segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Pensar bem para agir bem: observações sobre estágio de docência*

Todo mundo já ouviu a história do sujeito que estava doente, mesmo às portas da morte, e tinha um grande segredo para contar. Na presença de amigos e familiares, ele abre os olhos com dificuldade, tenta levantar um pouco a cabeça, faz sinal para que todos se aproximem e, com o máximo esforço, consegue dizer: - “Eu queria revelar algo importante, que pode mudar a vida de muita gente. Prestem bastante atenção, que eu não vou repetir. Gostaria que vocês soubessem que…”. Nesse momento, com o clima de tensão no limite, o moribundo faz uma pausa. Os presentes, muito ansiosos, chegam ainda mais perto. Mas antes de completar a frase, ele apenas suspira, e morre.

Lamento decepcioná-los logo de cara, mas não tenho nenhum segredo para contar. Não posso lhes ensinar a mágica de obter sucesso no magistério, simplesmente porque não sei como fazê-lo. 

O que eu tenho a dizer é simples e se baseia na compreensão de que, para agir bem, é preciso pensar bem. É que embora não sejam suficientes, os pensamentos corretos são necessários para as boas atitudes. E se aqueles que se preparam para o magistério desejam fazer as coisas da melhor forma - e eu sei que desejam - é o caso, então, de escolher as melhores ideias. 

Assim, na expectativa de proporcionar reflexão e debate, gostaria de fazer quatro afirmações.

1. As atitudes refletem a personalidade

O professor não consegue se esconder dos alunos. Por mais que tente controlar os gestos e escolher as palavras, ele acaba revelando mais do que deseja. A dinâmica da sala de aula é cheia de armadilhas. E é difícil se esquivar de 40 ou 50 observadores atentos e inteligentes.

Por isso, parece que o melhor é buscar o máximo de autoconhecimento

Assim, ao descobrir os próprios limites, o professor respeitará si mesmo; ao perceber as fragilidades, saberá em que áreas precisa investir; e ao identificar os pontos fortes, perceberá de que modo pode dar as melhores contribuições. 

2. Ninguém pode oferecer o que não tem

Não acredito que o professor possa transferir conhecimentos da sua cabeça para a cabeça do aluno. Nesse ponto, e em muitos outros, estou de acordo com o Paulo Freire. Mas, por outro lado, o professor não deveria esperar que o aluno se tornasse algo essencialmente diferente de seu mestre. Jesus ensinou que “basta ao discípulo ser como o seu mestre”. Convenhamos que, quando os mestres são humanos, e especialmente quando são bem fraquinhos, os discípulos podem superá-lo. Mas, nesse caso, o importante é que o professor saiba que, querendo ou não, acabará servindo de modelo aos alunos. 

Sabendo disso, para o seu próprio bem e o bem de seus alunos, deve construir a mais adequada formação filosófica de que for capaz e a melhor formação na especialidade a que se dedica.  

3. Não dá para alimentar quem não tem fome

O que está em jogo na sala de aula é basicamente ensinar e aprender. Não apenas os conteúdos, mas também as habilidades. Não somente o professor ensinando, mas os alunos também. Não somente os alunos aprendendo, mais os professores também. 

O professor, de quem tradicionalmente se espera que ensine, não deve imaginar que é isso o que lhe cabe, mas também não pode admitir que não lhe reste o que fazer. Na dinâmica da escola, o professor sempre terá um papel especial. 

Quando o aluno já sabe o que quer, o professor pode adotar estratégias para ajudá-lo a se apropriar de conteúdos e habilidades. Mas quando o aluno não sabe para onde ir, o professor deve começar o seu trabalho com o que Feuerstein chama de mediação do interesse, que consiste na adoção de estratégias para ajudá-lo a perceber o universo de possibilidade que tem diante de si. 

O desafio não é pequeno, sobretudo num tempo em que as pessoas se dispersam com facilidade e costumam chegar ao ensino superior sem a mínima noção do que esperam para o futuro.

Para ajudar, é recomendável investir nos estudos de metodologia do ensino.

4. É impossível estar em dois lugares ao mesmo tempo

Agora, uma observação para quem está prestes a ter sua primeira oportunidade de assumir uma sala de aula, nem que seja apenas por um dia: não a desperdice. 

E também não acredite na ideia corrente de que professor universitário se realiza mesmo é como pesquisador. Não dê ouvidos aos que desvalorizam a sala de aula. Não se deixe prender pelos obstáculos, tais como a falta de estrutura, o desinteresse dos alunos ou a aridez dos temas que serão estudados. E se você é monitor ou estagiário de docência, não fique desanimado com eventuais falhas do orientador, mas utilize esse elemento como incentivo para fazer diferente. 

Em qualquer contexto, o professor não deveria buscar menos que a excelência. E com mais razão se ele está em início de carreira. 

Por isso, tendo a oportunidade de pisar na sala de aula, o professor deve estar inteiramente ali. Não pode se distrair com outras tarefas. Nem mesmo com os prazos para entregar a dissertação ou a tese.

Nossos dias não são os melhores para quem está prestes a ingressar no mercado de trabalho, em qualquer área, inclusive na educação superior. É preciso dizê-lo com franqueza. 

No entanto, para quem deseja seguir carreira no magistério, o correto é fazer todas as tarefas com o máximo cuidado, aproveitando, assim, cada oportunidade, e cuidando de se aprimorar de modo constante, na esperança de que, no momento certo, a porta certa se abrirá.

Para finalizar, cito uns versos do Fernando Pessoa, na verdade, de Ricardo Reis, que estão gravados no túmulo do poeta, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, e que podem resumir bem o que tentei dizer até aqui:

Para ser grande, sê inteiro: nada 
Teu exagera ou exclui. 
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

* Texto que serviu de base à comunicação apresentada no Seminário de Iniciação à Docência, organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMG, em 3 de agosto de 2018.

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