Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas, disse:
“Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas”.
Eu gosto dessa frase. Gosto tanto que vivo fazendo perguntas. Por exemplo:
1. Como se pode admitir com tanta naturalidade que professores do Ensino Superior exerçam o magistério sem nenhum conhecimento de Didática ou de Metodologia do Ensino?
2. Por que, enquanto professores, repetimos muitos dos erros que criticávamos nos nossos antigos mestres?
3. Por que o esporte preferido dos alunos continua sendo falar mal dos professores e o dos professores reclamar dos alunos?
4. Se a avaliação é o grande pesadelo de alunos e professores, por que ela continua do mesmo jeito há tanto tempo?
Quem tiver alguma ideia sobre esses assuntos, ainda que provisória, não deve guardá-la apenas para si. Fica, desde logo, convidado a oferecê-la ao debate. Uma grande solução pode vir de um simples comentário. Uma resposta importante pode ser sugerida tão somente por uma nova forma de propor a pergunta. Afinal, o mesmo Riobaldo confessou:
“Mas foi aquele grão de idéia que me acuculou, me argumentou todo. Ideiazinha. Só um começo. Aos pouquinhos é que a gente abre os olhos; achei, de per mim”.
terça-feira, 22 de setembro de 2009
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
RECOMPENSAS DO MAGISTÉRIO
Quanto às recompensas ligadas ao magistério, reconheço que algumas são muito evidentes. Um sorriso, um agradecimento, uma atitude de compreensão, um gesto de apoio. Encontrar um ex-aluno na rua e simplesmente ouvi-lo dizer: “Oi, professor”. Tudo isso é muito bom. Mas o que mais me estimula no exercício da profissão passa bem longe dos olhos e dos ouvidos. Depende exclusivamente do coração. Trata-se da fé, ou, quem sabe, da esperança de que nem tudo é vão, de que alguma coisa vai ficar, talvez um princípio, talvez uma inspiração, talvez um incentivo.
Aliás, se o coração não estiver cheio de esperança, o caminho pode ser árido demais. Quando os valores numa sociedade deterioram é muito provável que haja reflexos em todas as profissões. Mas qual delas, além do magistério, será mais frontalmente atingida? Se não há mais gentileza, respeito, honestidade, paciência, gratidão, onde a ausência será mais sentida que na sala de aula?
Aliás, se o coração não estiver cheio de esperança, o caminho pode ser árido demais. Quando os valores numa sociedade deterioram é muito provável que haja reflexos em todas as profissões. Mas qual delas, além do magistério, será mais frontalmente atingida? Se não há mais gentileza, respeito, honestidade, paciência, gratidão, onde a ausência será mais sentida que na sala de aula?
Este trecho é parte integrante do artigo intitulado de Considerações Sobre o Magistério Jurídico, publicado na Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Para consultá-lo na íntegra, acesse www.gbsr.com.br .
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Considerações sobre Magistério
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
AO MESTRE, COM CARINHO
Sabe aquela cena clássica do estudante da educação infantil que entrega uma maça ao professor? Pois bem. Às vezes, os professores ganham presentes de seus alunos. Nas próximas linhas, transcrevo trechos de uma história, narrada por Spencer Vampré, que fala justamente disso.
(VAMPRÉ, Spencer. Memórias Para a História da Academia de São Paulo. Volume II. 2. ed. Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1977, p. 44, 45).
Joaquim Augusto Ribeiro da Luz, estudante da turma de 1870 a 1874, tomou especial ojerisa ao Dr. Justino, por um R, que lhe pusera, aliás merecidamente, pois não passava por estudioso.
[...]
A zanga do Luz desabava, quebrando as vidraças do Dr. Justino. Mal vinha o vidraceiro, a colocar vidros novos, surgiam certeiras as pedradas do estudante, e as janelas se esburacavam, tilintando os estilhaços sobre os lajedos da calçada.
Novos vidros, e, passadas umas poucas horas, à noitinha, ou na manhã seguinte, lá vinham de novo as pedradas, enquanto o Dr. Justino, de dentro, rugia enfezado:
– “Enquanto aquele biltre cá estiver, não ganho para vidros!”
E, afinal, se resignou a deixá-los quebrados, até que o Luz se formasse.
E se formou, por sinal com um plenamente, por empenho do Dr. Furtado. É que o subdelegado de polícia também não o queria ver mais em S. Paulo.
– “Eu preferia, – exclamava o lente de Direito Administrativo, – eu preferia que se acabassem os cadetes, ou que se acabasse o mundo, a ter de suportar mais um ano semelhante demônio!”
Não quis, porém, o endiabrado rapaz, afastar-se de São Paulo, sem pregar uma última peça ao Dr. Justino.
Este se achava, como de costume, a cavaquear, às duas horas da tarde, na loja do Sá Rocha, quando lhe surge, em atitude respeitosa, o terrível inimigo de suas vidraças.
O Dr. Justino voltou a cara para outro lado.
– “Sr. Doutor Justino, venho dar-lhe uma satisfação” – disse o estudante humildemente.
E o Dr. Justino impassível.
– “Senhor doutor, uma satisfação não se recusa: e esta é a última vez que me vê; amanhã, parto para minha Província, e não queria levar este remorso...porque eu me arrependo amargamente das minhas leviandades de rapaz, contra uma pessoa tão respeitável, um mestre tão sábio...porque a verdade é que, como estudante de Direito, sempre o acatei, como a um civilista profundo, uma das glórias da Faculdade”...
A esse tempo o Dr. Justino se ia voltando insensivelmente para o rapaz, e descarregando os sobrolhos, a princípio ferozmente contraídos.
– “Seria para mim grande tristeza, – continuava o estudante, – deixar, no espírito de V. Exª, uma recordação penosa...Venho pedir-lhe perdão de tantas loucuras de rapaz, Sr. Dr. Justino!”
Acreditando na sinceridade do estudante, começou o lente meio enleiado:
– “Está baim, está baim...Este seu proceder o reabilita. Teve os seus desmandos de rapaz...mas, corrige-se, arrepende-se. Está baim! Ora deixe-me dizer-lhe: – o Sr. Luz estudava pouco, mas revelava talento. Hoje, que está formado, aplique-se mais ao Direito, e poderá vir a ser um advogado capaz. E para o que eu lhe puder prestar, aqui estou.”
E estendia-lhe a mão, querendo pôr fim à conversa.
– “Oh! obrigadíssimo, Sr. doutor. Mas, quero merecer-lhe um obséquio: – aceitar este pequeno mimo, que tomo a liberdade de lhe oferecer – e destinado ao seu uso pessoal.”
E apresentava um embrulho quadrado, em papel de seda, atado com fita cor-de-rosa.
O Dr. Justino escusava-se acanhado.
– “É uma pequena lembrança, sem valor, e destinada ao seu uso pessoal, como recordação minha”...
– “Já agora me há de recordar o seu nome, Sr. Luz, sem precisar lembrança: basta a nobreza do seu arrependimento.”
– “Mas, condescenda, Sr. doutor, com esta última criancice. Faça-me o obséquio de aceitar.”
E deixando-lhe o embrulho nas mãos, retirou-se o Luz, não sem haver antes abraçado do Dr. Justino, e foi postar-se numa alfaiataria fronteira, onde estava um grupo de estudantes à espreita.
Logo que o Luz se retirou, começou o lente a abrir o envólucro, sob os olhares curiosos do lojista.
– “Algum objeto de escritório”...dizia o Dr. Justino, ao desfazer o embrulho pesado, e com muito enchimento de papel.
– “É o que deve ser”, concordava o Sá Rocha.
Mas, afinal, o lente recuou, pálido de raiva.
O presente que o Luz lhe trouxera, – para seu uso pessoal, – era uma ferradura!
E o Luz, da casa fronteira, enquanto os outros estudantes se escondiam:
– “Serve? Se não servir, troca-se por outra!”
– “Patife, grandíssimo biltre!” estertorou, num assomo de cólera, o Dr. Justino, enquanto o lojista o segurava pelo braço, e o levava, delicadamente, para o interior da loja.
(VAMPRÉ, Spencer. Memórias Para a História da Academia de São Paulo. Volume II. 2. ed. Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1977, p. 44, 45).
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terça-feira, 8 de setembro de 2009
O PIOR DEFEITO DE UM PROFESSOR
Recentemente, perguntei a três grandes mestres qual o pior defeito que um professor pode ter.
João Baptista Villela, sem um segundo de hesitação, disse:
"Arrogância".
Marcelo Galuppo, depois de pensar um pouco, respondeu:
"O maior defeito que um professor pode ter é achar que não tem defeitos".
César Fiuza, por sua vez, disse:
"Eu acho que a pior falha de um professor é perseguir os seus alunos".
São as opiniões de três grandes mestres.
E, para você, qual o pior defeito de um professor?
João Baptista Villela, sem um segundo de hesitação, disse:
"Arrogância".
Marcelo Galuppo, depois de pensar um pouco, respondeu:
"O maior defeito que um professor pode ter é achar que não tem defeitos".
César Fiuza, por sua vez, disse:
"Eu acho que a pior falha de um professor é perseguir os seus alunos".
São as opiniões de três grandes mestres.
E, para você, qual o pior defeito de um professor?
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
A BESTIALIZAÇÃO DO EDUCADOR
Contribuição enviada por Cleusa Maria Alves Nunes, professora do sistema público, e Lucas Daniel Alves Nunes, estudante do 7º período da Faculdade de Direito da UFMG
No inicio da década de 90, com o triunfo mundial do capitalismo, os países detentores de grandes capitais passaram a exercer influência sobre os países endividados, determinando, inclusive, políticas educacionais. Antes de tal época, a educação na América Latina tinha como principais alvos a redução do analfabetismo e a aproximação da universidade à população, até então, reduto da classe economicamente superior. Com as mudanças da década de 90, a educação transformou-se em mero instrumento pragmático de alcance estatístico, havendo o incentivo à abertura – muitas vezes com financiamento público – de instituições de ensino superior privadas e públicas, grande parte sem condições mínimas necessárias para o aprimoramento intelectual do aluno. Perdeu-se o compromisso com a qualidade e com a principal vocação do ensino: a formação de cidadãos conscientes do mundo, independentes intelectualmente e capazes de elaborar reflexões críticas. Criou-se uma mão-de-obra mais qualificada, mas não profissionais autônomos de conhecimento.
Nessas transformações, surgira o processo de “bestialização” do educador, como relata Alexandre Brasil Fonseca, em palestra oferecida na quarta conferencia latino-americana da AIPESC, em 2004. O professor, na maioria das instituições, devido ao grande número de alunos, é obrigado a permanecer dentro de sala de aula em quase totalidade de seu tempo, afastando-se das pesquisas, do preparo das aulas, do atendimento individualizado dos alunos e da qualificação acadêmica. Assim, o processo de “bestialização” do educador criara meros professores reprodutores de manuais e códigos, sem o mínimo desenvolvimento didático e autonomia científica, incapazes de valorizar teorias e incentivar o aluno na elaboração do conhecimento.
Não é só nas instituições privadas, que visam principalmente o caráter financeiro da educação, como muitos acreditam, que se pode ver esse processo. Nas instituições públicas, grande parte dos professores, desanimados com baixos salários e grande quantidade de alunos desinteressados, transforma o processo de aprendizado em uma mera troca: o aluno recebe nota suficiente para ser aprovado, em contraprestação, convive com a negligência do professor. Se os alunos, revoltados com as faltas freqüentes e não compromisso em sala, reclamam institucionalmente de um educador, muitas vezes vêem-se perseguidos por ele. Tão pouco pode fazer o educador. Se esse exige dos alunos o suficiente para criação de um pensador independente, cobrando certo rendimento, acaba sendo julgado como “carrasco”, passando a ser mal recebido em seu local de trabalho – em alguns casos, sofrendo ameaças e lesões físicas, como se vê constantemente em jornais e noticiários.
O educador atual tem que rever seu papel de intermediador do processo de ensino-aprendizado, mas não é ele o único responsável pela desestruturação dos cursos superiores atuais. Cabe, também, aos alunos, cada vez mais alienados, banalizados e subestimados pelas políticas públicas de educação, aprofundar seus conhecimentos sobre o objeto de seu estudo, independente da cobrança do professor, adquirindo a consciência da importância de se tornar um profissional independente, crítico e capaz de adaptar-se à diferentes necessidades que surjam no decorrer de sua profissão. Ao governo, faltam políticas educacionais não meramente estatísticas, mas voltadas para a valorização dos profissionais da educação, investindo em capacitação desses, possibilitando uma independência cientifica e inovadora.
Enquanto o trinômio da educação (professor, aluno e governo) não estiver ciente de seus deveres, o que se verá é cada vez mais uma dependência brasileira intelectual, principalmente dos grandes centros de conhecimento, pesados investidores em modelos inovadores de pesquisa e extensão universitárias.
No inicio da década de 90, com o triunfo mundial do capitalismo, os países detentores de grandes capitais passaram a exercer influência sobre os países endividados, determinando, inclusive, políticas educacionais. Antes de tal época, a educação na América Latina tinha como principais alvos a redução do analfabetismo e a aproximação da universidade à população, até então, reduto da classe economicamente superior. Com as mudanças da década de 90, a educação transformou-se em mero instrumento pragmático de alcance estatístico, havendo o incentivo à abertura – muitas vezes com financiamento público – de instituições de ensino superior privadas e públicas, grande parte sem condições mínimas necessárias para o aprimoramento intelectual do aluno. Perdeu-se o compromisso com a qualidade e com a principal vocação do ensino: a formação de cidadãos conscientes do mundo, independentes intelectualmente e capazes de elaborar reflexões críticas. Criou-se uma mão-de-obra mais qualificada, mas não profissionais autônomos de conhecimento.
Nessas transformações, surgira o processo de “bestialização” do educador, como relata Alexandre Brasil Fonseca, em palestra oferecida na quarta conferencia latino-americana da AIPESC, em 2004. O professor, na maioria das instituições, devido ao grande número de alunos, é obrigado a permanecer dentro de sala de aula em quase totalidade de seu tempo, afastando-se das pesquisas, do preparo das aulas, do atendimento individualizado dos alunos e da qualificação acadêmica. Assim, o processo de “bestialização” do educador criara meros professores reprodutores de manuais e códigos, sem o mínimo desenvolvimento didático e autonomia científica, incapazes de valorizar teorias e incentivar o aluno na elaboração do conhecimento.
Não é só nas instituições privadas, que visam principalmente o caráter financeiro da educação, como muitos acreditam, que se pode ver esse processo. Nas instituições públicas, grande parte dos professores, desanimados com baixos salários e grande quantidade de alunos desinteressados, transforma o processo de aprendizado em uma mera troca: o aluno recebe nota suficiente para ser aprovado, em contraprestação, convive com a negligência do professor. Se os alunos, revoltados com as faltas freqüentes e não compromisso em sala, reclamam institucionalmente de um educador, muitas vezes vêem-se perseguidos por ele. Tão pouco pode fazer o educador. Se esse exige dos alunos o suficiente para criação de um pensador independente, cobrando certo rendimento, acaba sendo julgado como “carrasco”, passando a ser mal recebido em seu local de trabalho – em alguns casos, sofrendo ameaças e lesões físicas, como se vê constantemente em jornais e noticiários.
O educador atual tem que rever seu papel de intermediador do processo de ensino-aprendizado, mas não é ele o único responsável pela desestruturação dos cursos superiores atuais. Cabe, também, aos alunos, cada vez mais alienados, banalizados e subestimados pelas políticas públicas de educação, aprofundar seus conhecimentos sobre o objeto de seu estudo, independente da cobrança do professor, adquirindo a consciência da importância de se tornar um profissional independente, crítico e capaz de adaptar-se à diferentes necessidades que surjam no decorrer de sua profissão. Ao governo, faltam políticas educacionais não meramente estatísticas, mas voltadas para a valorização dos profissionais da educação, investindo em capacitação desses, possibilitando uma independência cientifica e inovadora.
Enquanto o trinômio da educação (professor, aluno e governo) não estiver ciente de seus deveres, o que se verá é cada vez mais uma dependência brasileira intelectual, principalmente dos grandes centros de conhecimento, pesados investidores em modelos inovadores de pesquisa e extensão universitárias.
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