Dedico esse pequeno texto
aos alunos dos primeiros períodos
do curso de Direito da UFMG,
com os quais tenho aprendido muito.
Depois da euforia do ingresso na universidade, costuma surgir um sentimento difuso de insatisfação entre os estudantes. Nas próximas linhas, pretendo falar sobre esse assunto e indicar uma série de fatores que podem atrapalhar o processo de adaptação ao ambiente universitário.
As ideias podem até ser úteis para outros interessados, mas esclareço que tive em mente os calouros do curso de Direito da UFMG, simplesmente porque conheço melhor a realidade em que estão inseridos.
1. A idealização da experiência universitária
Pode ser bastante hostil o ambiente do ensino médio e dos cursinhos preparatórios. O volume de questões para estudar, o medo da concorrência dos colegas, a cobrança para obter resultados positivos, entre outros fatores, contribuem para o clima de tensão. Ao estudante, resta alimentar a esperança de que, na universidade, tudo vai mudar. Por isso, quando a realidade não corresponde ao sonho, a decepção é enorme. E a frase “serão os melhores cinco anos da sua vida” parece uma profecia difícil de realizar.
2. A falta de um objetivo definido
Por mais cansativa que seja a preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio, o estudante tem um alvo claro, definido, estático, que é a aprovação. Na universidade, ao contrário, diante do imenso número de possibilidades, é difícil definir objetivos profissionais. Assim, sem saber aonde quer chegar, todos os caminhos parecem igualmente equivocados.
3. O peso das expectativas familiares
O estudante de Direito pode até não saber o que fazer depois de formado, mas o seu entorno social tem expectativas muito bem definidas. Na grande maioria dos casos, amigos e familiares esperam que os futuros bacharéis se tornem juízes ou membros do ministério público. Eu mesmo, depois de quase 20 anos de formado, ainda escuto coisas do tipo “você não pensa em fazer concurso?” ou “você é tão inteligente para ser só professor”. Quando o estudante é o primeiro da família a ingressar numa boa universidade e quando os pais fizeram grandes sacrifícios para garantir que isso fosse possível, a pressão de entregar ótimos resultados é ainda maior. E muito frequentemente a qualidade do resultado não é medida pela satisfação pessoal que a carreira proporciona, mas pelos níveis de remuneração e status.
4. A experiência de conviver com outros “melhores alunos”
Nas boas universidades, as turmas de graduação em Direito costumam reunir alunos que sempre estiveram entre os melhores de suas classes no ensino médio, sobretudo em matérias como português, história e geografia. Na grande maioria, são alunos que não conviveram com reprovações ou dificuldades de aprendizado. Por isso, pode ser bastante traumático não obter as melhores notas e perceber que há outros gênios ao redor.
5. O clima de competitividade
Muito embora o ambiente universitário brasileiro seja conhecido pelo alto nível de colaboração entre os estudantes, inclusive nos momentos de burlar processos de avaliação, a competição sempre está presente. E para quem ainda não está seguro de seu lugar no mundo, competir não é nada saudável. As boas notas são valorizadas em demasia. Parece ser mais importante obtê-las que efetivamente aprender o conteúdo ministrado. Supõe-se que o sucesso profissional depende mais do desempenho nas avaliações que do desenvolvimento das competências necessárias para cada tipo de carreira.
6. O excesso de oportunidades acadêmicas
Pode parecer estranho, mas o excesso de oportunidades acadêmicas tem o poder de oprimir. Como se já não fosse suficientemente difícil dar conta do básico, os estudantes são bombardeados com convites para eventos, grupos de estudo, processos seletivos e outras atividades “imperdíveis". Recusá-las é conviver com a culpa. E a frase “aproveite tudo o que a Universidade pode oferecer”, proferida com a melhor das intenções, pode ser um peso.
7. O desafio de morar longe da família
É especialmente difícil cumular a adaptação ao ambiente universitário com a adaptação a uma nova cidade e a um novo modo de viver. O desafio exige uma dose especial de paciência e só poderá ser superado com apoio e orientação.
8. A falta de preparo da universidade e dos professores
Todos os outros desafios poderiam ser minimizados se a universidade e os professores estivessem preparados para enfrentá-los. Mas isso está longe de ser verdade. Ao menos no caso do curso de Direito da UFMG, é seguro afirmar que não há nenhum planejamento na oferta das disciplinas dos primeiros períodos. A escolha dos professores não passa pela análise da adequação de seu perfil ao momento inicial do curso. Não há nenhum diálogo entre professores do mesmo período para a identificação de dificuldades comuns. Ao contrário, cada um cuida de sua matéria como se fosse a única. Com as melhores intenções, muitos utilizam a estratégia de promover o pânico entre os estudantes. Pensam que desse modo podem ajudá-los a compreender que as coisas são diferentes na universidade.
CONCLUSÃO
Estou ciente de que conhecer um problema não é o mesmo que resolvê-lo. Mas é um passo importante. Nomear as próprias dificuldades contribui para dissipar o sentimento vago e impreciso de tristeza, pensar em alternativas mais saudáveis e fazer escolhas mais conscientes. Também é tranquilizador saber que as angústias são verdadeiras e acometem grande parte dos estudantes.
Ao final, se eu pudesse dizer apenas mais uma coisa, seria: não sofra sozinho; peça ajuda.
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