terça-feira, 28 de agosto de 2018

Como redigir a epígrafe perfeita

Professor Lemos

 Bom xibom, xibom, bombom!
Bom xibom, xibom, bombom!
Bom xibom, xibom, bombom!
Bom xibom, xibom, bombom!
(As Meninas, 1999)

Neófitos sempre me perguntam sobre como redigir a epígrafe perfeita. Aliás, perguntar é o que os neófitos fazem melhor e, desse modo, revelam ao mundo toda a extensão de sua insensatez.

Perguntar pela epígrafe perfeita, no caso de um neófito, é perguntar pelo impossível. A perfeição é para os gênios. E genialidade não se ensina, não se aprende. Falarei, portanto, da epígrafe possível, na esperança de ser útil aos consulentes.

O segredo de uma epígrafe é escolher uma frase completamente incompreensível, o que se pode obter de dois modos. O primeiro é retirar do contexto uma frase compreensível, tornando-a, assim, suficientemente obscura. O segundo, e mais fácil, é escolher uma frase qualquer de um escritor incompreensível. E há autores especialmente apropriados ao propósito. Experimente, por exemplo, Lacan, Sartre, Derrida ou qualquer outro sujeito que jamais escrevia sem antes fumar ou beber alguma substância de procedência duvidosa.

A razão para escolher uma epígrafe misteriosa é óbvia. E se me dou ao trabalho de explicá-la é porque me dirijo a neófitos. Uma vez que é certo que todo gênio é um incompreendido, nada melhor que a obscuridade para simular genialidade que, como disse, é algo que não se ensina, não se aprende, mas com o que se nasce.

E talvez seja melhor um gênio simulado que um gênio de verdade, pois a genialidade é uma ilha num oceano de estupidez. O gênio é um solitário. Sua única forma de ter comunhão é escrever e, depois, ler o que escreveu. Somente consigo é que um gênio pode dialogar. Ninguém deveria aspirar à genialidade. Primeiro, porque é inútil. Depois, porque ser gênio não é fácil. E eu digo por experiência própria.

Uma epígrafe incompreensível, portanto, é o melhor que se pode fazer. Diante dela, o leitor, cansado de imaginar algum sentido razoável, desiste, sucumbe, desmorona, reconhecendo, assim, a estreiteza de sua capacidade intelectual, sem ter outra coisa a fazer senão confessar que está na presença de um gênio.

Post scriptum

Se você não sabe o que são os neófitos, isso significa que você é um deles. Nesse caso, consulte o dicionário, que é o livro que todo neófito deve ter sempre por perto. Saia de casa sem a carteira, o celular e o guarda-chuva, mas não ande sem o Aurélio, bom e velho.

Nenhum comentário: