terça-feira, 7 de junho de 2016

Direito Civil e Literatura de Cordel



Na última aula, meus alunos apresentaram parte do trabalho de Direito Civil em forma de cordel. O assunto era abuso de direito. E ficou simplesmente maravilhoso! Pedi autorização para publicar aqui. Vejam só:

O FRUTO

de Giulia Drummond e Túlio Campos

Aconteceu num dia pra lá de 1900
Numa cidadezinha não-sei-onde
Que ninguém lembra o nome
Nasceu um pé de não-sei-o-que
Brotou, cresceu e deu árvore
Que tinha umas fruta gorda

Era um fruto especial
Sabor pecado original
Mas num é que a tal dessa árvore
Era no meio da terra de compadres
No terreno de João
beirando o de Joaquim

Mas a amizade chegava ao fim
Quando o primeiro fruto brotou
Joaquim logo olhou
O fruteiro era no seu terreno
Mas cresceu entortado um cadim
E assim não ficou mais sereno

O tronco tava desse lado de cá
Mas os fruto dariam pra João pegar
E Joaquim começou a desconfiar
Porque via os fruto nascê e crescê
Mas eles num tavam aqui nem lá
Onde é que eles foram pará?

E de João começou a suspeitá
Que as fruta ele tava roubando
Passava dias olhando
E nunca via o exato instante
Mas de perto ele foi vigiá
Pra pegar ele em flagrante

Mas panela vigiada não ferve
E vigia que dorme não serve
A fruta era tão gostosa
Que Joaquim construiu outra casa
A dois metros da beira
Pra ver mió a fruteira

Ficava pregado no terreno vizinho
Vinte e três horas por dia
Mas quando dormia um cadinho
Num piscar de olhos as fruta sumia
E João ainda achou ruim
Ter outra casa pertim

-Mas comé que ocê faz uma casa
com a janela dando pro meu lado?
Cê tá querendo é me ver pelado!
Seus fruto? Eu que não tô colhendo
Devolva meu ambiente privado
Senão pra Justiça vou correndo!

- Ora, meu é o lote
Então não ficarei ameno
Se tô em direito pleno
De morá onde eu bem entendê
A culpa em mim não bote
se em terra vizinha mora ocê

-Mas, cumpadi, cê não entendeu
Eu num tô nem aí se o direito é seu
Sei que nele ocê se excedeu
Posso ter privacidade
E para tanto bato no peito
Ocê cometeu abuso de direito!

Depois disso veio tranquilidade
Mas de pouca duração
Os frutos continuavam sumindo
Porém nunca caindo
Assim veio outra novidade:
Joaquim começou outra ação

Deu pra construir cerca
Rodeou o terreno de certa maneira
E na hora que chegou na fruteira
Fez uma barriga na grade
Circulando toda a parte
Para que o fruto não se perca

Mas João logo se zangou
Com aquela invasão
Afinal era seu chão
Mas Joaquim não retrocedeu
E falou até o fim:
-O direito de cercar foi dado a mim!

-Mas ora, cê não entendeu
Num tô nem aí se o direito é seu
Sei que nele ocê se excedeu
Também posso ter meu lote inteiro
Conservado e sem defeito
Ocê cometeu um abuso de direito!

Um tempo bom se passou
A briga continuou
mas sem muita inovação
E a geração de Joaquim e João?
Chegou ao fim da reta
Deixando pra trás duas neta

Eram elas Joaquina e Joana
Que continuaram a trama
E Joana jurava também
Que sempre fizera o bem
Jurava que não colhia as fruta
E daí mais uma disputa

Até que num dia Joaquina viu
caíra o fruto no chão
Desesperada, pulou do colchão
Saltou a grade desgastada
E nada recatada (nem bela e do lar)
Pegara a fruta na mão

Joana, quando viu a cena
Se fez em raiva mortal
seu terreno foi invadido, afinal
E o fruto que caiu no chão
A vizinha pegou na convicção
De que fazia coisa legal

Mas Joana na Justiça entrou
E um adevogado veio lá da capital
Pra ver como Joaquina era do mal
Dr. Pomposo era seu nome
Que ouviu todo aquele caso
E disse logo sem atraso:

-Excelentíssimas partes vizinhas
Queiram me ouvir quando proclamo
Confiem em mim; a Justiça eu amo
A dona da razão é Joana
Joaquina saíra da cama
Crendo ser dona; sozinha

-Joaquina, seu avô
Só abusou de direito
Não podia ter gradeado sem freio
Nem construído casa
a quase um metro e meio
E nem você pegado fruto alheio

-Nem o tempo vai te defender
Desde o majestoso Beviláqua
Há de se reconhecer
Que suas ações são abusivas
Minha contratante tem razão
Pra felicidade do meu ganha pão!

Mas suas palavras não adiantaram
As duas vizinhas sequer escutaram
E também nem entenderiam
Estavam distraídas e riam
Descobriram então
A real história e sua solução

Uma família de tucanos nos galhos
Brincava com todas as frutas
Encerrando o caso de atos falhos
De brigas entre figuras incultas
As vizinhas se fizeram amigas
E assim acabava as abusivas intrigas


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