Discurso pronunciado por David Francisco Lopes Gomes, em dezembro de 2009, como orador dos formandos em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, gentilmente cedido para publicação nesse espaço.
Boa noite,
Começo pedindo pra que não me escutem. Creio que eu não tenha muito a dizer. Se esse discurso tem algo que o pudesse diferenciar de tantos outros discursos de formatura, esse algo é a memória que ele conta. Memória daquilo que nós, e não outros, vivemos. Mas é exatamente por isso que peço pra que não me escutem. Afinal, se somos tantos e tão diferentes não seria correto que eu privatizasse essa memória e a quisesse contar sozinho. Quando digo nós, não me restrinjo aos que estão no palco. Refiro-me também aos que estão na platéia, pois, se aqui se encontram, é porque de alguma forma viveram esses cinco anos, ou parte deles, e sem dúvida carregam consigo algumas lembranças. Assim, enquanto falo, não me ouçam. Aproveitem o tempo, que não será longo, e volte cada um pra dentro de si mesmo, em direção a suas próprias recordações.
Feita essa advertência, e com a consciência tranqüila de não estar sendo ouvido, posso arriscar dizer algumas coisas, que pouco têm a acrescentar ao que ficou dito, com maior maestria e de um jeito mais profundo, na noite de ontem.
Passamos meia década juntos. Aprendemos e erramos. Falando assim, conjugando os verbos no plural, pode parecer que fomos uma turma homogênea. Não, não fomos. As diferenças sempre existiram entre nós. O que torna maior o nosso mérito, posto que praticamos o difícil exercício da convivência, do respeito ao outro. E chegamos aqui..
Nosso caminho na faculdade não foi sem percalços. Mas não queria lembrá-los. O esquecimento também é memória. Prefiro lembrar que, desde o início, procuramos ocupar nosso espaço, cada um a seu modo. Fomos vistos por muitos como uma turma que não estava só de passagem, mas que tinha algo a contribuir, como de fato o fez, na construção daquela história mais do que centenária.
Essa meia década, porém, não foi apenas de seriedade e trabalho. Momentos de descontração e lazer a tornaram menos áspera e a prepararam melhor pra deixar saudades. Aproximaram estranhos, quebraram uma ou outra barreira e permitiram a formação de muitos laços, quem sabe pra sempre.
Não sei – jamais saberei – com quais sonhos cada um de nós cruzou pela primeira vez aquelas portas. Não sei também quais deles ainda nos acompanham, quais ficaram pra trás e quais vieram somar-se ao jardim de esperanças que inevitavelmente nos serve de refúgio e sem o qual não faria o menor sentido saber se o sol nascerá na manhã seguinte. Mas sei que esse foi um tempo de sonhar. De nos projetarmos para além do aqui e do agora, de nos imaginarmos no que há de vir e de acreditarmos na nossa infinita capacidade de mudar as coisas e de segurar as rédeas do nosso próprio destino. A tudo isso nos lançamos agora.
Além de sonhos, eu deveria falar também de utopia. Mas deixo isso a quem vem após a mim, que o fará com maior beleza e emoção.
Caminhando em direção ao fim, peço àqueles que seguiram meu conselho e foram buscar a cor de suas próprias lembranças pra que voltem a me escutar. Se ouviram meus cumprimentos iniciais é importante que ouçam também minha despedida. Despedir-se... Como é difícil se despedir. Dizer tchau, até logo, até mais. Sobretudo quando cada uma dessas expressões pode significar um simples adeus. Mas é preciso que nos despeçamos, é preciso que aprendamos a nos despedir. Nisso talvez resida um dos segredos da democracia.
Antes, contudo, gostaria de dizer ainda uma ou duas palavras. Aprendemos bem cedo no curso que é difícil definir o que seja a justiça. O que é justo pra uns, muitas vezes não o será pra outros. Mas as dificuldades do conceito de justiça não nos eximem de lutar por ela. E não podem ser por nós tomadas como desculpa cínica frente aos desafios do por-vir e à tarefa da construção de um mundo menos desigual, em que não haja espaço para o preconceito nem para a discriminação, sejam eles sociais, econômicos, raciais, étnicos, de gênero, de orientação sexual, religiosos, culturais ou quaisquer outros. Um mundo guiado pela lógica da inclusão, da alteridade e do reconhecimento, não mais pela exclusão, pelo egoísmo e pelo desrespeito. Um mundo onde finalmente seja possível ouvir com clareza os gritos ainda sufocados daqueles e daquelas que clamam e lutam por um tempo melhor, “pois só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não têm voz.”
Nos encontraremos. Não todos, certamente. Mas nos encontraremos. Este está longe de ser o ponto final. É no máximo um ponto e vírgula, o fim de um capítulo, um recomeço. Sim, nos encontraremos. Serão outros o palco e a cena. Mas que possa ser sempre o mesmo o brilho que hoje emana nossos olhos.
Obrigado pela atenção. Perdão pelas palavras. E que de nós e em nós reste a saudade, como sentimento do impossível, o choro, como expressão do indizível, e o riso, como única e verdadeira forma de dizer que valeu a pena.
5 comentários:
Ótima iniciativa, professor. O discurso do David foi realmente muito bonito e emocionante, é bom poder acessá-lo aqui. Além disso, a chamada final dele é preciosíssima para ser lembrada a qualquer estudante/profissional do Direito: nem a dificuldade para se definir o conceito de justiça, nem a busca por realização individual, conforto financeiro ou qualquer outra coisa nos eximem de lutar e ansiar pela justiça!
Ah, vou publicar um trecho no blog da ABU-Direito, não tem problema, né?
Fernanda,
Que bom que você gostou da publicação do discurso. Sobre a reprodução de um trecho em outro blog, imagino que o autor não vá se importar, mas acho bom consultá-lo primeiro.
Um abraço,
Giordano.
Oi, Fernanda, fique à vontade pra publicar no blog da ABU. Na verdade, eu é que agradeço e me sinto honrado.
Um beijo,
David
Hahahahaha, que bom, David, porque eu já tinha colocado antes de "avisar" aqui. (mas citei tudo bonitinho, autoria e fonte)
Imagina, não precisa agradecer, como falei no comentário, acho que a "chamada à responsabilidade" que você enfatizou no final só faz bem a quem ler
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