Os da Minha Rua é um delicioso livrinho de Ondjaki. O texto é cheio de beleza e confesso que, em vários momentos, teve o poder de me transportar para a infância. Mas hoje quero falar de apenas duas crônicas. O que elas têm em comum? Alunos, professores e momentos de forte emoção.
Numa delas, intitulada de O
Bigode do Professor de Geografia, o jovem escritor angolano conta um episódio
passado em sala de aula, num dia de muito calor. Enquanto o professor fazia
anotações no quadro, todos podiam perceber que o suor formava uma mancha escura
em sua camisa. Foi quando um aluno disse que o mestre tinha “o mapa de África
desenhado no porta-bagagens”. Como era de se esperar, a turma inteira caiu na
gargalhada. O professor apenas pousou o giz no quadro e deu uma olhada daquelas
de “mandar calar”. Mas, depois de uma segunda provocação, deu-se o temido
conflito. O professor deixou o giz cair no chão. Para os alunos, o pequeno gesto
já traduzia os “mil pedacinhos do nosso medo”. Em seguida, depois de fechar a
porta da sala de aula, proferiu vários impropérios e, entre outras coisas,
disse o seguinte: “Pensam que a merda do salário que me pagam aqui é suficiente
para vos aturar?”. Para os alunos, “o medo era tanto que ninguém engolia cuspe
para não fazer ruído com a bola da garganta”.
A outra crônica chama-se Um
Pingo de Chuva. Nela, Ondjaki conta a história do dia em que os estudantes se
despediram dos professores cubanos Ángel e María. No pequeno apartamento deles,
os meninos logo repararam que a “camarada professora María tinha a cara toda
pintada, com exagero mesmo”, pois ela “queria só estar bonita a disfarçar a
tristeza dela”. Eles ficaram com medo de que alguém pudesse rir. Mas ninguém
fez isso. Até o Bruno, um estudante mais matreiro, “conseguiu controlar-se, não
riu nem estigou”. Depois, enquanto o camarada professor Ángel explicava que a
missão deles em Angola tinha terminado, os alunos viram a professora María
chorar escondida na cozinha e precisaram “fazer força para parar as lágrimas”.
Um pouco mais adiante, “o camarada professor Ángel deixou de conseguir falar”.
Para o autor, o momento poderia ser resumido assim:
“Nas despedidas acontece isso: a
ternura toca a alegria, a alegria traz uma saudade quase triste, a saudade
semeia lágrimas, e nós, crianças, não sabemos arrumar essas coisas dentro do
nosso coração”.
O professor de Geografia, com seu
“bigode dos maus dos filmes”, até que fez a turma rir, mas somente para, em
seguida, fazê-la tremer de medo. O bom humor do estudante poderia ter sido
utilizado para uma bela lição sobre a África, sua população, seu relevo e seu
clima. Mas foi apenas o ponto de partida para uma explosão de raiva,
ressentimento e amargura.
Os camaradas professores cubanos
estavam se despedindo. A professora María estava com o rosto todo pintado. Em
outras circunstâncias, os alunos poderiam rir. Mas eles não riram. O tipo de
relacionamento que se construiu entre eles era suficiente para indicar outra
reação.
É por isso que eu digo que há
professores que fazem rir e há professores que fazem chorar.
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