode ser natural, e até benéfico, que cada integrante da Comunidade Acadêmica tenha seu próprio modo de ver o mundo e sua forma peculiar de conceber o curso de Direito. Mas não é bom que cada um dos 120 professores da Faculdade tenha seu próprio Projeto Pedagógico e o aplique soberanamente em seu âmbito de atuação. Precisamos nos lembrar que somos uma Escola. Precisamos compartilhar tarefas. Precisamos trabalhar em conjunto. Estou certo de que, assim, seremos ainda mais felizes. Ofereceremos um curso ainda melhor. Contribuiremos ainda mais com os desafios do nosso tempo. Por isso, generosidade, amigos. Generosidade. É assim que tudo começa.
Belo Horizonte, 13 de novembro de 2018.
Giordano Bruno Soares Roberto
PARA CONSULTA:
Normas Gerais de Graduação da UFMG
Diretrizes Curriculares do Curso de Direito