Um aluno me perguntou se é possível desenvolver trabalho criativo no cotidiano das carreiras jurídicas. Eu confesso que nunca tinha pensado no assunto. Mas vou logo dizendo que a resposta é positiva. Na verdade, a resposta precisa ser positiva. Se não fosse, eu simplesmente não saberia o que fazer.
A primeira forma de usar a criatividade numa profissão jurídica pode passar pela conexão direta com o campo das artes. De um lado, usando material jurídico como argumento para a produção artística. De outro, usando obras de arte para o embasamento de construções jurídicas.
No magistério, em suas várias dimensões, também não é difícil pensar em trabalho criativo. No ensino, na pesquisa, na extensão e na administração acadêmica, o professor tem ampla liberdade de buscar soluções diferentes. A cada semestre, tem a chance de cometer erros novos. Só não será criativo se não quiser.
Na advocacia, a palavra que me ocorre com mais naturalidade é conflito. Por isso, penso que será bastante criativo o advogado que pensar em novas formas de resolver conflitos. Há um enorme espaço para isso. A advocacia que fomenta o litígio, e que só se expande quando ele está presente, é uma atividade profundamente doentia. Nos mais variados âmbitos de atuação e em relação aos mais diversos campos do Direito, o advogado pode imaginar formas diferentes de exercer a profissão. O advogado pode ser criativo. Ele precisa ser, na verdade.
Nas várias profissões jurídicas do setor público, incluindo magistratura, ministério público, defensoria, advocacia pública e carreiras policiais, é sempre possível fazer tudo do jeito que todo mundo faz. As rotinas estão estabelecidas. O público-alvo é geralmente o mesmo. Os colegas esperam que ninguém fuja do padrão. Trabalhar muito ou trabalhar pouco não é algo que interfere na remuneração. Em síntese, tudo, absolutamente tudo concorre para a mesmice. A menos que você, ao tomar posse, ainda não tenha morrido. Acho que peguei pesado, né? Vou reformular a frase. A menos que você, ao tomar posse, ainda não tenha renunciado aos sonhos próprios da juventude. Se restar um pouquinho de desejo, é possível fazer diferente. Se o que você buscava era um pouco mais que estabilidade, respeito e boa remuneração, dá pra trabalhar fora da caixa. Nesse caso, a primeira providência deveria ser desaprender. Não acredite que o modo certo de fazer já está determinado. Desaprenda. Depois, pergunte sobre a razão de existir de sua profissão. Sim, pode parecer estranho, mas é uma boa pergunta. Deve haver uma razão para existir o cargo que você ocupa. Tente descobri-la. Se tiver sucesso, pense nas tarefas que poderiam ajudar a atingir os fins desejados. Concentre-se nelas. Não desvie os olhos do que é essencial. Provavelmente você será chamado de excêntrico. É o preço a pagar.
Para terminar, uma ideia. Se o sujeito não tiver vida interior com profundidade e beleza, estou certo de que será sem graça até mesmo se exercer a profissão de repentista. Mas, se tiver algo a dizer, não será possível ofuscá-lo ainda que seu trabalho se resuma a carimbar papéis na mais obscura repartição pública.
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