*Texto que serviu de base à comunicação apresentada no painel “Metodologia da Pesquisa Científica”, organizado pelo Centro Acadêmico Afonso Pena, na Faculdade de Direito da UFMG, em 17 de maio de 2017.
Entre outras coisas, os integrantes da Geração Z se consideram
multitarefa, estão constantemente em busca de desafios, não
apresentam o foco como característica de relevo, conseguem
informações com extrema rapidez, ficam irritados quando as
informações não podem ser obtidas com facilidade, sentem alguma
dificuldade tanto em compreender a si mesmos quanto em trabalhar em
equipe (NASCIMENTO et al, 2016, p. 20; VEIGA NETO et al,
2015, p. 295).
É evidente que não se deve transpor para o ambiente brasileiro e
para o mundo universitário um conjunto de ideias pensadas sobretudo
nos Estados Unidos da América e com aplicações muito ligadas ao
setor dos negócios. Também não seria conveniente supor que as
pessoas nascidas num mesmo período histórico compartilhem, em igual
medida, determinados modos de pensar e agir.
Mas, por outro lado, não dá pra negar que esses elementos têm algo
a dizer sobre o público que, agora, em 2017, frequenta o ensino
superior brasileiro. Sim, esses e outros dados parecem caracterizar
os estudantes normais, os que se enquadram no padrão, os que podemos
ver o tempo todo, nas bibliotecas, nas salas de aula, nos estágios.
É por isso que, atendendo ao carinhoso convite do Centro Acadêmico
Afonso Pena, pensei em fazer as seguintes sugestões aos estudantes
de Direito que fazem ou desejam fazer pesquisa.
1. Calcule o custo da cultura multitarefa
Sugere-se que menos de dez por cento da população mundial consegue,
de fato, executar duas ou mais tarefas complexas ao mesmo tempo
(WEBB, 2016, p. 93,94). Todas as outras pessoas, mesmo quando se
consideram multitarefa, alternam rapidamente de uma função
para a outra, gerando, assim, uma série de resultados negativos,
tais como aumento do cansaço, aumento da quantidade de erros, perda
da capacidade de tomar decisões e aumento do tempo médio de
execução das tarefas (WEBB, 2016, p. 91, 92).
Então, a primeira sugestão e a mais simples é a de calcular o
custo da cultura multitarefa. Pode ser que valha a pena. Pode ser que
não.
2. Experimente o poder da dúvida
A segunda sugestão tem a ver com algo mais complexo. A pesquisa é
uma atividade que nos deveria conduzir a um fim, que pode ser o de
descobrir novos modos de enxergar uma questão bastante teórica e
abstrata ou o de sugerir novas formas de solucionar desafios muito
práticos e concretos. De todo modo, a pesquisa é meio para algo que
está fora e acima dela. Não pode jamais ser um fim. Simplesmente
não é legítimo participar da cultura viciada de obter
financiamento para pesquisar e pesquisar para obter financiamento.
Ou, deixando a questão do financiamento de lado, não se pode
admitir a pesquisa que vise principal ou exclusivamente fornecer
algumas informações para colocar no currículo.
A pesquisa deve começar com uma dúvida, uma inquietação, uma
angústia. É preciso que o pesquisador, ao longo de todo o trabalho,
fique diante de algo que faça sentido para si, que lhe diga respeito
enquanto pessoa, única e irrepetível.
3. Meça duas vezes antes de cortar
Se um carpinteiro cortar a madeira de modo errado, tudo estará
perdido. É por isso que o ato de medir é tão valioso.
Os pesquisadores, ao contrário, podem acreditar na ilusão de ir
logo ao campo, de começar logo a escrever, quando ainda não se
esforçaram o suficiente para organizar o trabalho.
A elaboração do projeto de pesquisa, que alguém pode considerar
pura perda de tempo, é o único modo de desenvolver uma investigação
séria e conseqüente. É muito bem-vindo todo investimento nele e
nos instrumentos que informam a sua construção.
Aos meus orientandos, sugiro, como ponto de partida, a leitura
cuidadosa de dois manuais de metodologia da pesquisa, escritos por
colegas muito queridos: Da Ideia à Defesa: teses e monografias
jurídicas, do Marcelo Galuppo, e Repensando a Pesquisa
Jurídica, de Miracy Gustin e Maria Tereza Fonseca Dias.
4. Não se esqueça de Horácio
Ouçamos o famoso conselho de Horácio, reproduzido por Carlos
Alberto Louro Fonseca:
“Nunca haja pressa em publicar o que porventura se tenha escrito;
primeiro, é submeter a obra a críticos de confiança, depois, é
guarda-la anos a fio na gaveta. É que poder-se-á destruir em
qualquer altura o que nunca se tiver publicado; uma palavra, uma vez
lançada ao vento, não saberá voltar para trás” (FONSECA, 2000,
p. 397, 398).
Vou logo dizendo que o conselho, do modo como foi transmitido, não
deve ser observado. Seria o mesmo que inviabilizar a publicação.
Mas num tempo em que as pessoas têm tanta pressa e experimentam
muito precocemente a confiança de tudo saber, talvez seja bom voltar
a ele, pensar nele, conversar sobre ele.
A ansiedade para publicar, hoje, simplesmente não faz sentido.
Ninguém deveria publicar sem ter algo a dizer.
5. Tire o medo do seu horizonte
De todas as possíveis motivações para pesquisar, o medo é
seguramente a pior. Minhas conversas com os estudantes de graduação,
sobretudo dos períodos iniciais, indicam, no entanto, que o medo é
um companheiro sempre presente. Medo de não ter um currículo
suficiente. Medo de não ser tão produtivo quanto os colegas.
Medo de desagradar o orientador. Medo de não ter outras
oportunidades no futuro.
Mas o medo não pode ser bom conselheiro.
Conclusão
Pesquisa, bem como extensão, estágio e até mesmo o curso de
Direito só fazem sentido se colocados num horizonte mais amplo. Não
podem ser objetivos autônomos. Precisam estar a serviço de algo
mais abrangente.
Que tal um projeto, um sonho, uma carreira! Ou, se as coisas não
estiverem ainda muito claras, quem sabe se eles não podem ser
realizados conscientemente como uma experiência, um teste
vocacional?
O que não pode ser, o que precisamos rejeitar, com todas as nossas
forças, é o caminho construído e percorrido sob a força do medo.
Gosto de ver alunos corajosos, desses que correm riscos, que traçam
objetivos ousados, que não desistem dos sonhos na primeira
dificuldade!
Gosto de estudantes que têm coragem de seguir o próprio caminho,
contra todas as forças que os queiram direcionar, impedir, paralisar!
Sim, gosto dos alunos corajosos, esses seres fantásticos!
Referências bibliográficas
FONSECA, Carlos Alberto Louro. Sic Itvr in Vrbem: iniciação
ao latim. 7. ed. Coimbra: Imprensa Universidade de Coimbra, 2000.
NASCIMENTO, Natália Marinho do et al. O Estudo das Gerações
e a Inteligência Competitiva em Ambientes Organizacionais.
Perspectivas em Gestão & Conhecimento, João Pessoa, v.
6, Número Especial, p. 16-28, jan. 2016.
VEIGA NETO, Alipio Ramos et al. Fatores que Influenciam os Consumidores da Geração Z na Compra de Produtos Eletrônicos. RACE,
Revista de Administração, Contabilidade e Economia, Joaçaba: Ed.
Unoesc, v. 14, n. 1, p. 287-312, jan./abr. 2015.
WEBB, Caroline. Como Ter Um Dia Ideal: o que as ciências
comportamentais têm a dizer para melhorar sua vida no trabalho.
Trad. André Fontenelle. Rio de Janeiro: Objetiva, 2016.
Crédito da fotografia: Davi Teofilo
Crédito da fotografia: Davi Teofilo
Nenhum comentário:
Postar um comentário