quarta-feira, 24 de maio de 2017

Aprendizado Democrático na Universidade: uma pequena homenagem ao Centenário do Professor Washington Albino*

É mais do que justa a homenagem que a Faculdade de Direito presta ao Centenário do professor Washington Albino, um dos mais destacados mestres e mais queridos diretores de sua longa história.

Eu é que não me sinto minimamente habilitado a participar da iniciativa. Não fui aluno ou orientando do professor. Não estava aqui quando ele ocupou a diretoria. Não sou pesquisador em Direito Econômico. Na verdade, tive com ele um único encontro, poucos meses antes de seu falecimento, na sede da Revista da Faculdade de Direito.

Ainda assim, decidi aceitar o convite, por três razões. 

A primeira, e mais simples, liga-se ao fato de o ter recebido do colega Giovanni Clark, a quem admiro profundamente, tanto que, depois de chamá-lo por longos anos de Prefeito de Sabará, julguei mais adequado tratá-lo, agora, como Imperador do Rio das Velhas. Aproveito, inclusive, para cumprimentá-lo pela iniciativa. O discípulo, quando homenageia o mestre, confessa que não teria crescido sem ajuda, apoio, orientação e, numa dimensão ainda mais profunda, proclama a razão de ser da Universidade, o ambiente em que professores e alunos, na bênção da convivência diária, ensinam uns aos outros e aprendem uns com os outros.

A segunda razão tem a ver justamente com o único encontro que tive com o homenageado. Naquele dia, não sei exatamente por que vias misteriosas, a conversa chegou em Padre Vieira. E o modo como o Mestre Washington - permitam-me chamá-lo assim, ao menos uma vez - falou da obra do religioso luso-brasileiro, me fez desejar conhecê-lo, me enviou diretamente aos textos, em cuja forma a língua portuguesa talvez tenha encontrado sua mais bela expressão, muito embora a teologia, com o perdão desse meu excesso de confiança, tenha sido frequentemente nada mais que pretexto.

Agora, ao pensar no assunto, recuperei a memória de um belíssimo livro, intitulado justamente de O Instante do Encontro. Nele, para sugerir como se dá o contato entre professores e estudantes, José Garcez Ghirardi faz o seguinte resumo, em prosa, de um poema de Erza Pound:

“Em pé, sobre a plataforma do metrô em uma grande cidade, um homem espera. Quando seu trem chega, lotado, é impossível entrar. As portas abertas revelam-lhe apenas os rostos ansiosos dos passageiros que o contemplam como se o interrogassem. Por um breve instante, ele se vê obrigado a estar frente a frente com estranhos, estranhos que, não obstante, são tão semelhantes a ele mesmo. A jornada de cada um os trouxe até aqui e, muito em breve, os levará para longe e para nunca mais. Quase sem querer, o homem se interroga: o que lhes diria, se pudesse dizer-lhes algo nesse instante, nesse brevíssimo instante de encontro? O trem fecha as portas e parte” (GHIRARDI, 2012, p. 73).

E foi isso que aconteceu quando me encontrei com o professor Washington. Foi uma única vez. Foi muito breve. Mas ainda tenho comigo o que ele me disse. E o meu caminho, desde então, tem as marcas daquele encontro.

A terceira razão, que é a mais importante, tem a ver com a leitura de um texto do homenageado, inserido em edição recente da Revista da Faculdade de Direito, na parte reservada à Memória Histórica, cujo título é simplesmente Programa de Ação para 1988 (SOUZA, 2015, p. 727-783). O documento, produzido ao término de seu primeiro ano de trabalho na Diretoria, tem cuidadoso diagnóstico, seguido da indicação de objetivos e metas, e isso para cada um dos setores e órgãos colegiados da Faculdade. Nele, encontra-se também a definição e a defesa da ideia de cogestão, implementada logo no início de seu mandato.

Não posso testemunhar sobre esse momento de nossa história, pois eu simplesmente não estava aqui. Desde quando comecei a trabalhar na Faculdade, em 2001, como professor substituto, ouvi relatos, especialmente de servidores técnico-administrativos, sobre a gestão do professor Washington, sempre realizados com um misto de carinho e admiração. Mas devo confessar que chegaram a mim já bastante enfraquecidos pela passagem do tempo. 

É por isso que a leitura do Programa de Ação me deixou tão impressionado. Não imaginava que algo semelhante já tivesse ocorrido na Faculdade. Achei tudo surpreendente: o diagnóstico minucioso, a indicação precisa de objetivos e metas, a ampla distribuição das ideias. Do tanto que sei, inclusive, de lá pra cá, nada disso voltou a acontecer.

Mas o maior impacto veio da ideia de cogestão. Ter, para cada tema e em cada setor, uma equipe formada por professores, servidores e alunos, trabalhando em conjunto, discutindo e estabelecendo objetivos e metas, procurando alcança-los e, depois, prestando contas de modo aberto e transparente, parece, mesmo em nossos dias, completamente revolucionário.

Como disse, não tendo vivido esse momento e não havendo estudado os seus resultados de modo sistemático, falo apenas da ideia, do projeto, do belíssimo documento que é o Programa de Ação, e julgo poder utilizá-lo como inspiração para o tempo difícil que vivemos.

Se o nosso sistema representativo parece não funcionar bem, se a democracia dá mostras de não florescer entre nós, se a atividade política tem sido tratada como tarefa menor, parece interessante insistir na possibilidade de aproveitar a vivência universitária como escola para a vida em comum. Cada eleição realizada no ambiente acadêmico pode ser a oportunidade de experimentar o modo como um cidadão deveria se oferecer ao serviço da comunidade. Cada reunião de órgão colegiado pode ser o momento de aprender a ouvir a divergência, debater com lealdade, encontrar a melhor solução e trabalhar em conjunto para implementá-la. Cada aula pode ser a demonstração prática dos princípios em que acreditamos e que proclamamos tão enfaticamente. A Universidade, enfim, pode ser um laboratório onde a democracia é estudada e submetida a testes e de onde se expande para outros lugares. Enquanto estudamos Física, Matemática, Filosofia, Direito, aprendemos democracia. 

E aqui eu concluo a singela homenagem ao professor Washington. Com ele, percebi com a máxima clareza que a Universidade é também um lugar de aprendizado democrático, algo de que tanto precisamos hoje.

Referências bibliográficas

GHIRARDI, José Garcez. O Instante do Encontro: questões fundamentais para o ensino jurídico. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2012. (Coleção acadêmica livre. Série didáticos).

SOUZA, Washington Peluso Albino de. Programa de Ação para 1988. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n.66, p. 727-783, jan./jun.2015 (Memória Histórica).

*Texto que serviu de base à comunicação apresentada no "Seminário de Direito Econômico”, na Faculdade de Direito da UFMG, em 24 de maio de 2017.

Nenhum comentário: