Contribuição enviada por Cleusa Maria Alves Nunes, professora do sistema público, e Lucas Daniel Alves Nunes, estudante do 7º período da Faculdade de Direito da UFMG
No inicio da década de 90, com o triunfo mundial do capitalismo, os países detentores de grandes capitais passaram a exercer influência sobre os países endividados, determinando, inclusive, políticas educacionais. Antes de tal época, a educação na América Latina tinha como principais alvos a redução do analfabetismo e a aproximação da universidade à população, até então, reduto da classe economicamente superior. Com as mudanças da década de 90, a educação transformou-se em mero instrumento pragmático de alcance estatístico, havendo o incentivo à abertura – muitas vezes com financiamento público – de instituições de ensino superior privadas e públicas, grande parte sem condições mínimas necessárias para o aprimoramento intelectual do aluno. Perdeu-se o compromisso com a qualidade e com a principal vocação do ensino: a formação de cidadãos conscientes do mundo, independentes intelectualmente e capazes de elaborar reflexões críticas. Criou-se uma mão-de-obra mais qualificada, mas não profissionais autônomos de conhecimento.
Nessas transformações, surgira o processo de “bestialização” do educador, como relata Alexandre Brasil Fonseca, em palestra oferecida na quarta conferencia latino-americana da AIPESC, em 2004. O professor, na maioria das instituições, devido ao grande número de alunos, é obrigado a permanecer dentro de sala de aula em quase totalidade de seu tempo, afastando-se das pesquisas, do preparo das aulas, do atendimento individualizado dos alunos e da qualificação acadêmica. Assim, o processo de “bestialização” do educador criara meros professores reprodutores de manuais e códigos, sem o mínimo desenvolvimento didático e autonomia científica, incapazes de valorizar teorias e incentivar o aluno na elaboração do conhecimento.
Não é só nas instituições privadas, que visam principalmente o caráter financeiro da educação, como muitos acreditam, que se pode ver esse processo. Nas instituições públicas, grande parte dos professores, desanimados com baixos salários e grande quantidade de alunos desinteressados, transforma o processo de aprendizado em uma mera troca: o aluno recebe nota suficiente para ser aprovado, em contraprestação, convive com a negligência do professor. Se os alunos, revoltados com as faltas freqüentes e não compromisso em sala, reclamam institucionalmente de um educador, muitas vezes vêem-se perseguidos por ele. Tão pouco pode fazer o educador. Se esse exige dos alunos o suficiente para criação de um pensador independente, cobrando certo rendimento, acaba sendo julgado como “carrasco”, passando a ser mal recebido em seu local de trabalho – em alguns casos, sofrendo ameaças e lesões físicas, como se vê constantemente em jornais e noticiários.
O educador atual tem que rever seu papel de intermediador do processo de ensino-aprendizado, mas não é ele o único responsável pela desestruturação dos cursos superiores atuais. Cabe, também, aos alunos, cada vez mais alienados, banalizados e subestimados pelas políticas públicas de educação, aprofundar seus conhecimentos sobre o objeto de seu estudo, independente da cobrança do professor, adquirindo a consciência da importância de se tornar um profissional independente, crítico e capaz de adaptar-se à diferentes necessidades que surjam no decorrer de sua profissão. Ao governo, faltam políticas educacionais não meramente estatísticas, mas voltadas para a valorização dos profissionais da educação, investindo em capacitação desses, possibilitando uma independência cientifica e inovadora.
Enquanto o trinômio da educação (professor, aluno e governo) não estiver ciente de seus deveres, o que se verá é cada vez mais uma dependência brasileira intelectual, principalmente dos grandes centros de conhecimento, pesados investidores em modelos inovadores de pesquisa e extensão universitárias.
4 comentários:
Realmente, bom texto. Principalmente pq não ficou só na acusação do professor...
só achei meio pesada a palavra bestialização... mas é uma boa resposta pro tanto de professores picaretas q temos, com preguiça de corrigir trabalhos e incentivar nossa aprofundamento em certos pontos....
Gabriela,
Que bom que você gostou do texto! Aproveito para agradecer à Cleusa e ao Lucas a gentileza da contribuição. Valeu!
Giordano.
Oh, que chique! Bacana mesmo o texto. E o mais triste é que, a começar por mim mesmo, às vezes alguns professores negligentes, mas de "mão leve", são bem mais aceitos do que os negligentes com aulas e que não são tão mansos assim na hora de avaliar.
Realmente, esse trinômio apresentado ao final tem que estar, como um todo, insatisfeito e em busca de um sistema educacional melhor. É fácil acusar só o governo enquanto nós, alunos, compactuamos com algumas situações assim.
Fernanda,
De onde pode vir a mudança?
Giordano.
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