segunda-feira, 6 de julho de 2009

ALUNA E PROFESSORA DEBATEM QUESTÕES IMPORTANTES PARA A UNIVERSIDADE



Um dos textos que disponibilizamos logo na estréia do blog foi o que contém a entrevista com a professora Miracy Gustin.

No dia em que ela foi realizada, logo após a última pergunta, uma das pessoas presentes, a mestranda Nara Pereira Carvalho, pediu a palavra.

Em seguida, dirigiu-se à Miracy, referindo-se a um concurso para Professor Titular de Filosofia do Direito, recentemente realizado na Faculdade de Direito da UFMG.

O conteúdo da conversa, que passamos a transcrever, me fez chegar a uma conclusão definitiva.

Miracy não é titular.

De direito, Miracy não é titular.

Nara - Professora, posso lhe fazer uma pergunta? É uma questão que me aflige há muito tempo. Eu já sei mais ou menos a sua resposta. Mas é que isso tem me causado angústia. É uma pergunta até um pouco atrevida: Por que a senhora não fez o concurso para titular?

Miracy - Ninguém acredita na minha resposta. Mas é a resposta que eu solicitei à Diretoria que encaminhasse à Banca Examinadora e que continuo a dar. Eu entrei para o concurso de titular, fiz a tese – que estou querendo publicar –, reuni todos os meus documentos, meu currículo, etc. E entrei sabe por quê? Porque fui muito pressionada por alunos, alunos a quem quero muito, certo? Diversos grupos de alunos me procuraram e pediram para eu entrar. Mas duas coisas, depois, me fizeram desistir. Uma principal, que foi o motivo ético. Eu não me senti bem quando vi que iria prestar um concurso para titular e daí a um mês e meio eu estaria aposentada pela compulsória. É que esse concurso era para ter sido feito há mais tempo. Acho que, se entre a posse como titular e minha aposentadoria tivesse ocorrido um intervalo de, pelo menos, um semestre letivo, eu me sentiria mais à vontade. Talvez me sentisse ainda mal, mas um pouco menos. Mas, com aquela proximidade da aposentadoria senti grande mal-estar. É como se eu estivesse rompendo com toda a minha ética de professora. Ou seja, vou fazer um concurso de titular só para ganhar melhor. Porque era só para isso. Não teria outra razão na minha vida. Eu não me incomodo com título. Eu nunca me incomodei. O título era de muito pouca importância para mim. A única importância era a mudança de salário, e àquela época, por situações diversas, eu precisava muito desse aumento salarial! (Risos). Mas, justamente isto me causou um problema muito sério: a questão pouco ética de eu estar me dispondo a realizar um concurso só para uma mudança salarial. Isso seria um absurdo em minha vida de professora. E também quando fiquei sabendo que estava correndo na internet algo pejorativo em relação aos demais candidatos. Isso me causou grande mal-estar. Havia grupos internos à Faculdade abrindo uma verdadeira guerra, muito pouco ética no sentido das relações de cordialidade acadêmica. Quando soube disso, fortaleceu muito aquela primeira motivação, e a maior, que era a ética em um sentido de respeito às regras institucionais. Isso fortaleceu muito a minha postura.

Nara – Então tem um quê político na sua decisão?

Miracy – Acho que sim. Também...

Nara – Professora, à época em que soube disso, mesmo com o meu atrevimento, eu me contive o máximo para não a procurar, primeiro porque eu ainda não a conhecia, e depois porque eu não me achava na condição de convencer uma pessoa tão bem informada do contrário. Mas, de qualquer forma, a senhora já é titular, de fato, aqui na Faculdade. Titular não é por conta do salário. É por conta de posicionamentos, por conta do conjunto de ideias, por conta de modificar e de atuar na vida das pessoas. O problema é que, quando a senhora desistiu do concurso, isso acabou trazendo algumas limitações para a Instituição. E isso, na época, me afligia demais: será que alguém mais próximo não falou nisso, não ponderou isso com ela? E eu fiquei imensamente triste, até hoje me sinto mal por não ter ido atrás, ao menos tentado expor o que pensava à senhora.

Miracy - Eu discuti isso muito com os grupos que me procuraram aqui dentro da Faculdade e também com a minha família. Quando se abre um edital público, de conhecimento em todo Brasil, espera-se pelo comparecerimento de grande número de candidatos. Mas isso não aconteceu. Eu mesma, inclusive, me afastei. O que é uma pena, pois, as seleções devem mobilizar maior número de candidatos. Isto é salutar e instigante, atribui sempre grande legitimidade para aqueles que saem vitoriosos. Ultimamente, as seleções para a docência universitária não têm mobilizado um número maior de candidatos. Aqui em nossa Faculdade ou em outras tantas. Agora, essa questão de ser titular, o que significa isso? Olha, o antigo catedrático significava alguma coisa, porque o antigo catedrático orientava seus assistentes, orientava sua cadeira, apesar de eu ser absolutamente contrária às antigas cátedras, aquele instituto vitalício. Bem ou mal, o catedrático tinha, pelo menos, essa função de orientar. Hoje, a mudança entre as escalas da carreira de professor, dentro das universidades, não tem qualquer significado! Eu passei de professora adjunta para associada. O que é que eu faço a mais como professora associada? Nada. Esse título não me atribui qualquer função diferenciada. Ou seja, é uma escala apenas de mudança salarial. Não tem novos compromissos. Deveria ter. O professor assistente, supostamente, passou por níveis maiores de aprofundamento, ele necessita ser, no mínimo, mestre. Então, o professor assistente, o professor adjunto, dentre outros níveis na hierarquia acadêmica, deveriam se incumbir de conversas com professores substitutos, por exemplo. Conversas sobre magistério, sobre o conteúdo das disciplinas, sobre orientações para atuação em sala de aula. Mas nós não temos essa função de orientação. Você orienta outras pessoas sem precisar ser titular. Por isso é que eu pensei: por que vou ser titular? Tudo bem, o único motivo, o que vai me impulsionar, é ter um salário maior. Mas se for só por isso eu não quero. Já estou à beira de uma aposentadoria, isto não seria uma postura de um educador ético.

Nara – Tudo bem, do modo como a carreira está organizada, seria apenas mais um título, de certa forma mais vinculada a poder, a “status”...

Miracy – Se tivesse uma função, eu teria pensado na Instituição. Se tivesse essa função.

Nara – Querendo ou não, um título traz mais responsabilidades e a senhora estava plenamente apta a exercer isso...

Miracy – Infelizmente não. Eu gostaria que fosse assim. Que tivéssemos maiores responsabilidades.

Nara – O que é politicamente justificável...

Miracy – Pois é. Mas isso é incorreto. A boa remuneração não deveria estar ligada ao fato de ser ou não titular. O professor, em qualquer caso, precisa ser bem pago. Às vezes, as pessoas ficam dando aulas em inúmeros locais, ou fazendo projetos que não querem fazer, porque precisam de um acréscimo salarial. Isso é muito indigno para o professor. Ele ter que fazer isso. E, com isto, nega-se aquilo que eu falei no início [da entrevista concedida ao blog]: o que é ser professor e o que deveria ser uma Faculdade de Direito. O Direito, meus amigos, é algo muito bonito. Não há conteúdo mais universal do que o do Direito. O Direito está no nosso cotidiano, está em todas as horas da nossa vida. Então, formar profissionais no campo do Direito é de uma beleza infinda. Só que a gente acaba transformando isso em um grande comércio. E isso eu não vou fazer! Não me permitirei tal distorção.

Um comentário:

Fernanda disse...

De fato, não há dúvidas de que a profa. Miracy é titular
=)