Para muitos estudantes, estar numa universidade de ponta é algo tão natural quanto passar férias em Orlando ou frequentar o Minas Tênis Clube. Trata-se de percorrer um caminho conhecido, ter a sensação de estar em casa, fazer o mesmo que já havia sido feito por avós, pais, irmãos, tios e primos.
Para outros, no entanto, a conquista de um lugar na universidade é notícia que se recebe com espanto. Familiares, amigos e colegas experimentam uma nova forma de alegria. De tão extraordinária, a vitória merece ser divulgada e celebrada.
O encontro de pessoas assim tão diferentes pode ser fonte de inesgotável energia para o ambiente universitário. A inovação costuma florescer em meio à diversidade. Mas o potencial de produzir sofrimento também está presente. É preciso, portanto, reconhecê-lo e trabalhar para reduzir o seu alcance.
Um exemplo pode deixar as coisas mais claras. Para quem estudou inglês em ótimas escolas, conheceu muitos países, e sempre teve incentivo para aprender línguas estrangeiras, pode parecer estranho que haja estudantes universitários que só consigam ler textos em português. Por outro lado, quem não tem a habilidade desejada pode se sentir constrangido, envergonhado e até mesmo culpado. Mas a verdade é que as pessoas carregam histórias e as histórias precisam ser contadas.
Eu sou professor universitário, fiz mestrado e doutorado, e gosto muito do ambiente acadêmico. Mas a primeira vez que pisei numa universidade foi para fazer o vestibular. Como a maioria dos meus amigos, não queria nada além de ser jogador de futebol. Posso contar nos dedos os livros que li na infância e na adolescência. Na minha cidade, não tínhamos acesso a bibliotecas, livrarias, cinemas ou teatros. Fiz quase toda a minha trajetória em escolas públicas. Até o final do ensino médio, imaginava que faria um curso superior não muito longe da minha casa e que, depois, voltaria para ajudar nos negócios da família.
Quando fui aprovado para o curso de Direito na PUC Minas, pensei que era muito mais do que merecia. Para minha felicidade, fiz inscrição para o turno da noite e pude conviver com colegas mais maduros e com trajetórias diversificadas. Não tive dificuldade de adaptação e sempre me senti bem acolhido. Meus pais puderam me oferecer todo o suporte de que precisava. Sempre recebi apoio e incentivo de amigos queridos. Fiz todo o curso com alegria e entusiasmo e tive muitas oportunidades de crescimento.
Mas nem tudo foi fácil. Em muitos momentos, sentia que estava em território desconhecido. Para dizer a verdade, ainda hoje passo por situações de desconforto.
Assim que me mudei para Belo Horizonte, vindo do interior, fui muitas vezes corrigido por meu modo de falar. Aprendi que não se deve dizer que a taça está “meia” cheia, mas “meio” cheia; que não é correto falar que o professor pediu para “mim” fazer a tarefa, mas para “eu” fazer. Hoje, os equívocos podem parecer óbvios, mas não eram naquele momento. Eu falava simplesmente do jeito que havia aprendido.
No que se refere à produção de textos, ainda no primeiro período do curso, o saudoso professor Jaime França me devolveu uma redação com várias correções. Uma de que me lembro com muita clareza foi a que indicava o erro de escrever “seje” ao invés de “seja”. Sim, eu cheguei à universidade com essas e outras falhas em minha formação básica.
Também me lembro de que, no meu vocabulário, não constavam palavras que meus colegas usavam com naturalidade.
O caso mais engraçado se deu quando eu fazia estágio na Assessoria Jurídica do Banco do Brasil. Depois do intervalo do almoço, uma colega me perguntou se eu poderia lhe emprestar o “dentifrício”. Como não sabia do que se tratava, disse simplesmente que não tinha. Ela fez cara de quem não gostou. E não era para menos, pois eu acabara de guardar na gaveta uma pequena bolsa com os itens de higiene bucal. A questão é que eu jamais tinha ouvido aquela palavra. Eu conhecia “pasta de dente” e “creme dental”, mas nunca tinha ouvido falar em “dentifrício”. Claro que eu poderia ter perguntado. Mas tive vergonha e acabei fazendo papel de egoísta.
Numa outra ocasião, os colegas me chamaram para comer “trufas” e eu, com medo de não saber lidar com comidas complicadas, fui logo dizendo que não gostava. Eles acharam estranho, mas não insistiram. Só muito depois é que descobri que o convite era para comer chocolates.
Em muitas ocasiões, fiquei constrangido por achar que não sabia me comportar à mesa. Demorou um pouco, mas acabei desistindo de tentar imitar os colegas.
Mas seguramente o item que melhor simboliza minha falta de preparo para o ambiente acadêmico é a dificuldade com os outros idiomas. Passei por quase todas as franquias de inglês de Belo Horizonte e não aprendi quase nada. É claro que eu já poderia ter superado isso. Mas o fato é que ainda não superei. Não consigo me comunicar em inglês e em nenhuma outra língua estrangeira. Com alguma dificuldade, consigo ler textos em espanhol e italiano. E é só.
Então, depois de contar um pouco da minha história, volto ao início da conversa. Há pessoas que se sentem naturalmente à vontade no ambiente universitário. Outras se sentem desconfortáveis. E ainda outras se sentem como se não devessem estar ali. E é pra gente desse tipo que eu queria dizer: ponha-se no seu lugar! E o seu lugar é aqui, na universidade, do seu jeito, com a sua cara, no seu tempo, no seu ritmo.
2 comentários:
Muito interessante essa coragem de dizer o que ocorre muito no ambiente acadêmico, também estudei na PUC - Coração Eucarístico e me formei em Dezembro de 1992, penso que um pouco de sua caminhada é parecida com a minha.
Um abraço e gratidão pela sua coragem.
Suely Teixeira - Advogada militante do movimento sindical de Belo Horizonte
Me identifiquei! Às vezes me sinto fora de lugar dentro da faculdade que estudo.
Postar um comentário