segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Você tem algum segredo, Ziraldo?


Ziraldo, espero que você fique bem a vontade aqui, entre nós. Espero que você se sinta como se estivesse na “casa da vovó”. Aqui, você pode “deitar”, “rolar”, “pintar”, “bordar”, “rir com a boca cheia” e “suspirar de alegria”.

Me pediram pra dizer umas palavras pra você. E eu fiquei pensando em tentar resumir o seu longo currículo ou, quem sabe, falar um pouquinho de sua passagem pela Faculdade de Direito.

Mas a criança que mora em mim, na verdade, quer mesmo é perguntar. E, por favor, entenda, não se sinta obrigado a responder, nem hoje, nem em tempo algum. Mas eu quero perguntar. Sei que você guarda alguns segredos. Todos guardam, não é? Uns são mais “segredáveis”. Outros menos. Eu queria saber ao menos um segredo seu.

Por exemplo, o que o menino de Caratinga veio buscar na Faculdade de Direito? Naquela altura da vida, as carreiras jurídicas eram opções verdadeiras? Ou você já vislumbrava alguma outra coisa fora do ambiente jurídico?

Depois, fico com uma vontade terrível de saber como foi frequentar os cinco anos da Faculdade. Você se divertiu? Ficou entediado? Por acaso, o seu talento pra desenhar foi aprimorado em alguma aula especialmente chata?

Ou será que você encontrou algum professor maluquinho nas salas de aula e nos corredores um tanto mal assombrados da Vetusta Casa de Afonso Pena?

E mais: teve algum colega que se tornou amigo e que você levou no coração vida a fora? E sobre o comportamento, o seu boletim teve alguma “nota zero”? Alguma rebeldia? Alguma brincadeira malsucedida?

Uma outra dúvida: quando você olha para o Direito brasileiro, hoje, qual o sentimento? Se você tivesse toda a liberdade do mundo, o que gostaria de mudar? Sim, o que você inventaria, Ziraldo? Pode ser algo do tipo inventar um “sol” num dia de chuva, ou um “abraço” quando a gente se sente vazio, ou um “beijo” quando a dor incomoda.

A última coisa é uma pergunta, mas é também um pedido de ajuda. Nós, servidores e professores, somos adultos. Temos nossas responsabilidades. Os estudantes, em geral, chegam aqui com 18 ou 19 anos e saem com 23 ou 24, bem mais maduros, naturalmente. O “tempo passa” pra todos nós, Ziraldo. Nem o menino maluquinho, o original, conseguiu "segurar o tempo". Mas o que fazer para não deixar de sonhar? O que fazer para não trocar os ideais e as esperanças por um punhado de tarefas mais ou menos sem sentido? O que fazer para não abandonar a vontade de “abraçar o mundo com as pernas” pelo desejo de manipular pessoas e coisas com  gestos e palavras? 

Você tem algum segredo, Ziraldo? 

Se tiver, conte pra gente.

Observações: texto lido na homenagem prestada ao Ziraldo pela Faculdade de Direito da UFMG, em 3 de outubro de 2016; todas as palavras entre aspas foram retiradas de “O Menino Maluquinho”; a fotografia é do professor Rodolfo Viana Pereira.

Um comentário:

Joyce Sotto disse...

Maravilhoso texto!
Gostaria de ter ouvido a resposta de todas as questões. Posso tomar como inquietudes cotidianas, estas transpassam o sobe e desce nos elevadores da Vetusta em todas as manhãs em que adentro por aquele hall onde se aglomeram dúvidas e sonhos em uma longa fila de espera...
Joyce Sotto