segunda-feira, 17 de maio de 2010
SOBRE O ENSINO JURÍDICO NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
Contribuição enviada por Ludmila Oliveira e Tarcísio Magalhães,
estudantes do 7º período da Faculdade de Direito da UFMG,
intercambistas na University of Wisconsin-Madison.
Em julho de 2008, recebemos a notícia de que havíamos sido aprovados no Programa de Mobilidade Discente Internacional do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais para cursar o segundo semestre de 2009 na University of Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos da América. Ficamos extremamente felizes, mas, ao mesmo tempo, receosos de como seria estudar em uma universidade em outro país, cujo sistema jurídico é tão diverso do nosso. Por se tratar de um país adepto do Common Law, optamos por cursar disciplinas relacionadas ao Direito Internacional, além de Direito Americano.
O meio acadêmico nos Estados Unidos é extremamente diferente do brasileiro: a faculdade, os professores, os alunos, o estilo das aulas, as formas de ensino e aprendizado, os métodos avaliativos e por aí em diante…
Vejamos:
Primeiramente, vale ressaltar que o curso de Direito é uma pós-graduação (chamada de graduation). Em outras palavras, é necessário ter um diploma de um curso de 4 anos (undergraduation) para ingressar na faculdade de Direito. O curso de Direito dura, em média, 3 anos e, a partir do 2 ano, a grade curricular é montada pelo próprio aluno.
Os professores—que, quase à unanimidade, não desempenham outra atividade que não a do magistério—, sempre enviam, alguns dias antes do início das aulas, e-mails, para todos os alunos matriculados na disciplina, com o cronograma do curso (o syllabus), contendo todas as tarefas e leituras referentes a cada aula do semestre. É obrigatório que todos os alunos leiam todo o material indicado para cada dia de aula; uma leitura bastante extensa, incluindo, muitas vezes, vários capítulos de um livro. O syllabus contem tarefas, inclusive, para o primeiro dia de aula. Por isso, uma semana antes das aulas começarem, a biblioteca fica repleta de alunos cumprindo suas respectivas tarefas agendadas para o primeiro dia.
O material didático é composto de Casebooks, isto é, livros com pouca explicação da matéria e muitos casos. O alunos aprendem sempre com base em casos, pois o ensino jurídico americano é muito voltado para o caso concreto e o Direito na prática.
O ensino nas faculdades de Direito norte-americanas se baseia no método socrático, ou seja, os professores tendem a responder às perguntas dos alunos sempre com outra pergunta, estimulando a discussão e o debate, de modo a construírem, professor e aluno, o conhecimento juntos. Diz-se que, nas salas de aula americanas, o professor e os alunos se encontram em pé de igualdade, ambos buscando aprender. Os alunos são constantemente incentivados a questionarem e a participação é sempre considerada na hora da pontuação. Logo, as aulas de Direito nunca são expositivas, mas sempre discursivas. O professor ministra sua aula dirigindo perguntas aos alunos, as quais devem ser respondidas com base na leitura prévia. Por essa razão, as turmas são, em sua maioria, bem reduzidas (cursamos uma matéria, por exemplo, na qual somente 10 pessoas estavam matriculados).
Outra discrepância com o nosso sistema são os métodos avaliativos. Em primeiro lugar, as notas são dadas quase sempre em curva. Isso significa que a nota de cada aluno é atribuída em comparação com a do colega. Via de regra, somente 10% da classe pode obter conceito A, 25% B, 35% C, 30% D, alguns poucos sendo reprovados. Tal sistema proporciona uma forte competição entre os alunos. Cada um estuda com seus próprios materiais e ninguém empresta anotações, resumos ou similares, vez que, se um aluno ajudar o outro, estará se prejudicando. Por fim, os alunos recebem suas notas contendo a posição na qual eles se encontram perante o restante da turma, ou seja, suas colocações em um ranking de melhores alunos. Isto é de extrema importância para os alunos de Direto, pois os grandes escritórios valorizam boas notas e contratam apenas os mais bem conceituados.
Os professores tem total liberdade para escolher como os pontos do semestre serão distribuídos. Alguns optam pela elaboração de artigos, outros mesclam artigos e provas escritas e ainda tem aqueles que decidem aplicar somente uma prova ao final do semestre. Em função do próprio sistema jurídico norte-americano, os professores não levam em conta, na hora da avaliação, se o aluno decorou cada trecho do livro ou se gravou cada palavra dita em sala de aula. O relevante é que as respostas às questões nas provas e o raciocínio apresentado nos artigos sejam capazes de convencer o professor. O que se busca desenvolver e aperfeiçoar é sempre a persuasão. Os alunos de Direito estadunidenses são treinados a ganharem casos, o que é feito provando ser seu argumento o melhor e destruindo o argumento adversário.
Finalmente, um aspecto que nos marcou é a estrutura fornecida pela universidade, principalmente para pesquisa. Existem 56 bibliotecas no campus, sendo muitas delas 24 horas. As bibliotecas são equipadas com máquinas de xerox e scanners, cafeteria, computadores, máquinas de refrigerante e salgadinhos, sofás... Enfim, tudo o que o aluno possa precisar. Além do vastíssimo banco de dados da própria universidade (para se ter uma idéia, é possível ler a Folha de São Paulo através do site da biblioteca, dentre outros milhares de jornais, revistas e artigos de toda parte do globo), existe ainda um convênio celebrado entre a University of Wisconsin-Madison e diversas outras universidades do mundo (inclusive a USP), por meio do qual o aluno pode encomendar, via internet, um livro que se encontra em outra biblioteca (no Brasil, na Europa, etc.) sem qualquer custo adicional. Ademais, não há limite máximo de livros por aluno e as bibliotecas emprestam, além de livros, é claro, DVDs, jogos de video game e, até mesmo, notebooks e carregadores, tudo com a simples apresentação da carteira da biblioteca. Por último, existem equipes espalhadas pelo campus para auxiliar os alunos na elaboração de artigos e resolução de exercícios, corrigindo e dando dicas.
Esperamos que as informações tenham ajudado àqueles que queiram embarcar nessa aventura do intercâmbio acadêmico internacional. Nos colocamos à disposição para responder eventuais dúvidas sobre moradia, visto, passagem, gastos etc., e, obviamente, sobre o sistema de ensino norte-americano. Basta entrar em contato!
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6 comentários:
Cursei no semestre passado uma optativa baseada nesse sistema de leituras prévias e debates e nesse semestre estou cursando outra que adota igual metodologia, ambas aqui na Faculdade de Direito.
Creio que o próprio sistema americano que adota 1) estudos generalistas e 2) graduação específica, capacita de maneira bem mais consistente os alunos para um estilo de aula nesses moldes.
Uma grande dificuldade que encontrei em ambas matérias foi justamente a carga de leituras que elas demandam - pois as aulas se baseiam no debate e os professores apenas guiam essas discussões. Talvez se todas as matérias se baseassem num emsmo sistema seria mais tranquilo manejá-las todas de forma a estar sempre em dia com a matéria.
No entanto, saímos de um ensino básico que é totalmente centrado na reprodução de certos conteúdos de "destaque", pois cobrados em exames, e entramos numa lógica de ensino totalmente diferenciada que é a Universidade. O aluno que sai do ensino médio excepcionalmente tem maturidade e disciplina para adotar um sistema de estudos tão organizado.
É ao longo do curso que percebemos que a boa alternativa para aqueles que realmente querem ir à Universidade para "estudar" é justamente adotar um método de estudos contínuo e que mantenha os conteúdos ministrados em sala em sintonia com nossas leituras.
Creio também que a grade curricular que adotamos não é de todo propícia porque estudamos até níveis avançados, obrigatoriamente, certos conteúdos que talvez não seriam essenciais à nossa formação e que acabam tomando tempo de estudo de outras áreas de nosso interesse. A versão curricular 2008 inovou ao exigir uma formação do graduando com 38 créditos de optativas: estimula-se a especialização do aluno segundo seus interesses. No entanto essa grade ainda carrega consigo severas contradições: força quem não gosta de Direito Penal, p.e., a estudar não só a parte geral (que entendo essencial para dizermos se gostamos ou não) mas também os crimes em espécie (discussões que entendo serem de interesse daqueles que se identificam com a área criminal).
Um sistema como o americano casa-se, ao meu ver: com uma maturidade intelectual do aluno (após 4 anos de estudos universitários, em que ele decide se afinal quer mesmo fazer uma faculdade ou se os estudos não são "sua praia"), com uma disciplina de estudos (em que a idade e experiência acadêmica anterior ajudam bastante) e ainda com uma formação flexível em que o aluno decide no que deseja se especializar. Ainda, ponto relevante, é que de fato há professores e bibliotecas que dão conta de necessidades específicas dos alunos, enquanto a realidade de nossas universidades públicas, e aqui falo com conhecimento de causa de nossa Faculdade, é de faltarem professores para ministrar memso as disciplinas obrigatórias, ao passo que nossa Biblioteca, apesar de meritória, ainda está muito aquém dos padrões de uma grande biblioteca universitária (faltam livros de autores nacionais, quem dirá quanto a revistas jurídicas, doutrina estrangeira, materiais de tradução, enfim, o aparato básico para a pesquisa científica?).
Para fechar, já que me alonguei tanto, creio que tanto o método de ensino diferenciado (que muitos professores, mais jovens ou mais experientes, vêm adotando) que está em nascimento, quanto o fato de experimentarmos um novo currículo e estarmos em pleno processo de expansão do quadro de professores, são encorajadores quanto ao futuro da Faculdade de Direito.
Muito interessantes as informações... e não há como não sentir uma pontada de inveja da infra-estrutura das universidades norte-americanas.
Só não invejo de forma alguma o incentivo à competição. Sinceramente ainda acredito que o conhecimento se faz com cooperação!
Ludmila e Tarcísio,
Obrigado por terem compartilhado sua experiência conosco, permitindo-nos o tão saudável exercício da comparação.
Um abraço,
Giordano.
Newton,
Também penso que é muito brusca a transição do ensino médio que temos para a Universidade que desejamos.
Giordano.
Mariana,
Eu também não me impressiono com a competição.
Giordano.
O método de ensino estadunidense é espetacular, pois instiga o aluno a aprender o mundo jurídico e não apenas decorar disciplinas. Gostaria muito de obter informações de como fazer intercâmbio.
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