segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Professores que Fazem Rir e Professores que Fazem Chorar


Os da Minha Rua é um delicioso livrinho de Ondjaki. O texto é cheio de beleza e confesso que, em vários momentos, teve o poder de me transportar para a infância. Mas hoje quero falar de apenas duas crônicas. O que elas têm em comum? Alunos, professores e momentos de forte emoção.

Numa delas, intitulada de O Bigode do Professor de Geografia, o jovem escritor angolano conta um episódio passado em sala de aula, num dia de muito calor. Enquanto o professor fazia anotações no quadro, todos podiam perceber que o suor formava uma mancha escura em sua camisa. Foi quando um aluno disse que o mestre tinha “o mapa de África desenhado no porta-bagagens”. Como era de se esperar, a turma inteira caiu na gargalhada. O professor apenas pousou o giz no quadro e deu uma olhada daquelas de “mandar calar”. Mas, depois de uma segunda provocação, deu-se o temido conflito. O professor deixou o giz cair no chão. Para os alunos, o pequeno gesto já traduzia os “mil pedacinhos do nosso medo”. Em seguida, depois de fechar a porta da sala de aula, proferiu vários impropérios e, entre outras coisas, disse o seguinte: “Pensam que a merda do salário que me pagam aqui é suficiente para vos aturar?”. Para os alunos, “o medo era tanto que ninguém engolia cuspe para não fazer ruído com a bola da garganta”.

A outra crônica chama-se Um Pingo de Chuva. Nela, Ondjaki conta a história do dia em que os estudantes se despediram dos professores cubanos Ángel e María. No pequeno apartamento deles, os meninos logo repararam que a “camarada professora María tinha a cara toda pintada, com exagero mesmo”, pois ela “queria só estar bonita a disfarçar a tristeza dela”. Eles ficaram com medo de que alguém pudesse rir. Mas ninguém fez isso. Até o Bruno, um estudante mais matreiro, “conseguiu controlar-se, não riu nem estigou”. Depois, enquanto o camarada professor Ángel explicava que a missão deles em Angola tinha terminado, os alunos viram a professora María chorar escondida na cozinha e precisaram “fazer força para parar as lágrimas”. Um pouco mais adiante, “o camarada professor Ángel deixou de conseguir falar”. Para o autor, o momento poderia ser resumido assim:

“Nas despedidas acontece isso: a ternura toca a alegria, a alegria traz uma saudade quase triste, a saudade semeia lágrimas, e nós, crianças, não sabemos arrumar essas coisas dentro do nosso coração”.

O professor de Geografia, com seu “bigode dos maus dos filmes”, até que fez a turma rir, mas somente para, em seguida, fazê-la tremer de medo. O bom humor do estudante poderia ter sido utilizado para uma bela lição sobre a África, sua população, seu relevo e seu clima. Mas foi apenas o ponto de partida para uma explosão de raiva, ressentimento e amargura.

Os camaradas professores cubanos estavam se despedindo. A professora María estava com o rosto todo pintado. Em outras circunstâncias, os alunos poderiam rir. Mas eles não riram. O tipo de relacionamento que se construiu entre eles era suficiente para indicar outra reação.

É por isso que eu digo que há professores que fazem rir e há professores que fazem chorar.

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