quinta-feira, 27 de maio de 2010

ENTREVISTA COM GUSTAVO ROMANO


Gustavo Romano cursou a graduação em Direito na PUC/MG. Em seguida, fez mestrado em Direito em Harvard. Fundou o projeto Para Entender Direito (www.paraentenderdireito.org) e é sócio da consultoria Quanta Corporate Citizenship (www.quantacitizenship.com). Em maio de 2010, concedeu-nos, por e-mail, a seguinte entrevista.

1. Como foi a experiência de estudar em Harvard?

É uma experiência incrível. Você tem aula com alguns dos melhores professores do planeta, acesso à segunda maior biblioteca do mundo, e colegas incrivelmente inteligentes de mais de cem nacionalidades diferentes. É também uma experiência de humildade. Me lembro que na primeira semana o diretor da faculdade de Direito nos ofereceu um almoço e, durante seu discurso, disse algo como 'todos vocês estão aqui por terem sidos os melhores de onde quer que vocês tenham vindo, mas não se esqueçam que aqui todos vocês são iguais, e isso muitas vezes pode machucar seus egos'.


2. Quais as principais diferenças entre o ensino jurídico no Brasil e nos Estados Unidos da América?

É mais fácil falar das semelhanças do que das diferenças pois lá quase tudo é diferente. Primeiro, o sistema não é codificado, por isso as aulas se desenvolvem ao redor de 'case studies' (algo como jurisprudência, no Brasil, mas não é exatamente a mesma coisa). O sistema é todo baseado em princípios e respeito à sabedoria do magistrado, enquanto no Brasil ele é baseado em leis e dúvida na capacidade do magistrado julgar (e, por isso, tantos recursos).

Outra diferença gritante é como nossa visão é pequena no Brasil. Estudamos direito italiano, alemão e, quando muito, francês, e achamos que esses países são fontes de direito. Não são. A maior parte dos juristas 'importados' que eu conhecia no Brasil nunca tiveram qualquer imporância lá fora. Na verdade, o único professor que mencionava qualquer daqueles juristas tão famosos no Brasil era justamente um professor brasileiro. E era para criticá-los. Quando estava lá fui procurar um livro de um dos filósofos mais discutidos nas faculdades no Brasil. Achei uma única cópia, e a última vez que ela tinha saído da biblioteca foi em 1983! De repente tive noção como minha visão do mundo era míope.

Outras duas diferenças importantes é que, primeiro, o curso de direito lá é uma pós-graduação. Ele dura apenas 3 anos, mas para chegar lá, você primeiro precisa ser formado em alguma outra coisa. O trajeto normal para se formar em direito é estudar algo (política, economia, biologia etc), formar-se, trabalhar alguns anos (ou servir o exército), e depois voltar para estudar direito. Isso significa que a idade média dos estudantes de lá é bem mais alta do que no Brasil, o que aumenta a maturidade emocional e experiência de vida dos alunos.

Por fim, a segunda diferença é que o ensino é quase auto-aprendizado. Você tem 10 aulas de 3 horas por assunto. E é isso. O resto, você se vira nas bibliotecas estudando por conta própria. Quando estudava no Brasil, eu achava que estudar duas ou três horas por dia era o suficiente. E talvez fosse. Mas lá, estudávamos nas bibliotecas todos os dias, inclusive sábados e domingos, até meia-noite. E chegávamos em casa e estudávamos mais um pouco. Perdi a conta de vezes em que vi o sol se levantar enquanto eu ainda estava em minha escrivaninha.

3. Se você fosse Ministro da Educação, e tivesse amplos poderes de reforma, que modificações faria no sistema brasileiro de ensino jurídico?

Hoje qualquer um no Brasil tem um diploma de direito, mas a OAB aprova menos de 20% dos candidatos. Não porque a prova seja difícil (não é. É uma prova muito fácil, aliás), mas porque estamos formando alunos como se fosse linha de montagem. Iludir o aluno é um crime. Ou começamos a fechar más escolas, demitir maus professores, e reprovar maus alunos, ou vamos continuar fingindo que ensinamos, e eles vão continuar fingindo que aprendem, e cinco anos depois, quando se depararem com as realidades do mercado, vão cair na real e perceberão como traímos sua confiança. É muito melhor sermos rígidos conosco e com os alunos no início do que mantermos uma mentira educacional.

4. Se você estivesse começando o curso jurídico agora, o que faria de diferente?

Tudo. Faria tudo com muito mais atenção, não aceitaria a mediocridade - minha e alheia - de forma tão passiva, estudaria muito mais e com muito mais afinco, seria muito menos tímido e me aproximaria mais dos bons professores que tive (e tive alguns geniais, como a Carmen Lúcia, a Wilba Lúcia, o Carlos Augusto Canêdo, o Leonardo Isaac, o Moacyr Lobato e o Álvaro de Souza Cruz). Eles talvez não tenham a dimensão de como mudaram minha vida, da gratidão que tenho por seus ensinamentos e suas condutas, e como me moldaram no que sou, e no que muitos de nós nos tornamos. E me afastaria completamente daqueles que não eram apaixonados por direito, mas apenas por si próprios. Me aproximaria mais e não perderia o contato com alguns colegas geniais que tive e não soube usufruir como deveria, como você. É incrível como algumas pessoas deixam suas marcas para sempre em nós, e acabamos só percebendo isso depois que já perdemos contato ou estamos a 10 mil quilômetros de distância. Guardo um carinho enorme por essas pessoas que me fizeram um ser humano um pouco melhor, não só do ponto de vista intelectual, mas que me mostraram como é possível viver uma vida ética.

5. Em sua opinião, quais as áreas mais promissoras para o futuro profissional do Direito?

Do ponto de vista mundial, a internet hoje é vista como um todo. Em breve começaremos a ter subdivisões. Internet e produção de conteúdo, confidencialidade, direito internacional na internet, direito criminal pela internet, direito tributário da internet etc. Teremos que reaprender tudo que sabemos. Por exemplo, as pessoas ainda não perceberam que para empresas como Google, Twitter, Facebook etc, não somos clientes: somos os produtos. Clientes são as empresas de mídia. Isso têm uma séria de consequências de como o direito é aplicável.

As biociências e farmacologia são outra área muito promissora. Em 20 anos o mundo da genética, venda, transporte e replicagem de órgãos, bem como de patentes de produtos geneticamente manipulados estará bem mais desenvolvido. Acho que a agricultura, formas alternativas de energia, e tudo relacionado à reciclagem, carbono e sustentabilidade também deve ser algo incrível.

Acho que, no caso do Brasil, direito tributário internacional, fusões e aquisições internacionais e direito laboral internacional ainda vão se desenvolver bastante à medida que a economia do país crescer. Ainda temos muito pouco expatriado vivendo no Brasil. Em breve isso vai mudar drasticamente e o nosso direito vai ter de se adaptar a isso. Com o aumento de famílias com bens e nacionalidades distintas, teremos que ter juristas que entendam de mais de um direito, pois as relações se tornarão muito mais complexas.

Acho que, com o aumento da renda, começaremos a prestar mais atenção em áreas que até hoje não notamos, como saúde e proteção (health & amp; safety), e teremos que ter pessoas para aplicar essas novas normas e para combatê-las, pois elas podem se tornar um empecilho para o desenvolvimento de uma sociedade. Se bem usadas, e com moderação, elas protegem, se extrapoladas, nos torna uma sociedade de covardes.

Por fim, acho que o Brasil ainda é muito imaturo em termos de produtos bancários, especialmente em bancos de investimento. Vamos precisar de gente muito bem preparada para lidar com os novos produtos quando começarmos a desenvolvê-los no Brasil.

6. Como você percebe o mercado de consultoria jurídica?

Ainda é muito pequeno e basicamente composto de pessoas que já possuíam ligações pessoais com seus clientes. Ainda que seja sócio de uma consultoria, tenho medo da palavra consultor. Boas empresas não querem consultores, querem excelentes parceiros que comam o pão junto com elas. Para quem quer entrar nessa área, tenha certeza que você sabe mais de sua área do que 99.9% de seus colegas. É a única forma de sobreviver.

Um comentário:

uy disse...

Boa entrevista, apesar de pequena.