Rui Barbosa, quando perguntado sobre como se poderia adquirir vernaculidade, recomendou a leitura de Padre Vieira. Pensando nisso, ao final de uma aula, li um trecho, a seguir transcrito, de um magnífico sermão do religioso português.
A partir dele, é possível dizer se Rui tinha razão. Sobre isso, cada um pense o que quiser.
Não pode haver dúvida, porém, quanto à completa irrelvância contemporânea do assunto discutido pelo pregador no distante ano de 1650.
Felizmente, os problemas de que cogita há muito já não nos assolam mais!
Com a palavra, então, o Padre Vieira:
"Quais serão as consequências de um voto injusto em um tribunal? Quais serão as consequências de um voto apaixonado em um conselho? Ajude-me Deus a saber-vo-las representar, pois é matéria tão oculta e de tanta importância. Consulta-se em um conselho o lugar de um vice-rei, de um general, de um governador, de um prelado, de um ministro superior da Fazenda ou Justiça: e que sucede? Vota o conselheiro no parente, porque é parente; vota no amigo, porque é amigo; vota no recomendado, porque é recomendado: e os mais dignos e os mais beneméritos, porque não têm amizade, nem parentesco, nem valia, ficam de fora. Acontece isto muitas vezes? Queira Deus que alguma vez deixe de ser assim. Agora quisera eu perguntar ao conselheiro que deu esse voto e que o assinou, se lhe remordeu a consciência, ou se soube o que fazia? Homem cego, homem precipitado, sabes o que fazes? Sabes o que firmas? Sabes que ainda que o pecado que cometeste contra o juramento de teu cargo seja um só, as consequencias que dele se seguem são infinitas e maiores que o mesmo pecado? Sabes que com essa pena te escreves réu, de todos os males que fizer, que consentir, e que não estorvar esse homem indigno por quem votaste, e de todos os que dele se seguirem até o fim do mundo? Oh grande miséria! Miserável é a república onde há tais votos; miseráveis são os povos onde se mandam ministros feitos por tais eleições; mas os conselheiros que neles votaram são os mais miseráveis de todos: os outros levam o proveito, eles ficam com os encargos”.
(VIEIRA, António. Sermão da Primeira Dominga do Advento. In: VIEIRA, António. Sermões. Tomo I. Porto: Lello e Irmão, 1959, p. 61).
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