quarta-feira, 1 de março de 2017

Discurso de Formatura*

Raphael Cristian Lacerda dos Santos

Exm. Sr. Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Prof. Fernando Gonzaga Jayme;

Querido Patrono;

Querido Paraninfo;

Queridos Professores;

Querido Funcionário Homenageado; 

Demais autoridades presentes; 

Amados Pais;

Senhoras e Senhores;

Caros colegas;

Ingressamos na Faculdade de Direito em seu centésimo vigésimo ano de fundação (2012) com a responsabilidade de simbolizar em um novo tempo o maior patrimônio, orgulho e motivo de grandeza da centenária instituição: os alunos.

Hoje, no dia em que nos tornamos bacharéis em Direito, recordo os versos do poema Cantares que expressam a nossa trajetória: ''caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar''. Sabemos bem disso, pois caminhamos muito nos cinco anos de graduação, resumimos a Odisseia (lembram do nosso primeiro período?), ficamos intrigados com os embates entre o direito natural e o direito positivo na obra ‘’o caso dos exploradores de caverna’’, viramos noites estudando nas vésperas das provas, ficamos presos nos elevadores do Edifício Valle Ferreira, que por vezes nos deixavam assustados com suas variações de humor, subimos andares e mais andares de escadas diariamente, compartilhamos materiais, conhecimentos valiosos antes das provas, experiências, indignações, e até atores nos tornamos em uma peça de teatro de Processo Penal no quinto período.

Caminhamos pela grande arte da vida: o encontro, na sala de aula, nos corredores da Faculdade, nas calouradas, nos Jogos Jurídicos, na DAJ, na Atlética, CAAP, no Vetustão, Vetustete e principalmente nas famosas festas da piscina realizadas na acolhedora casa do nosso colega ‘’Boca’’. E em breve teremos como marca a saudade da convivência agradável pautada no respeito pela singularidade e na união por um ponto em comum: A Faculdade de Direito, como ficou demonstrado no nosso marcante convite de formatura.

Construímos amizades verdadeiras e inexplicáveis que serão para a vida toda, das quais levaremos as mais ternas lembranças de companheirismo e solidariedade, fundamentais para que este momento se concretizasse, pois ninguém se formaria sem a ajuda dos colegas.

Caminhantes, o caminho não se encerra aqui. Estamos conscientes dos múltiplos desafios e responsabilidades que nos aguardam fora do espaço seguro da Faculdade, principalmente em face da sociedade que financiou a nossa educação em uma universidade pública de excelente nível.

Temos plena consciência que vivemos uma época de profundas mudanças políticas e sociais em uma realidade cada vez mais complexa, tempos de limitações e de irracionalidade em vários espaços, onde muitas pessoas querem o mesmo, mas são incapazes de acertar o tom da fala.

Por isso, cabe relembrar que aprendemos nos anos de graduação a conviver com a diferença, em uma turma marcada por pessoas com as mais diversas opiniões, origens, características e objetivos de vida.

Que possamos, caros colegas, valorizar a educação que muitos deste país não podem receber, sem deixar de honrar o exemplo de cada um que se encontra aqui nos prestigiando ou esteve presente ao longo da nossa trajetória, pessoas que também almejam um país mais desperto para a transformação social.

Falando em capacidade de transformação, faço um breve parêntesis para destacar a força feminina das colegas que hoje se formam. Desde Myrtes Gomes de Campos e Maria Augusta Saraiva, as primeiras mulheres bacharéis em Direito do Brasil, foram muitos anos de luta pela emancipação feminina. Chegamos aqui, em uma turma onde a presença feminina é notável, mas ainda há muito que se caminhar e conquistar.

Por fim, permitam-me relembrar um trecho do discurso proferido no dia da inauguração da Faculdade Livre de Direito (10.12.1892) pelo primeiro diretor da instituição (Affonso Augusto Moreira Penna):
''(...) Com olhos fitos no futuro, tranquilos, mas vigilantes sempre, firmemos de modo inabalável os alicerces de nossa felicidade pela paz, pela concórdia, pela fraternidade.
A tarefa que tocou à nossa geração é árdua, sim, mas não superior às nossas forças. Tenhamos sempre diante dos olhos a divisa – Labor improbus omnia vincií (“O trabalho perseverante vence todos os obstáculos”) - e caminhemos!’’
Parabéns para todos nós, caminhemos juntos e muito obrigado!

* Discurso proferido por Raphael Cristian Lacerda dos Santos, orador da turma de formandos do 2º Semestre de 2016 do Curso de Graduação em Direito da Faculdade de Direito da UFMG, em sessão de colação de grau, realizada em 17/02/2017.

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Saudação aos Calouros

Ato I

Cena I

Auditório da Faculdade Mundial e Internacional de Direito de Minas Gerais. (Entra o senhor doutor Diretor, acompanhado de uma Professora).

Diretor: Muito boa noite a todos! (Aplausos). Sejam benvindos à melhor faculdade de direito do País! (Aplausos). Isso mesmo, pela quinquagésima sétima vez consecutiva, o Jornal Folha de São Paulo considerou que a nossa faculdade é simplesmente a melhor do Brasil. (Aplausos). Um grande orgulho pra Minas Gerais e pra todos os mineiros. É preciso confessar uma coisa: esses paulistas sabem reconhecer o que é bom! Não que sejamos perfeitos. Não mesmo. Não é o caso. Por exemplo, ontem eu vi um pequeno risco na parede da sala 1475, coisa pequena, um risquinho de nada, e já mandei limpar, com urgência. Essas coisas acontecem. Mas estamos atentos. A gente sabe que é preciso buscar o aprimoramento contínuo. E estamos trabalhando nisso. Aproveito, inclusive, para anunciar, em primeira mão, que a faculdade acaba de adquirir pincéis atômicos de última geração, nas cores preto, vermelho e azul. (Aplausos). Os professores vão sentir logo a diferença. Ao contrário dos antigos, esses deslizam facilmente pelo quadro e, por conta de seu desenho especial, contribuem até para a caligrafia. Bom, mas vamos direto ao ponto. Estamos aqui para receber os nossos queridos calouros. Não se enganem, meus senhores: vocês fazem parte de uma pequena elite. (Aplausos). Muitos desejaram pisar esse solo quase sagrado, mas vocês estão aqui. E é isso que importa. O esfoço foi recompensado. O mérito foi reconhecido. A partir de agora, vocês entram para a história da melhor faculdade de Direito do mundo que, para nossa alegria, está sediada bem aqui, no coração das Minas Gerais. (Aplausos). Então, com imensa satisfação, eu passo a palavra à professora, a professora, bem a ilustre professora que está aqui ao meu lado, e que vai se apresentar a vocês.

Professora: Oi. Sejam benvindos. Quero compartilhar algumas ideias com vocês. Reconheço que elas podem destoar um pouco do clima festivo, mas minha consciência me obriga a fazê-lo. Em primeiro lugar, quero que saibam que aqui vocês vão estudar muita coisa que não é importante. Sim, grande parte dos tópicos que vocês serão obrigados a decorar não tem beleza, não tem utilidade e não tem nada a ver com a vida lá fora. Foram mantidos por inércia nas páginas envelhecidas do currículo. Ou simplesmente continuam sendo ensinados porque aparecem nas provas e nos concursos. (O Diretor faz gestos para o funcionário que controla a mesa de som). Em segundo lugar, quero que saibam que aqui vocês não vão estudar muita coisa que é verdadeiramente importante. (O Diretor gesticula cada vez com mais ênfase). Por exemplo, não esperem encontrar oportunidade de aprender coisas tão importantes quanto falar em público, trabalhar em equipe ou mediar conflitos. (O microfone da Professora para de funcionar).

Diretor: Então, meus queridos amigos, era isso que tínhamos para hoje. Sejam muito, mas muito benvindos à nossa Escola. Desfrutem de tudo que ela pode oferecer. De minha parte, saibam que creio no futuro brilhante de cada um de vocês! (Aplausos). Obrigado a todos. Obrigado à ilustre professora por suas palavras tão sábias e esclarecedoras. Obrigado a todos pela presença. Está encerrada a sessão. (Aplausos).

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

A Grande Engrenagem

Às vezes, perco muito tempo pensando no papel das escolas e dos professores. Para que eles servem, afinal? 

Penso, por exemplo, na função que as faculdades de direito devem desempenhar. E sei que a resposta mais óbvia é formar profissionais para as várias carreiras jurídicas.

Mas o que isso significa, exatamente?

Que devemos fazer se as profissões jurídicas estão profundamente viciadas? Que devemos fazer se a própria sociedade a que servem ou a que deveriam servir também não dá sinais de grande vitalidade?

Estou seguro de que entregar os profissionais de que o mercado precisa é o maior desserviço que a universidade pode oferecer.

É obrigação da universidade pública frustrar falsas expectativas de seus alunos e de seus futuros empregadores.

Se for possível pensar no mundo como uma grande engrenagem, na escola como uma fábrica e nos alunos como peças que fazem a engrenagem girar, é nosso dever produzir peças disfuncionais, fora do padrão, com desenhos diferentes do modelo proposto. 

Se a engrenagem produz efeitos ruins, as peças que nós ajudamos a fabricar não devem fazê-la girar. Ao contrário, devem contribuir para atrapalhar o seu funcionamento.

No fim de tudo, é até possível que a engrenagem continue girando. Eu é que não quero dar a mínima contribuição para que isso aconteça.

sábado, 3 de dezembro de 2016

No fundo, no fundo, amo vocês


Nos últimos dias, escrevi textos bem duros. Um protesto contra a preferência pelas aulas expositivas. Um desabafo a respeito do sistema tradicional de avaliação. E sobrou até para os monitores e a monitoria. 

Mas na base de tudo isso, há umas ideias que preciso indicar.

Eu acredito na possibilidade de construção autônoma do conhecimento. Na verdade, se o estudante não participar ativamente do processo, haverá tudo, menos aprendizado. O que pode ficar para a vida é somente o que foi ativamente assumido e criativamente reelaborado. Tratar adultos como se fossem crianças não é uma forma de respeito ou carinho. Eu me recuso a utilizar as prerrogativas do cargo para obrigar os estudantes a fazer isso ou aquilo. Prefiro admitir que não façam e, depois, experimentem as consequências de suas escolhas.

Eu creio no talento dos estudantes universitários. O que me entristece, na verdade, é ver tanto potencial desperdiçado. Se imaginasse que fossem incapazes, poderia admitir a ideia de tomá-los pelas mãos e conduzi-los. Mas creio sinceramente no brilho e na inteligência dos meus alunos. Sinto apenas que eles acabam traçando, em muitos casos, objetivos excessivamente limitados.

Eu penso que o papel do professor universitário não é ensinar. No máximo, cabe a ele construir situações de aprendizagem, que podem ser entendidas como obstáculos, cuidadosamente planejados, para que os estudantes, no esforço de superá-los, possam construir o próprio aprendizado. Em outras palavras, os professores não fazem nada além de convites, que os estudantes podem livremente aceitar ou recusar.

Então, meus caros alunos, ao contrário do que pode parecer, no fundo, no fundo, amo vocês.