quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A MONTANHA DE ORGULHO

Todas as pessoas, em todos os contextos, estão sujeitas ao erro de se imaginarem superiores às outras.

No entanto, se eu não estiver enganado, o risco parece ainda maior entre os que exercem profissões jurídicas.

Talvez, porque em algumas dessas atividades, como a magistratura, o profissional experimenta cotidianamente a sensação de interferir na vida das pessoas.

Talvez, porque em outras, como a advocacia, a habilidade no uso da linguagem faz o titular supor que pode controlar o agir dos que o cercam.

Talvez, ainda, pela beleza da tradição que acompanha a prática do Direito ou pelo sentimento de que apenas os seus cultores partilham de certos conhecimentos e de determinada forma de se expressar.

Mas, se eu também não estiver enganado, essa triste realidade deveria ser combatida.

Nada parece mais improdutivo, no entanto, que discursar contra o orgulho.

Talvez seja o caso de apenas sugerir o quanto ele pode ser ridículo.

E, para fazê-lo, tomemos a figura de Crispiniano Soares, catedrático de Direito Romano na Faculdade de Direito de São Paulo, entre 1854 e 1871.

Segundo a crônica acadêmica, muito embora dotado de boas qualidades, Crispiniano era “uma montanha de orgulho”.

Durante suas explicações em sala de aula, costumava erguer a voz tão alto que podia ser ouvido até ao meio do Largo de São Francisco.

Nessas ocasiões, era possível escutá-lo vociferar:

– “Indubitavelmente, Papiniano er....rou!”.

Ou ainda:

– “Donellus, Cujaccius e a corrente dos comentadores são dessa opinião; eu, porém, entendo que eles erraram, e penso diversamente”.

A um estudante, que tentava defender o ponto de vista dos clássicos do Direito Romano, respondeu:

– “Então, o senhor não admite que um jurisconsulto moderno corrija os jurisconsultos antigos?!”.

E, ao saber que outro professor reclamara do incômodo que lhe causava a vozeria na aula vizinha, declarou:

– “Eu ergo a voz, porque tenho confiança no que digo. Não receio errar: não temo que o mundo inteiro me ouça”.

Mas, de todos os episódios que se poderia listar, o mais conclusivo sobre a personalidade de Crispiniano teve lugar quando ele se apresentou ante o tribunal do júri para defender um conhecido político paulista. Ao iniciar a exposição, disse solenemente:

– “A minha presença nesta tribuna revela a importância da causa que se debate!”.

(NOGUEIRA, José Luís de Almeida. A Academia de São Paulo: Tradições e Reminiscências. Volume I. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 274-280).

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