quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

OUTRO DISCURSO DE FORMATURA

Animado pela leitura do discurso de um querido ex-aluno, o David Francisco Lopes Gomes, resolvi publicar o que pronunciei, há quase 10 anos, na cerimônia em que recebi, junto com meus colegas da Faculdade Mineira de Direito, da PUC/MG, o título de bacharel em Direito. Dele, suprimi apenas alguns parágrafos, para deixar a leitura mais rápida e leve.

Ilustres componentes da mesa,
demais autoridades presentes,
prezados professores e funcionários,
queridos pais e amigos,
caros colegas,

Em 1996, ingressamos na Faculdade de Direito.

Cada um de nós trazia consigo uma história diferente, pensamentos, ansiedades e sonhos diferentes.

Trazíamos um pouquinho de cada canto de Belo Horizonte, mas também de São João Del Rei, de Curvelo, de Carangola, de Conceição do Mato Dentro, de Barbacena, de Tupacigaura, de Contagem, de Capitão Andrade, de Mantena, de João Monlevade, etc.

Logo, tivemos os primeiros contatos com o Direito e com outras ciências. Quem não se lembra do Português arcaico do professor Jaime França? E da Filosofia serena do professor João Pereira? Contudo, nossos primeiros passos na ciência que abraçamos foram direcionados pela voz mansa, de sotaque alagoano, da professora Taisa.

Semestre após semestre, a convivência diária se encarregou de estreitar os laços que nos unem.

E eu sempre me pergunto que palavra melhor expressaria essa união? Seríamos todos amigos? Seríamos apenas colegas?

Amigo é designação que se deve reservar a pouquíssimas pessoas. Não se pode ser verdadeiramente amigo de tanta gente.

Colega, por outro lado, é expressão que diz muito pouco.

Penso que o melhor nome para expressar o que somos uns dos outros não é amigo nem colega, é companheiro. A palavra "companheiro" vem do latim "cum pane", aquele que divide o pão.

Sim, temos sido companheiros. Temos dividido tempos de alegria e tempos de tristeza. Momentos de festa e entusiasmo. Horas de desânimo e vontade de desistir. Tempos de dança e tempos de pranto. Sorrisos e lágrimas. Júbilo e dor.

Nesses cinco anos, alguns de nós se tornaram papais e mamães, outros se casaram. Namoros começaram e terminaram e ainda outros atravessaram todo o curso e continuam firmes. Muitos conseguiram estágios e empregos. Portas se abriram. Oportunidades. Momentos de alegria. Tempos de festa.

Mas, das experiências que compartilhamos, uma certamente marcou nossa trajetória. Foi quando perdemos o amigo Márcio Atsushi Tanigaki. O Márcio era querido de todos. Quem pode esquecer o sorriso franco, os gestos espontâneos, os conselhos prudentes, a visão realista do mundo, o fino senso de humor? Quem não se lembra das conversas de antes da aula, do cafezinho de todos os intervalos, do bate-papo descontraído? Tempo de dor inigualável. Dor que sofremos juntos.

Além de tudo, a nossa turma teve uma história peculiar de dificuldades. Logo no primeiro semestre, recebemos uma ordem de despejo. Fomos a primeira turma do Currículo Novo, da Monografia de Final de Curso, das Atividades Complementares.

Enfim, somos realmente companheiros. Diariamente, temos dividido alegria e tristeza.

Existe, ainda, outra coisa que temos dividido: o sonho. Nestes últimos anos, fizemos estágio nos mais diferentes lugares: escritórios, empresas, tribunais, repartições públicas. E todos éramos movidos pela mesma coisa: o sonho. Fora ele, só nos restava protocolo, distribuição, siscon, carga, fotocópia. Andando pelos corredores dos Fóruns e dos Tribunais, sempre carregando pilhas de processos, nunca nos sentíamos diminuídos. Embora o cansaço, a má vontade de alguns servidores, a impaciência de alguns chefes nos fatigassem, jamais nos puderam desanimar. Vencemos inúmeros obstáculos - cansaço, sono, saudade - e chegamos a este dia, certamente movidos pelo sonho.

Mas, e agora? Surgem perguntas inevitáveis. Como será daqui para frente? A insegurança, a ansiedade, o medo tomam conta de nossos corações. Sentimentos que, outra vez, como verdadeiros companheiros, estamos dividindo. O momento é de tomada de decisões. Serão inúmeras escolhas que irão determinar o rumo de nossa vida. Que carreira escolher? Onde trabalhar?

Antes, porém, teremos que nos decidir sobre uma outra questão, que há muito nos é apresentada. Que tipo de profissional do Direito iremos ser? Pela pequena experiência que temos, já estamos cientes de que por traz das páginas amareladas dos autos de um processo, existe uma história humana. Para as pessoas envolvidas numa lide, não se trata apenas de um processo identificado pelo número, trata-se da liberdade, da honra, do bem-estar, da subsistência, do emprego, do patrimônio e, por vezes, da própria vida. Na verdade, sempre estaremos lidando com conflitos humanos e, por isso, temos que decidir como será nossa postura profissional. Faremos da nossa profissão um comércio ou sacerdócio? Faremos do Direito um instrumento de opressão ou de realização da justiça?

Bom, já é hora de encerrar. Antes, porém, gostaria de dizer duas breves palavras.

A primeira é de sincero agradecimento. Aos pais, pelo cuidado constante, pelo amor dedicado. Aos cônjuges, namoradas e namorados, pela compreensão e pelo incentivo. Aos demais familiares e a todos os amigos, pelo apoio nos momentos difíceis. Aos professores e aos funcionários da Faculdade, pela dedicação no cumprimento de seus ministérios. A Deus, antes de tudo, pela vida, e porque lhe aprouve fazer coincidir o iniciar de nossas carreiras com datas tão significativas. O apagar das luzes do século XX, os 500 anos do descobrimento do Brasil, e, especialmente, o cinqüentenário de nossa Faculdade, esta casa que aprendemos a amar e respeitar e de onde levaremos o nome, a tradição, a história.

Agora, uma última palavra aos colegas.

Colegas, não, companheiros.

Companheiros?

Bom, até aqui dividimos muitas coisas: alegrias e tristezas, sonhos e ansiedades.

Agora, os nossos caminhos é que se dividem. A nossa convivência jamais será a mesma. Não será tão fácil dividirmos tudo.

Logo, não poderemos ser apenas companheiros.

Seremos amigos, ou não seremos mais.

Sim, seremos amigos.

6 comentários:

David disse...

Ex-aluno, não. Aluno. Sabemos, e você tem mostrado muito bem isso em sua atuação na faculdade, que a relação de ensino-aprendizagem não se esgota num semestre dentro de uma sala de aula.

Fernanda disse...

Seria injustiça eu não parabenizar também você, professor, pelo discurso. Excelente também, mas o que mais me anima é saber que, quase 10 anos depois, os princípios e sonhos que o inspiraram na redação desse texto continuam vivos.

E só um detalhe, você formou outro dia quase!!! =O

Giordano Bruno Soares Roberto disse...

David e Fernanda,

Obrigado pelo carinho e pelas palavras bondosas.

Um abraço,

Giordano.

Alisson Santana disse...

Caro amigo (pois, apesar dos desencontros naturais da vida, assim o considero) Giordano,

Com imenso prazer pude ler e voltar a ler seu discurso, que continua irretocável após quase dez anos passados. É uma pena não estarmos mais em frequente contato como nos bons tempos da faculdade. De qualquer maneira, seguem abraços de um antigo companheiro, agora mais feliz pelas boas recordações trazidas pelo seu texto.

Alisson Santana

Giordano Bruno Soares Roberto disse...

Alisson, caro amigo, que grande alegria ler a sua mensagem! Sim, e lembrar um pouco mais dos nossos tempos na Faculdade. Por exemplo, do glorioso time da nossa sala, o Caprichosos do Etílico, campeão da Copa Jaime França, com você no gol e eu no banco de reservas! E das idas ao Mineirão, quando o menino do interior, que torcia para o Flamengo e só via os jogos pela TV, aprendeu uma nova paixão, ao ouvir a massa cantando: "Nós somos do Clube Atlético Mineiro!".

Precisamos marcar um café e colocar o papo em dia.

Um grande abraço,

Giordano.

Giordano Bruno Soares Roberto disse...

Mara,

Obrigado pela visita e pelo recado. Parabéns pelo seu blog.

Até,

Giordano.