estudante do 9º período da Faculdade de Direito da UFMG
O Brasil ratificou dois tratados internacionais que buscam a erradicação da discriminação contra as mulheres: (i) a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, ratificada em 1984; (ii) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, ratificada em 1995.
Depois de longo debate sobre a constitucionalidade das normas destes e de outros tratados de direitos humanos, o STF, atualmente, pacificou entendimento de que elas têm status supralegal no nosso ordenamento, o que significa dizer que estão abaixo da Constituição e acima de todos os demais diplomas legais (Cfr. RE 349703/RS, Tribunal Pleno, Min. Rel. Carlos Britto, DJe-104 publ. 05/06/2009). A importância desses diplomas legais, portanto, é inconteste. No entanto, esses e outros tratados de direitos humanos não são suficientemente conhecidos e estudados, nem pela grande maioria dos estudantes de Direito, nem pela maior parte das mulheres que compõem a sociedade brasileira.
A Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher define o que é discriminação contra as mulheres em seu art. 1º:
"discriminação contra a mulher" significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.
Dentre as várias formas de discriminação contra a mulher, existe uma relacionada a oportunidades educacionais, descrita no seguinte dispositivo da Convenção:
Art. 10º Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra as mulheres, a fim de assegurar-lhes direitos iguais aos dos homens no campo da educação e em particular para assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres:
a) as mesmas condições de orientação profissional, de acesso aos estudos e de obtenção de diplomas nos estabelecimentos de ensino de todas as categorias, (...)
d) as mesmas oportunidades no que se refere à concessão de bolsas e outras subvenções para estudos;
Além de ratificar a Convenção, o Brasil ratificou também o Protocolo Facultativo à Convenção da ONU, que possibilita às ofendidas apresentar reclamações individuais, a serem examinadas pelo Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Assim, qualquer indivíduo em seu próprio nome ou em nome de terceiro pode peticionar.
Esse direito adquire um conteúdo ainda mais importante no contexto das Faculdades de Direito, que, à guisa de se apresentarem como ambientes que se propõem abertos e intelectualizados, ainda convivem com formas veladas de assédio e discriminação contra a mulher, havendo mesmo professores que informalmente sustentam a superioridade aristotélica do homem (sic), a falta de mulheres inteligentes e sua própria predisposição por desprestigiar mulheres em seleções para bolsas de iniciação científica e afins.
Contudo, a própria Convenção admite que o problema da discriminação de gênero é, também, cultural. Por isso, deveria ser prioridade fazer uma revisão metodológica do ensino jurídico no Brasil, no sentido de recuperar as dimensões axiológicas do direito para formar um jurista que lute pela solidariedade e respeito. Para isso é essencial que haja um esforço no sentido de uma educação crítica, que alcance como resultado uma mudança de mentalidade que não discrimina a mulher e que não continue a reproduzir esse discurso discriminatório ao longo da história.
Essa questão cultural é tão marcante que muitas vezes as mulheres que sofrem algum tipo de discriminação ou assédio se sentem coagidas a não apresentar reclamações formais – e, em outras ocasiões, elas sequer encontram condições objetivas para tanto.
O tema revela que o problema da discriminação contra as mulheres não será resolvido por mera previsão legal de vedação da discriminação, mas, ao contrário, está condicionado a uma mudança radical de comportamentos. Em poucas palavras, uma mudança educacional e cultural. Por outro lado, é inegável que a possibilidade de maior aquisição pela sociedade de previsões legais, como a Convenção da ONU e os demais diplomas de proteção dos direitos da mulher, contribuem decisivamente para essa mudança. No entanto, para que isso ocorra, é preciso que a sociedade conheça os diplomas legais, e, mais do que isso, passe a trabalhá-los por meio de uma hermenêutica que valorize o social. É necessário que nossas Faculdades estejam preparadas para uma metodologia educacional que possibilite aos alunos trabalharem com os diplomas legais de forma crítica e consciente.