quarta-feira, 8 de julho de 2009
ENTREVISTA COM MARCELO GALUPPO
Marcelo Campos Galuppo é doutor em Direito pela UFMG, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC/MG, presidente da Associação Brasileira de Filosofia do Direito e Sociologia do Direito e também do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. No dia 24 de junho de 2009, ele muito gentilmente nos concedeu a seguinte entrevista. Nenhuma das etapas, da seleção das perguntas à edição final do texto, teria sido possível sem a eficiente colaboração de Santiago Pinto.
PRIMEIRA PARTE
“Eu acho que é muito importante pensar nos mestres não como aquelas pessoas que foram nossos professores, necessariamente. Mas como pessoas que, de alguma forma, fizeram isso: ajudaram a gente a ser diferente do que a gente era antes”.
1. O quê significa ser professor?
Acho que é transformar vidas. Acho que isso é que é educação. Acho que ser professor é isso.
2. E quais foram seus grandes mestres?
Ah, difícil. Eu tive grandes mestres. E cada um deles por uma razão muito distinta. Eu acho que é muito importante pensar nos mestres não como aquelas pessoas que foram nossos professores, necessariamente. Mas como pessoas que, de alguma forma, fizeram isso: ajudaram a gente a ser diferente do que a gente era antes.
Por exemplo, apesar de eu nunca ter sido aluno do [João Baptista] Villela, eu sempre conversei muito com ele. E eu tenho me perguntado muito como é possível que um homem – eu tenho perguntado isso para todo mundo, sabe Giordano – como é possível que um homem, trinta anos atrás, com a Constituição anterior, com o Código Civil anterior, tenha se antecipado a toda doutrina do Direito de Família, por exemplo, na questão da desbiologização da paternidade?
Um outro exemplo é o [José Alfredo de Oliveira] Baracho. O Baracho me marcou muito porque ele me ensinou uma coisa muito importante sobre professores universitários: é que a coisa mais importante que o professor universitário pode fazer é abrir oportunidades para os seus alunos. Isso é uma coisa muito importante para os professores fazerem e eles nem sempre se dão conta de como isso é importante para a vida das pessoas.
Interessante, dos professores que eu tive na PUC, talvez os que mais me tenham marcado, no curso de Direito, não foram propriamente professores de Direito. Foi um professor de EPB (Estudos de Problemas Brasileiros), que é o Alisson – porque eu sou da época do EPB ainda. Você não pegou EPB?
Não.
Um professor de Cultura Religiosa, que é o Paulo Agostinho, não sei se foi seu professor?
Também não.
Mas você pegou Cultura?
Sim, mas com outro professor.
E uma professora de Filosofia, foi minha primeira aula na Universidade, que é a Sílvia, que foi coordenadora da Filosofia. São professores que marcaram muito na graduação.
Menelick [de Carvalho Netto] me marcou muito, porque aprendi muitas coisas sobre a docência com ele.
E um professor, em especial, que me marcou muito também, foi um professor da Filosofia, aqui da FAFICH (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas), que é o José Henrique dos Santos. Me marcou muito porque o José Henrique é um hegeliano, mas é a pessoa mais aberta que eu conheço a orientar pessoas com outras orientações. Eu aprendi muito com o José Henrique nesse ponto.
Mas é difícil falar de um professor marcante. Eu acho que o professor mais marcante que eu tive, na verdade, foi o movimento estudantil. Talvez tenha sido o lugar em que eu tenha aprendido mais na Universidade.
Tive professores marcantes, também, no ensino básico. No ensino médio, para ser exato. Tive uma professora muito marcante de português. Ela, por exemplo, desenvolveu em mim uma vontade muito grande de conhecer línguas. E é interessante, porque eu sou do interior, e quando eu mudei para Belo Horizonte, assim que eu me matriculei na Faculdade, eu me matriculei também na Cultura Inglesa, na Aliança Francesa, depois no Göethe, depois Cultura Alemã, e isso foi decisivo para a minha carreira. Conhecer línguas é algo decisivo em qualquer carreira jurídica, seja como advogado, seja, sobretudo, como professor. É fundamental. Então, é uma pessoa que me marcou muito.
Eu tive um professor de Civil, também, que foi muito marcante. Foi o [Antônio Ribeiro] Romanelli. De todos os professores de Direito que eu tive na graduação, quem mais me marcou foi o Romanelli. Eu aprendi muito com o Romanelli, que foi meu professor de Teoria Geral do Direito Civil. Isso me permitiu ter uma base muito boa, muito sólida em Teoria Geral do Direito Civil, em Direito Civil em geral. Outra pessoa que me marcou muito foi o Patrus [Ananias de Souza]. Fui aluno dele de Introdução. Foi ele quem me apresentou ao Grande Sertão: Veredas. A [Ministra] Carmem Lúcia, também, exerceu uma influência muito grande sobre mim.
3. Marcelo, em suas aulas, você faz constantes referências à literatura, ao cinema, à gastronomia, à teologia, essa prática deve ser atribuída a uma manifestação espontânea da sua personalidade ou ela é uma estratégia pedagógica deliberada?
Ela é uma estratégia pedagógica deliberada e, ao mesmo tempo, uma manifestação da minha personalidade.
Eu me preocupo muito com uma coisa, Giordano, que é a fragmentação do saber. Eu acho que o Direito não existe em um vácuo independente dos outros saberes. E eu acho que aumenta a compreensão dos alunos nós lançarmos mão desses outros saberes para eles poderem aprender o conteúdo do Direito, em geral. No meu caso, que é a Filosofia do Direito, isso fica mais evidente ainda. O diálogo ainda é mais evidente com os outros conhecimentos. Com a arte, com a literatura.
4. Em seu site (marcelogaluppo.sites.uol.com.br), você disponibiliza uma lista dos livros que ninguém deve deixar de ler.
Meu site, coitado, está muito desatualizado. Ontem, um aluno meu me falou que estava me seguindo no Twitter, mas que ele morreu de tédio, porque há dez dias eu estou preparando uma aula. (Risos)
Mas agora eu tenho um blog novo [www.marcelogaluppo.com]. E estou tentando twittar com mais freqüência [marcelogaluppo].
Bom, mas os cem livros estão lá, dispostos em uma ordem cronológica. E se você tivesse que fazer sugestão semelhante a quem, por algum motivo, só tem possibilidade de ler três, quais você escolheria?
Independente do tamanho dos livros?
Sim, ele tem tempo para ler três.
Tempo para ler três. Então, eu acho que a Bíblia. Acho que Grande Sertão: Veredas. E acho que Dom Casmurro.
5. Há outra coisa de que me lembro, com muita atualidade, de suas aulas. É a menção de que, em suas viagens, você gosta de visitar os cemitérios das cidades por onde passa. A visita a um túmulo específico causou alguma experiência significativa?
Eu acho que o túmulo que mais me impressionou foi o de Camões, em Lisboa. Ele está no Mosteiro dos Jerónimos. Eu fiquei muito emocionado quando estive lá. É interessante porque são quatro túmulos, no Mosteiro dos Jerónimos. Um é de alguém ligado à história portuguesa. Não me impressionou muito. Os outros três são Vasco da Gama, Fernando Pessoa e Camões. E eu acho que gosto mais de Fernando Pessoa do que de Camões, mas eu fiquei emocionado foi no túmulo de Camões.
Esse tipo de visita tem alguma coisa a ver com a possibilidade de provocar alguma reflexão sobre a morte e o sentido da vida?
Eu acho que tem muito com a minha percepção de Deus. Eu acho que a morte faz parte da vida. Ela não é uma interrupção. É muito interessante, várias pessoas falam: “Olha, a vida é muito curta, então você tem que aproveitá-la da melhor forma possível”. Eu costumo responder para essas pessoas é que o problema é se eles estiverem errados, e a vida for eterna. Esse é o problema. É tudo uma questão de perspectiva. E é muito interessante que eu sinto uma presença. Um lugar onde eu me sinto diante de Deus é em cemitérios. Eu sinto a presença de Deus.
Por exemplo, uma vez eu fui a um cemitério, o mais impressionante que eu já vi na minha vida. É um cemitério judeu lá em Praga. Ele é impressionante, é realmente impressionante. É um cemitério que, há muito tempo, dois ou três séculos, não é usado mais, mas que foi usado por seiscentos, oitocentos anos. Então, por causa disso, à medida que lotava o cemitério, eles iam acumulando mais camadas de terra por cima. Pegavam a lápide que estava embaixo e colocavam em cima, e uma outra na frente. Então, tem milhares de lápides em poucos metros quadrados. E é muito interessante, porque a forma como os judeus convivem com os seus mortos é muito diferente do que nós fazemos. Não sei se você já presenciou um sepultamento judaico. É muito interessante, primeiro porque o corpo é considerado imundo. Então, ao contrário do que os cristãos fazem, por exemplo, não há um velório dos mortos. Eles ficam separados, porque os vivos não podem ter contato direto com o corpo. Mas, na hora do sepultamento, o rabino, no caminho de onde fica o corpo até a sepultura, ele para três vezes. E, como, geralmente, nesses sepultamentos, há muitos que não são judeus, ele explica porque eles fazem isso: porque a família se recusa a entregar o corpo para a morte. Mas é muito bonito, porque, passado algum tempo, eles fazem uma cerimônia, que é a descoberta da Matseiva. E sempre que você vai a um cemitério judaico, ao invés de flores, porque não se usa flores nos funerais judaicos – é um cemitério sem flores – eles usam pedras. Vocês devem ter visto isso naquele filme, A Lista de Schindler. No final, os judeus que sobreviveram ao holocausto e que estavam vivos, iam ao túmulo do Schindler e colocavam pedras. Isso é muito bonito em um cemitério, porque a pedra, antes de mais nada, simboliza algo que dura eternamente. É muito diferente da flor. A flor é efêmera. Mas a pedra dura constantemente. Então, eles vão colocando as pedras, porque a memória deles é para sempre.
6. Em seu livro de metodologia da pesquisa...
Deixa eu te contar uma coisa sobre esse livro de metodologia.
Conte.
Uma colega minha me perguntou: – “Marcelo, como é que se faz isso?”. Eu respondi: – “Eu não sei!”. – “Mas você não escreveu um livro de metodologia?”. Eu falei: – “Escrevi”. – “Por que você escreveu?”. – “Porque eu odeio metodologia!”. – “Então, porque você escreveu o livro?”. – “É exatamente porque eu odeio! Eu não preciso ficar com essas coisas na cabeça! Então, eu escrevi para ficar livre”. (Risos)
E eu uso o seu manual para a mesma finalidade. Eu entrego aos meus orientandos e digo: “Leia, que eu não me ocupo disso”.
As pessoas me perguntam como se eu adorasse metodologia.
Mas a pergunta não tem muito a ver com a própria metodologia. É sobre uma frase que você diz lá: “Há muitas teses de doutoramento que são, na verdade, dissertações de mestrado.” Isso tem acontecido muito?
Eu acho até que tem mudado um pouco. Eu acho que tem melhorado. Engraçado, eu acho que você vai poder confirmar isso que eu vou dizer, a partir da sua experiência na UFMG. Hoje, eu tive uma conversa com os alunos do mestrado e do doutorado, porque tem um fenômeno que está acontecendo e que tem me preocupado muito, e eu acho que na UFMG deve acontecer a mesma coisa. Eu tenho percebido que os alunos do mestrado têm um compromisso maior com a Pós-Graduação do que os alunos do doutorado. Não sei como é que você percebe isso na UFMG.
Não sei. Acho que eu ainda não consigo fazer essa leitura.
Produzem mais, são mais produtivos, publicam mais. Não sei, eu acho que tem alguma coisa errada com o doutoramento em Direito no Brasil. Não saberia dizer exatamente o porquê, mas, via de regra, eu acho que os alunos do doutorado tendem a ser menos compromissados. Talvez, porque eles têm um prazo maior, quatro anos, enquanto os alunos do mestrado têm dois anos. Então eles têm que correr, porque têm que fazer em dois anos e dois anos passam-se muito rapidamente. Talvez seja isso. Mas o fato é que tem muitos trabalhos de doutorado que têm uma qualidade ruim, como trabalhos de doutorado.
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Um comentário:
Boa noite
Gostaria de ler os livros deste autor, Marcelo Galuppo. Porém não consigo acesso ao site dele.
Poderiam me auxiliar.
Agradeço
Déborah S G Trufelli
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