Na tradição judaica, a sabedoria está mais próxima do homem que consegue guardar silêncio do que daquele que consegue usar bem a palavra.
A ideia pode ser encontrada nos seguintes provérbios de Salomão:
Na multidão de palavras não falta transgressão.
Aquele que possui o entendimento refreia as suas palavras.
Até o tolo, quando calado, é tido por sábio.
O conceito também não é estranho à tradição cristã. Tiago, líder da igreja no primeiro século, ensinou que os cristãos deveriam ser prontos para ouvir e tardios para falar.
Em nossos dias, contudo, muito embora inseridos numa tradição judaico-cristã, nada poderia ser mais distante da noção de sabedoria do que o silêncio.
Qual o lugar do silêncio num mundo em que tudo é movimento e comunicação?
Qual o lugar do silêncio num mundo em que todos podem falar, cantar ou escrever, a respeito de absolutamente tudo ou de simplesmente nada, para uma extraordinária multidão de destinatários?
E ainda que alguém consiga descobrir o valor do silêncio e tenha êxito em praticá-lo em seu dia-a-dia, como essa concepção poderia se compatibilizar com o exercício do magistério?
É possível imaginar um professor que revele sua sabedoria por meio do silêncio?
Acho que não.
O professor precisa professar. O professor precisa ensinar.
E o professor ensina, basicamente, falando.
Há professores que nada perguntam aos seus alunos, mas passam todo o tempo dando respostas.
Há professores que até perguntam, mas ou não ouvem a resposta ou não têm paciência para esperá-la.
Uns e outros são do tipo que monopolizam o direito de fala. Esses são daqueles que conseguem dar a matéria toda. E é bem possível que se considerem excelentes professores.
Mas eu sonho com uma escola em que os professores sejam especialistas em perguntar, ou ainda melhor, em escutar as perguntas e as respostas de seus alunos.
E, quanto a mim, sinto a urgente necessidade de aprender a falar menos, inclusive nas tarefas ligadas ao magistério.
Hoje, um acontecimento nada extraordinário me faz pensar no assunto.
No final da tarde, fui ao Hospital e, enquanto esperava para ser atendido, escutei uma senhora reclamar da fila de espera. E ela reclamava para si e para todos os outros, inclusive para aqueles que, assim como eu, nem estavam incomodados com a demora. E eu não estava incomodado porque nunca vou a repartições públicas, bancos ou hospitais sem levar um bom livro. E, quando estou com um livro, nenhuma demora me incomoda. Mas a mulher não parava de reclamar da fila, do clima, e de tudo o mais.
Depois de algum tempo, tendo puxado assunto com quase todos os outros pacientes, a dona me perguntou: - Você é médico, ou dentista?
Tirando os olhos do livro, e depois de confirmar que ela só podia estar falando comigo, respondi, com um sorriso, mas sem maiores explicações: - Não.
Ela, que já havia se levantado e estava pronta para me fazer várias outras perguntas, provavelmente a respeito dos exames que tinha nas mãos, recuou, acomodou-se novamente na cadeira, e disse: - Eu pensei que você era médico, ou alguma coisa do tipo, por causa desse livro que você está lendo.
Eu apenas sorri e confirmei: - Não, eu não sou não.
Depois disso, não consegui parar de pensar no valor do silêncio.
O médico disse que eu estava com sinusite.
Passei na farmácia e comprei os remédios.
Mas eu não parava de pensar na mulher e na sua multidão de palavras.
Depois, retomei a leitura de Ortodoxia, de Chesterton, o livro que eu havia levado ao Hospital.
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
domingo, 18 de setembro de 2011
A REMUNERAÇÃO DOS PROFESSORES
Recentemente, participei de um debate sobre qualidade do ensino jurídico. Depois de ouvir observações sobre falta de preparo metodológico dos professores, falta de interesse dos alunos, tradicionalismo dos métodos didáticos e tantas outras possíveis causas para a chamada crise do ensino jurídico, chegou a minha vez de falar. Resumi a minha participação na indicação de um silogismo.
Premissa maior: Não é possível levar a educação a sério sem remunerar bem os professores.Claro que isso é muito radical. Claro que isso é uma simplificação absurda. Claro que isso desconsidera inúmeros outros fatores. Eu sei de tudo isso. Mas é que me parece o cúmulo da hipocrisia discutir qualidade do ensino - infantil, fundamental ou superior - pagando uma miséria ao professor.
Premissa menor: O Brasil remunera mal os professores.
Conclusão: O Brasil não leva a educação a sério.
Na última edição da Revista Exame CEO, inteiramente dedicada à educação, Andreas Schileicher, diretor da OCDE, instituição responsável pela organização do Pisa, afirma que "a qualidade de um sistema educacional não pode exceder a de seus professores e diretores"(Exame CEO, Agosto de 2011, p. 33).
No mesmo texto, o autor indica as melhores práticas adotadas pelos países que estão na vanguarda da educação. A primeira é simples: destacar a educação como prioridade. Para isso, no entanto, os discursos são insuficientes. Na opinião do autor, para descobrir nossa situação em relação ao tema, deveríamos fazer as seguintes perguntas:
"Como o Brasil remunera seus professores? Como são esses salários na comparação com o de outros trabalhadores altamente especializados? Você gostaria que seu filho se tornasse professor?" (Exame CEO, Agosto de 2011, p. 33).
Enquanto não pudermos responder bem a essas perguntas, é melhor não ficar discutindo qualidade da educação. Ou, se alguém quiser discutir o assunto, mas sem considerar esse ponto, não me convide, por favor.
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO
Texto que serviu de base à comunicação apresentada na III Semana Acadêmica, organizada pelo Centro Acadêmico Afonso Pena, na Faculdade de Direito da UFMG, em 12 de agosto de 2011.
De quantos pés uma cadeira precisa para se sustentar? Não é necessário ser muito inteligente para responder a essa pergunta. Todos concordarão que, muito embora a regra seja fabricar bancos e cadeiras com quatro pés, três bastariam para sustentá-los. Do mesmo modo, todos concordarão que são inúteis os bancos e as cadeiras com dois pés ou com apenas um, simplesmente porque, desse modo, não se sustentam.
Talvez os que nasceram na cidade grande não conheçam um equipamento muito curioso que os vaqueiros usam enquanto tiram leite das vacas. Aliás, em tempos de ordenha eletrônica, talvez nem os vaqueiros mais novos o conheçam. Trata-se de um pequeno banquinho, com uns trinta centímetros de altura, e apenas um pé. Sim, um banquinho de apenas um pé. Em minhas memórias de infância, na bela e pacata cidade de Mantena, no interior das Minas Gerais, é fácil localizá-lo. Meu pai tinha umas poucas vacas de leite e, muitas vezes, eu acompanhava o nosso vaqueiro, o Manuel, na tarefa de fazer a ordenha e, depois, atravessar a cidade para entregar o leite de casa em casa, e levar o que sobrava para a Cooperativa dos Produtores Rurais. E o Manuel usava esse banquinho. Então, o banquinho de apenas um pé não é inútil. Não, ele não é inútil, porque o vaqueiro, para se equilibrar, também usa os próprios pés. O banquinho, na verdade, serve apenas como um apoio.
Então, continua verdadeira a ideia de que, para se sustentar, os bancos e as cadeiras precisam de ao menos três pés.
Talvez por isso a Constituição da República determine que o ensino universitário brasileiro fique apoiado no tripé: ensino, pesquisa e extensão. E também pode ser por esse motivo que utiliza a ideia de indissociabilidade dos três elementos. Se um deles faltar, ainda que os outros dois estejam bem estabelecidos, a educação não se sustenta.
O ensino, muito embora nem sempre de qualidade, está sempre presente. Tal como o pé de madeira do banquinho de tirar leite. São as Faculdades ou Universidades que cuidam de oferecê-lo. Não por outro motivo nós as chamamos de instituições de ensino.
Mas pesquisa e extensão, em geral, dependem da iniciativa de professores e alunos. Nas boas instituições, há editais, financiamento e bolsas. Mas, em geral, a iniciativa é dos interessados. Tal como o vaqueiro que precisa oferecer os próprios pés para que o banquinho se sustente.
O ensino, em geral, é o ponto frágil das faculdades e universidades públicas. Os professores, em razão de sua elevada titulação, sentem-se inclinados para a pesquisa. Desejam ardentemente diminuir a permanência em sala de aula. E, não raro, reservam o pior de seu tempo e de seus esforços para o ensino. As instituições, por sua vez, ao mesmo tempo em que cobram produção acadêmica, concretizada principalmente nas orientações e nas publicações, pouco valorizam os professores que se destacam em sala de aula. É evidente, portanto, que devemos insistir na necessidade de valorizar o ensino e lutar por seu contínuo aprimoramento. Mas o ensino sempre estará lá, bom ou ruim.
Pesquisa e extensão, ao contrário, dependem do interesse e da iniciativa de professores e estudantes. Nisso talvez resida parte do encanto que possuem e das vantagens que proporcionam. Destas, seguramente, a mais importante é a experiência da autonomia. Enquanto o ensino encontra grandes restrições à inovação, para não dizer que, por vezes, permanece aprisionado nas grades do currículo, pesquisa e extensão são campos abertos. Neles, o agente inventa, descobre, surpreende-se, aprende, ensina, conversa, sonha, realiza.
As oportunidades são imensas. Basta andar de olhos abertos. Olhar os murais. Conferir as chamadas. Conversar com colegas mais experientes. Procurar. Correr atrás.
Então, nessa conversa ligeira, como se estivéssemos sentados em cima da porteira, pertinho do curral, na fazenda da minha infância querida, ouvindo os mugidos das vacas e dos bezerros, sentindo o cheiro do leite fresco, vendo o nascer do sol atrás da montanha, fica a minha recomendação: faça pesquisa e pratique extensão.
De quantos pés uma cadeira precisa para se sustentar? Não é necessário ser muito inteligente para responder a essa pergunta. Todos concordarão que, muito embora a regra seja fabricar bancos e cadeiras com quatro pés, três bastariam para sustentá-los. Do mesmo modo, todos concordarão que são inúteis os bancos e as cadeiras com dois pés ou com apenas um, simplesmente porque, desse modo, não se sustentam.
Talvez os que nasceram na cidade grande não conheçam um equipamento muito curioso que os vaqueiros usam enquanto tiram leite das vacas. Aliás, em tempos de ordenha eletrônica, talvez nem os vaqueiros mais novos o conheçam. Trata-se de um pequeno banquinho, com uns trinta centímetros de altura, e apenas um pé. Sim, um banquinho de apenas um pé. Em minhas memórias de infância, na bela e pacata cidade de Mantena, no interior das Minas Gerais, é fácil localizá-lo. Meu pai tinha umas poucas vacas de leite e, muitas vezes, eu acompanhava o nosso vaqueiro, o Manuel, na tarefa de fazer a ordenha e, depois, atravessar a cidade para entregar o leite de casa em casa, e levar o que sobrava para a Cooperativa dos Produtores Rurais. E o Manuel usava esse banquinho. Então, o banquinho de apenas um pé não é inútil. Não, ele não é inútil, porque o vaqueiro, para se equilibrar, também usa os próprios pés. O banquinho, na verdade, serve apenas como um apoio.
Então, continua verdadeira a ideia de que, para se sustentar, os bancos e as cadeiras precisam de ao menos três pés.
Talvez por isso a Constituição da República determine que o ensino universitário brasileiro fique apoiado no tripé: ensino, pesquisa e extensão. E também pode ser por esse motivo que utiliza a ideia de indissociabilidade dos três elementos. Se um deles faltar, ainda que os outros dois estejam bem estabelecidos, a educação não se sustenta.
O ensino, muito embora nem sempre de qualidade, está sempre presente. Tal como o pé de madeira do banquinho de tirar leite. São as Faculdades ou Universidades que cuidam de oferecê-lo. Não por outro motivo nós as chamamos de instituições de ensino.
Mas pesquisa e extensão, em geral, dependem da iniciativa de professores e alunos. Nas boas instituições, há editais, financiamento e bolsas. Mas, em geral, a iniciativa é dos interessados. Tal como o vaqueiro que precisa oferecer os próprios pés para que o banquinho se sustente.
O ensino, em geral, é o ponto frágil das faculdades e universidades públicas. Os professores, em razão de sua elevada titulação, sentem-se inclinados para a pesquisa. Desejam ardentemente diminuir a permanência em sala de aula. E, não raro, reservam o pior de seu tempo e de seus esforços para o ensino. As instituições, por sua vez, ao mesmo tempo em que cobram produção acadêmica, concretizada principalmente nas orientações e nas publicações, pouco valorizam os professores que se destacam em sala de aula. É evidente, portanto, que devemos insistir na necessidade de valorizar o ensino e lutar por seu contínuo aprimoramento. Mas o ensino sempre estará lá, bom ou ruim.
Pesquisa e extensão, ao contrário, dependem do interesse e da iniciativa de professores e estudantes. Nisso talvez resida parte do encanto que possuem e das vantagens que proporcionam. Destas, seguramente, a mais importante é a experiência da autonomia. Enquanto o ensino encontra grandes restrições à inovação, para não dizer que, por vezes, permanece aprisionado nas grades do currículo, pesquisa e extensão são campos abertos. Neles, o agente inventa, descobre, surpreende-se, aprende, ensina, conversa, sonha, realiza.
As oportunidades são imensas. Basta andar de olhos abertos. Olhar os murais. Conferir as chamadas. Conversar com colegas mais experientes. Procurar. Correr atrás.
Então, nessa conversa ligeira, como se estivéssemos sentados em cima da porteira, pertinho do curral, na fazenda da minha infância querida, ouvindo os mugidos das vacas e dos bezerros, sentindo o cheiro do leite fresco, vendo o nascer do sol atrás da montanha, fica a minha recomendação: faça pesquisa e pratique extensão.
sábado, 6 de agosto de 2011
SEUS ALUNOS SABEM VOAR?
Na última reunião do CONPEDI (Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito), em Belo Horizonte, assisti a uma palestra sobre metodologia do ensino, muito bem preparada e ministrada com muita competência. Confesso que aprendi coisas muito interessantes. Mas algo me incomodou profundamente. É que o palestrante fazia questão de falar que tinha o hábito de prometer pontos para todo tipo de comportamento que esperava de seus alunos, o que garantia o sucesso de suas atividades pedagógicas. Suas aulas e palestras eram sempre muito concorridas. Os alunos recebiam uns pontinhos extras para frequentá-las. Todas as tarefas que indicava eram prontamente realizadas. Pontinhos extras para os alunos. Seu blog era muito acessado. Mais pontinhos extras.
Saí de lá e fiquei pensando no assunto. Não gostava nada daquilo. E a liberdade para aprender? E a liberdade para não aprender? E a construção ou afirmação da autonomia?
Passados alguns dias, já nas férias, fui reler um livro de um dos meus escritores favoritos, o C. S. Lewis, autor de As Crônicas de Nárnia.
Em A Abolição do Homem, o brilhante professor de Cambridge, falecido em 1963, propõe a distinção entre educação antiga e educação nova. E foi lá que eu encontrei uma resposta tranquilizadora. Poucas vezes eu desejei tanto ser antigo como no momento em que li o seguinte trecho:
"Enquanto a [educação] antiga promovia uma iniciação, a nova apenas 'condiciona'. A antiga lidava com os alunos da mesma maneira como os pássaros crescidos lidam com os filhotes quando lhes ensinam a voar; a nova lida com eles mais como o criador de aves lida com os jovens pássaros - fazendo deles alguma coisa com propósitos que os próprios pássaros desconhecem".
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sábado, 25 de junho de 2011
A MORTE E A VIDA
Na semana passada, fui a dois velórios, de dois professores. De dois grandes professores. Ambos tinham aproximadamente 90 anos. Ambos haviam sido diretores de importantes instituições de ensino. Ambos ainda trabalhavam nessas instituições mesmo depois da aposentadoria. Ambos eram tidos como grandes mestres e grandes administradores. Em ambos os casos, houve suspensão das atividades escolares e decretação de luto oficial.
Uma das cerimônias aconteceu num auditório lotado, com mais de 400 pessoas. A viúva, os filhos, os netos e os bisnetos em volta do caixão. Uma multidão de amigos e ex-alunos. Uma dezena de discursos emocionados. Hinos. Poesias. Lágrimas. Abraços. Gratidão.
Na outra, umas vinte ou trinta pessoas. Na maioria, colegas de trabalho. Da família, acho que um neto, apenas. Um único discurso, oficial, breve e frio.
E eu fiquei pensando na vida. E na morte.
Uma das cerimônias aconteceu num auditório lotado, com mais de 400 pessoas. A viúva, os filhos, os netos e os bisnetos em volta do caixão. Uma multidão de amigos e ex-alunos. Uma dezena de discursos emocionados. Hinos. Poesias. Lágrimas. Abraços. Gratidão.
Na outra, umas vinte ou trinta pessoas. Na maioria, colegas de trabalho. Da família, acho que um neto, apenas. Um único discurso, oficial, breve e frio.
E eu fiquei pensando na vida. E na morte.
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terça-feira, 21 de junho de 2011
PROFESSORES IMPONTUAIS
Quando eu estudava Direito, uma das coisas que mais me aborrecia era a impontualidade dos professores. Eu simplesmente não podia entender porque as aulas não começavam no horário. Imaginava que seria muito melhor iniciar na hora indicada e terminar um pouco mais cedo, caso não houvesse necessidade de utilizar todo o tempo.
Havia um único professor que nunca se atrasava. Era o Márcio Aristeu Monteiro de Barros, que acompanhou nossa turma em todas as disciplinas de Direito Processual Civil. Quando tocava o sinal, eu e meus colegas tínhamos o hábito de observar quantos segundos o Márcio levava para chegar à sala de aula. Eram poucos, talvez uns dez ou quinze. Podíamos vê-lo saindo da sala dos professores, com sua pastinha de couro debaixo do braço, e caminhar apressadamente até o local onde estávamos. E que ninguém ousasse interrompê-lo nesse trajeto!
Estudando a história dos cursos jurídicos brasileiros, descobri que, durante todo o período imperial, os professores observavam religiosamente o que se chamava, à época, de costume do quarto. De acordo com a norma, as aulas deveriam durar uma hora inteira. Mas elas nunca começavam antes de passados os primeiros quinze minutos, ou seja, o primeiro quarto de hora.
E o costume chegou até nós. Hoje, quando um jovem mestre se prepara para deixar a sala dos professores exatamente no horário do início da aula, é bastante provável que ele ouça alguém mais experiente exclamar: "Que furor pedagógico!". O tom, em geral, é de brincadeira. Mas é como se ele fosse advertido a preservar uma longa tradição.
Quando me tornei professor, e mudei de lado, tive uma nova compreensão do problema. A demora para chegar à sala de aula, ao contrário do que eu pensava, não decorre do atraso do professor em chegar à instituição onde trabalha. Em geral, no horário previsto para o início das aulas, estão todos lá, na sala dos professores. A demora acontece é ali mesmo. É que os professores também apreciam uma boa conversa. E, quando o ambiente é bom, a tentação de ficar mais um pouco é quase irresistível.
Mas, agora, falando sério, e com muita franqueza, não sei exatamente o que pensar do assunto.
Um pequeno atraso, inferior aos tradicionais quinze minutos, seria tolerável?
Ou vale a pena o esforço para iniciar as aulas pontualmente no horário previsto?
Havia um único professor que nunca se atrasava. Era o Márcio Aristeu Monteiro de Barros, que acompanhou nossa turma em todas as disciplinas de Direito Processual Civil. Quando tocava o sinal, eu e meus colegas tínhamos o hábito de observar quantos segundos o Márcio levava para chegar à sala de aula. Eram poucos, talvez uns dez ou quinze. Podíamos vê-lo saindo da sala dos professores, com sua pastinha de couro debaixo do braço, e caminhar apressadamente até o local onde estávamos. E que ninguém ousasse interrompê-lo nesse trajeto!
Estudando a história dos cursos jurídicos brasileiros, descobri que, durante todo o período imperial, os professores observavam religiosamente o que se chamava, à época, de costume do quarto. De acordo com a norma, as aulas deveriam durar uma hora inteira. Mas elas nunca começavam antes de passados os primeiros quinze minutos, ou seja, o primeiro quarto de hora.
E o costume chegou até nós. Hoje, quando um jovem mestre se prepara para deixar a sala dos professores exatamente no horário do início da aula, é bastante provável que ele ouça alguém mais experiente exclamar: "Que furor pedagógico!". O tom, em geral, é de brincadeira. Mas é como se ele fosse advertido a preservar uma longa tradição.
Quando me tornei professor, e mudei de lado, tive uma nova compreensão do problema. A demora para chegar à sala de aula, ao contrário do que eu pensava, não decorre do atraso do professor em chegar à instituição onde trabalha. Em geral, no horário previsto para o início das aulas, estão todos lá, na sala dos professores. A demora acontece é ali mesmo. É que os professores também apreciam uma boa conversa. E, quando o ambiente é bom, a tentação de ficar mais um pouco é quase irresistível.
Mas, agora, falando sério, e com muita franqueza, não sei exatamente o que pensar do assunto.
Um pequeno atraso, inferior aos tradicionais quinze minutos, seria tolerável?
Ou vale a pena o esforço para iniciar as aulas pontualmente no horário previsto?
segunda-feira, 6 de junho de 2011
A MÁQUINA DE CORRIGIR PROVAS
Seguramente, corrigir provas é a tarefa mais terrível do magistério. Talvez, por isso, alguns professores têm o hábito de adiá-la o quanto possível.
Eu sou um deles.
Agora, por exemplo, há dois pacotes de prova em cima da minha mesa. Eles estão me olhando, sérios, aborrecidos, enquanto eu me divirto escrevendo esse texto.
E, amanhã, quando os alunos me perguntarem novamente pela prova, talvez eu utilize a resposta padrão:
- "Infelizmente, minha máquina de corrigir provas está com defeito e, dessa vez, vou ter que corrigi-las manualmente. Isso pode demorar alguns dias".
Mas, e se existisse mesmo a máquina de corrigir provas?
Quanto trabalho não seria evitado? Quanto tempo não sobraria para ler Guimarães Rosa e Caio Mário?
Mas, se existisse a tal máquina, o preço da novidade a colocaria fora do alcance de boa parte dos professores.
Sobreviveria, portanto, o método manual, demorado e aborrecido.
Eu sou um deles.
Agora, por exemplo, há dois pacotes de prova em cima da minha mesa. Eles estão me olhando, sérios, aborrecidos, enquanto eu me divirto escrevendo esse texto.
E, amanhã, quando os alunos me perguntarem novamente pela prova, talvez eu utilize a resposta padrão:
- "Infelizmente, minha máquina de corrigir provas está com defeito e, dessa vez, vou ter que corrigi-las manualmente. Isso pode demorar alguns dias".
Mas, e se existisse mesmo a máquina de corrigir provas?
Quanto trabalho não seria evitado? Quanto tempo não sobraria para ler Guimarães Rosa e Caio Mário?
Mas, se existisse a tal máquina, o preço da novidade a colocaria fora do alcance de boa parte dos professores.
Sobreviveria, portanto, o método manual, demorado e aborrecido.
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domingo, 29 de maio de 2011
10 ANOS DE MAGISTÉRIO
Entre o final de maio e o início de junho de 2001, não sei exatamente em que dia, comecei a dar aulas na Faculdade de Direito da UFMG.
Há 10 anos, portanto.
O professor, que era substituto, sofrera um grave problema de saúde e não havia ninguém para assumir a turma. Por indicação do César Fiuza, meu orientador, o Departamento resolveu me convidar para concluir o semestre, como voluntário.
Então, lá estava eu, com seis meses de formado, dando aula de Direito de Família, no 10º período, numa Escola completamente desconhecida pra mim.
Eu, o substituto do substituto.
O semestre terminou e, nas férias, fiz o concurso para professor substituto. Aprovado, exerci por dois anos a função. Depois, no início de 2004, fui aprovado no concurso para professor efetivo e, desde então, permaneço no cargo, em regime de dedicação exclusiva.
No início, a insegurança por pouco não me paralisava. De todos os meus temores, o principal era ver a matéria preparada terminar antes do final do horário. Também me assustavam a possibilidade de aparecer uma pergunta para a qual eu não tinha nem um começo de resposta e o risco de dar um branco total no meio da exposição.
Com a primeira turma e, desde então, tenho procurado fazer o que recomendo a todos os iniciantes: seja honesto, não tente esconder suas fragilidades, mas fale abertamente sobre elas. O que os alunos não toleram é a incompetência associada à arrogância.
Também, desde a primeira turma, tenho pedido aos alunos que me avaliem ao final do semestre. É claro que já tive momentos de profunda tristeza com certo excesso de sinceridade e também com observações que me pareceram injustas. Mas aprendi muito com isso.
Do início até aqui, muita coisa mudou. Quase tudo, na verdade. Mas o que sinto em relação ao magistério permanece inalterado: espanto, sofrimento, angústia, esperança.
Há 10 anos, portanto.
O professor, que era substituto, sofrera um grave problema de saúde e não havia ninguém para assumir a turma. Por indicação do César Fiuza, meu orientador, o Departamento resolveu me convidar para concluir o semestre, como voluntário.
Então, lá estava eu, com seis meses de formado, dando aula de Direito de Família, no 10º período, numa Escola completamente desconhecida pra mim.
Eu, o substituto do substituto.
O semestre terminou e, nas férias, fiz o concurso para professor substituto. Aprovado, exerci por dois anos a função. Depois, no início de 2004, fui aprovado no concurso para professor efetivo e, desde então, permaneço no cargo, em regime de dedicação exclusiva.
No início, a insegurança por pouco não me paralisava. De todos os meus temores, o principal era ver a matéria preparada terminar antes do final do horário. Também me assustavam a possibilidade de aparecer uma pergunta para a qual eu não tinha nem um começo de resposta e o risco de dar um branco total no meio da exposição.
Com a primeira turma e, desde então, tenho procurado fazer o que recomendo a todos os iniciantes: seja honesto, não tente esconder suas fragilidades, mas fale abertamente sobre elas. O que os alunos não toleram é a incompetência associada à arrogância.
Também, desde a primeira turma, tenho pedido aos alunos que me avaliem ao final do semestre. É claro que já tive momentos de profunda tristeza com certo excesso de sinceridade e também com observações que me pareceram injustas. Mas aprendi muito com isso.
Do início até aqui, muita coisa mudou. Quase tudo, na verdade. Mas o que sinto em relação ao magistério permanece inalterado: espanto, sofrimento, angústia, esperança.
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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011
O QUE VOCÊ VÊ DA JANELA DA SALA DE AULA?
A Faculdade de Direito da UFMG tem um prédio utilizado quase que exclusivamente para as aulas da graduação. À exceção dos quatro primeiros andares, todos os outros, do 5º ao 14º são reservados para essa finalidade. De uns tempos pra cá, o modo de distribuição das turmas foi alterado. Antes, cada turma ocupava um andar, do início ao fim do curso. Agora, os calouros começam no 14º andar e vão descendo um andar por semestre. A mudança aconteceu para facilitar a vida dos mais veteranos, permitindo-lhes chegar ao local das aulas sem passar pelo suplício de ter que utilizar um dos três elevadores que servem – ou deveriam servir – ao prédio. Nunca imaginei que esse fato escondesse algum segredo. Mas um aluno, o Celso Bittar Junior, me fez pensar no assunto. Segundo ele, há um forte simbolismo no fato de começar o curso de Direito no 14º andar e terminá-lo dez andares a baixo. É que os estudantes, à medida que avançam nos estudos, semestre após semestre, perdem o amplo horizonte que possuíam, abandonam os sonhos e as aspirações mais idealistas, e se voltam progressivamente para questões mais concretas, como obter um bom estágio, ter boas notas, e estar preparado para passar num concurso público, isso para não falar dos maus hábitos que acumulam e da arrogância que, em geral, passa a acompanhá-los.
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