Com apenas quinze dias de vida, os dois gêmeos foram abandonados pelo pai que, ao sair de casa, explicou que “não era homem nascido para obrigações familiares”. No início da adolescência, vencidos pela curiosidade, localizaram o fugitivo, que não morava muito longe. No encontro, depois de dizer que não precisavam de nada e que desejavam apenas tomar conhecimento, ouviram o que jamais puderam esquecer: “Convivi com vocês menos de um mês. Não me sinto pai de ninguém”.
Criados pela mãe, os dois jovens concluíram o curso de engenharia e viraram sócios numa construtora. Quando souberam que o pai estava doente e desamparado, vencido o momento inicial de hesitação, decidiram levá-lo a um hospital particular, assumindo o pagamento das despesas. Mas como não visitavam o doente, que sempre reclamava de abandono e solidão, foram convidados a conversar com a equipe médica. Depois de um breve resumo da história, um dos gêmeos concluiu: “Por mim, tudo bem, é indiferente, já nem sinto mágoa, poderia até visitá-lo. Mas sabe por que não vou? Chegar lá e dizer o quê?”.
O caso, que é verídico, foi contato por Drauzio Varella, num livrinho chamado “Por Um Fio”, junto com outras boas histórias sobre envelhecimento, doença e morte. Mas não é muito diferente de tantos outros dramas.
A verdade é que as pessoas podem viver a vida inteira sem pensar no tipo de história que estão escrevendo. Ou podem demorar muito para formular perguntas tão importantes quanto: Com quem estou passando momentos que poderão ser lembrados ao longo da vida? De quem eu poderia sentir mais saudade no futuro? Quem tem merecido ou deveria merecer uma parcela do meu precioso tempo? Quem são as pessoas mais importantes para mim?
Questões assim nos ajudam a identificar os papéis que exercemos ou deveríamos exercer. Alguns são naturais, como o de pai e o de filho, por exemplo, e somente podem ser suprimidos por um fato extraordinário. Outros são voluntariamente procurados, como os de amigo, conselheiro, empresário, médico ou professor. Mas todos só podem ser bem exercidos se houver consciência de que existem e de que são valiosos. Pensar neles, então, pode ser uma pista para descobrir o que é realmente importante.
O perigo, no entanto, é acreditar na possibilidade de elaborar uma lista fechada e impedir os olhos de ver quem está ao redor. Jesus conhecia bem essa armadilha e falou sobre ela na famosa parábola do Bom Samaritano, registrada no capítulo 10 do Evangelho de Lucas, cuja leitura recomendo. Não basta formular a pergunta sobre a quem se deve amar e, depois, justificar a inércia com a dificuldade de encontrar a resposta exata. Amar o próximo é simplesmente amar quem estiver no caminho.
Com esse tipo de ressalva, pretendo deixar claro que listar papéis é apenas uma forma de dar ênfase a certos relacionamentos, mas nunca um modo de tornar a vida previsível, sem graça, burocrática.
Aliás, acabei de me lembrar da distinção entre “pessoas que amam pessoas” e “pessoas que amam a humanidade”, feita por Cherterton, na biografia de São Francisco de Assis. Sim, porque é possível fazer um belo discurso sobre a paz mundial e, ao mesmo tempo, desprezar o coleguinha do lado. Amar a humanidade inteira, mas de modo impessoal e abstrato, não é muito difícil. O drama é amar pessoas de carne e osso, com defeitos que nos desagradam, opiniões que nos contrariam e necessidades que nos constrangem.
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