quinta-feira, 18 de maio de 2017

Sobre Unicórnios, Estudantes com Coragem para Seguir o Próprio Caminho e Outros Seres Fantásticos*




*Texto que serviu de base à comunicação apresentada no painel “Metodologia da Pesquisa Científica”, organizado pelo Centro Acadêmico Afonso Pena, na Faculdade de Direito da UFMG, em 17 de maio de 2017.

Estudos de teoria da administração indicam que pessoas nascidas em meados dos Anos 90 integram a Geração Z, sendo que o nome é uma referência ao neologismo zapear que, por sua vez, indica algo como o ato de mudar repetidamente de canal de televisão (NASCIMENTO et al, 2016, p. 20).

Entre outras coisas, os integrantes da Geração Z se consideram multitarefa, estão constantemente em busca de desafios, não apresentam o foco como característica de relevo, conseguem informações com extrema rapidez, ficam irritados quando as informações não podem ser obtidas com facilidade, sentem alguma dificuldade tanto em compreender a si mesmos quanto em trabalhar em equipe (NASCIMENTO et al, 2016, p. 20; VEIGA NETO et al, 2015, p. 295).

É evidente que não se deve transpor para o ambiente brasileiro e para o mundo universitário um conjunto de ideias pensadas sobretudo nos Estados Unidos da América e com aplicações muito ligadas ao setor dos negócios. Também não seria conveniente supor que as pessoas nascidas num mesmo período histórico compartilhem, em igual medida, determinados modos de pensar e agir.

Mas, por outro lado, não dá pra negar que esses elementos têm algo a dizer sobre o público que, agora, em 2017, frequenta o ensino superior brasileiro. Sim, esses e outros dados parecem caracterizar os estudantes normais, os que se enquadram no padrão, os que podemos ver o tempo todo, nas bibliotecas, nas salas de aula, nos estágios.

É por isso que, atendendo ao carinhoso convite do Centro Acadêmico Afonso Pena, pensei em fazer as seguintes sugestões aos estudantes de Direito que fazem ou desejam fazer pesquisa.

1. Calcule o custo da cultura multitarefa

Sugere-se que menos de dez por cento da população mundial consegue, de fato, executar duas ou mais tarefas complexas ao mesmo tempo (WEBB, 2016, p. 93,94). Todas as outras pessoas, mesmo quando se consideram multitarefa, alternam rapidamente de uma função para a outra, gerando, assim, uma série de resultados negativos, tais como aumento do cansaço, aumento da quantidade de erros, perda da capacidade de tomar decisões e aumento do tempo médio de execução das tarefas (WEBB, 2016, p. 91, 92).

Então, a primeira sugestão e a mais simples é a de calcular o custo da cultura multitarefa. Pode ser que valha a pena. Pode ser que não.

2. Experimente o poder da dúvida

A segunda sugestão tem a ver com algo mais complexo. A pesquisa é uma atividade que nos deveria conduzir a um fim, que pode ser o de descobrir novos modos de enxergar uma questão bastante teórica e abstrata ou o de sugerir novas formas de solucionar desafios muito práticos e concretos. De todo modo, a pesquisa é meio para algo que está fora e acima dela. Não pode jamais ser um fim. Simplesmente não é legítimo participar da cultura viciada de obter financiamento para pesquisar e pesquisar para obter financiamento. Ou, deixando a questão do financiamento de lado, não se pode admitir a pesquisa que vise principal ou exclusivamente fornecer algumas informações para colocar no currículo.

A pesquisa deve começar com uma dúvida, uma inquietação, uma angústia. É preciso que o pesquisador, ao longo de todo o trabalho, fique diante de algo que faça sentido para si, que lhe diga respeito enquanto pessoa, única e irrepetível.

3. Meça duas vezes antes de cortar

Se um carpinteiro cortar a madeira de modo errado, tudo estará perdido. É por isso que o ato de medir é tão valioso.

Os pesquisadores, ao contrário, podem acreditar na ilusão de ir logo ao campo, de começar logo a escrever, quando ainda não se esforçaram o suficiente para organizar o trabalho.

A elaboração do projeto de pesquisa, que alguém pode considerar pura perda de tempo, é o único modo de desenvolver uma investigação séria e conseqüente. É muito bem-vindo todo investimento nele e nos instrumentos que informam a sua construção.

Aos meus orientandos, sugiro, como ponto de partida, a leitura cuidadosa de dois manuais de metodologia da pesquisa, escritos por colegas muito queridos: Da Ideia à Defesa: teses e monografias jurídicas, do Marcelo Galuppo, e Repensando a Pesquisa Jurídica, de Miracy Gustin e Maria Tereza Fonseca Dias.

4. Não se esqueça de Horácio

Ouçamos o famoso conselho de Horácio, reproduzido por Carlos Alberto Louro Fonseca:

“Nunca haja pressa em publicar o que porventura se tenha escrito; primeiro, é submeter a obra a críticos de confiança, depois, é guarda-la anos a fio na gaveta. É que poder-se-á destruir em qualquer altura o que nunca se tiver publicado; uma palavra, uma vez lançada ao vento, não saberá voltar para trás” (FONSECA, 2000, p. 397, 398).

Vou logo dizendo que o conselho, do modo como foi transmitido, não deve ser observado. Seria o mesmo que inviabilizar a publicação. Mas num tempo em que as pessoas têm tanta pressa e experimentam muito precocemente a confiança de tudo saber, talvez seja bom voltar a ele, pensar nele, conversar sobre ele.

A ansiedade para publicar, hoje, simplesmente não faz sentido. Ninguém deveria publicar sem ter algo a dizer.

5. Tire o medo do seu horizonte

De todas as possíveis motivações para pesquisar, o medo é seguramente a pior. Minhas conversas com os estudantes de graduação, sobretudo dos períodos iniciais, indicam, no entanto, que o medo é um companheiro sempre presente. Medo de não ter um currículo suficiente. Medo de não ser tão produtivo quanto os colegas. Medo de desagradar o orientador. Medo de não ter outras oportunidades no futuro.

Mas o medo não pode ser bom conselheiro.

Conclusão

Pesquisa, bem como extensão, estágio e até mesmo o curso de Direito só fazem sentido se colocados num horizonte mais amplo. Não podem ser objetivos autônomos. Precisam estar a serviço de algo mais abrangente.

Que tal um projeto, um sonho, uma carreira! Ou, se as coisas não estiverem ainda muito claras, quem sabe se eles não podem ser realizados conscientemente como uma experiência, um teste vocacional?

O que não pode ser, o que precisamos rejeitar, com todas as nossas forças, é o caminho construído e percorrido sob a força do medo.

Gosto de ver alunos corajosos, desses que correm riscos, que traçam objetivos ousados, que não desistem dos sonhos na primeira dificuldade!

Gosto de estudantes que têm coragem de seguir o próprio caminho, contra todas as forças que os queiram direcionar, impedir, paralisar!

Sim, gosto dos alunos corajosos, esses seres fantásticos!

Referências bibliográficas

FONSECA, Carlos Alberto Louro. Sic Itvr in Vrbem: iniciação ao latim. 7. ed. Coimbra: Imprensa Universidade de Coimbra, 2000.

NASCIMENTO, Natália Marinho do et al. O Estudo das Gerações e a Inteligência Competitiva em Ambientes Organizacionais. Perspectivas em Gestão & Conhecimento, João Pessoa, v. 6, Número Especial, p. 16-28, jan. 2016.

VEIGA NETO, Alipio Ramos et al. Fatores que Influenciam os Consumidores da Geração Z na Compra de Produtos Eletrônicos. RACE, Revista de Administração, Contabilidade e Economia, Joaçaba: Ed. Unoesc, v. 14, n. 1, p. 287-312, jan./abr. 2015.

WEBB, Caroline. Como Ter Um Dia Ideal: o que as ciências comportamentais têm a dizer para melhorar sua vida no trabalho. Trad. André Fontenelle. Rio de Janeiro: Objetiva, 2016.

Crédito da fotografia: Davi Teofilo

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