“Campo Geral”, de Guimarães Rosa, é um dos livros mais bonitos que eu já li. Se você ainda não o conhece, talvez seja o caso de interromper a leitura agora, pois, ao introduzir o próximo tema, pretendo contar uma parte importante da história. Então, repito, que é pra ficar bem claro: se você ainda não leu “Campo Geral”, não prossiga.
Mas se você já conhece a história, ou simplesmente não deseja seguir meu conselho, vamos adiante.
O pequeno Miguilim, de apenas oito anos, vivia no Mutúm, no sertão das Minas Gerais, juntamente com a mãe, o pai, a avó, os irmãos e alguns agregados.
Uma de suas maiores curiosidades era saber se o lugar era bonito. De alguém que morava longe, ouvira, certa vez, que o Mutúm era, sim, “um lugar bonito, entre morro e morro, com uma pedreira e muito mato, distante de qualquer parte”. Mas de sua mãe, que “se doía de tristeza de ter de viver ali”, tinha escutado inúmeras vezes que aquilo era “o triste recanto”. Miguilim desejava acreditar no que o moço dissera, mas não via beleza no Mutúm. Na verdade, nem mesmo sabia “distinguir o que era um lugar bonito e um lugar feio”.
As coisas só começaram a mudar quando a família recebeu a visita de um homem “de óculos, corado, alto, com um chapéu diferente” que, observando o olhar de Miguilim, fez a seguinte pergunta:
- Por que você aperta os olhos assim? Você não é limpo de vista?
Depois, estendeu a mão, pediu para o menino dizer quantos dedos enxergava e, ao perceber que espremia os olhos, declarou:
- Este nosso rapazinho tem a vista curta.
O que aconteceu em seguida deve ser contato pelo próprio autor:
E o senhor tirava os óculos e punha-os em Miguilim, com todo o jeito.
- Olha, agora!
Miguilim olhou. Nem não podia acreditar! Tudo era uma claridade, tudo novo e lido e diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessôas. Via os grãozinhos de areia, a pele da terra, as pedrinhas menores, as formiguinhas passeando no chão de uma distância. E tonteava. Aqui, ali, meu Deus, tanta coisa, tudo…O senhor tinha retirado dele os óculos, e Miguilim ainda apontava, falava, contava tudo como era, como tinha visto.
No dia seguinte, antes de acompanhar o homem até a cidade, para tratar das vistas, tendo se despedido das pessoas e dos animais que tanto amava, pediu para colocar os óculos novamente.
E Miguilim olhou para todos, com tanta força. Saiu lá fora. Olhou os matos escuros de cima do morro, aqui a casa, a cerca de feijão-bravo e são-caetano; o céu, o curral, o quintal; os olhos redondos e os vidros altos da manhã. Olhou, mais longe, o gado pastando perto do brejo, florido de são-josés, como um algodão. O verde dos buritis, na primeira vereda. O Mutúm era bonito! Agora ele sabia.
O que o médico conseguiu descobrir em poucos minutos, passara desapercebido a todos os outros.
Ao brincar de malha com o irmão Dito e os vaqueiros Salúz e Jé, Miguilim arremessava a ferradura, mas “não dava para jogar direito, nunca que acertava de derribar”. É que ele “não enxergava bem o toco”.
O pai, que não tinha jeito com as crianças, sempre ralhava com Miguilim, pois ele “não enxergava onde pisasse, vivia escorregando e tropeçando, esbarrando, quase caindo nos buracos”.
Essas coisas eram frequentes e ninguém percebia que Miguilim tinha um problema, nem o pai, nem a mãe, nem a avó, nem os irmãos, nem os vaqueiros, nem ele mesmo. Mas o certo é que ele tinha e, por isso, não conseguia nem mesmo saber se o lugar onde morava era bonito.
E o que isso tem a ver com uso adequado do tempo?
Muito simples: antes de corrigir, é preciso diagnosticar. Antes de tomar decisões sobre como utilizar mais adequadamente o tempo, é preciso saber como isso tem sido feito até agora.
Mas isso é assunto do próximo texto.
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