bacharel em Direito pela UFMG,
integrante da turma que se formou no 2º semestre de 2008
"Dizem também que [foi] mau estudante, ou por outra, estudante displicente, mas isso só serve para aumentá-lo na minha estima. A nossa Escola de Direito não é melhor nem pior do que o comum das escolas, de Direito ou ou não, que não dão gosto nenhum de serem freqüentadas".
-- Carlos Drummond de Andrade, em crônica sobre o poeta Ascânio Lopes, publicada em 1931.
Durante os meus cinco anos da Faculdade de Direito presenciei a repetição de uma conduta que só pode ser descrita com sinceridade como maçante. Existem vários tipos de professor e várias maneiras de ministrar aulas, mas há um método, um modus operandi mais utilizado do que outros, que, de tão escolhido pelos docentes, pode ser chamado de método padrão.
Esse método parte de dois pressupostos básicos, primeiro, o de que a única forma possível do aluno aprender a matéria ensinada é pelo contato direto com o professor, e, segundo, o de que a única forma do professor transmitir suas lições é por meio da aula expositiva.
Heidegger disse muita coisa que me parece simplesmente incomprensível ou inaceitável, mas em algo concordamos, o filósofo alemão dizia que a aula é apenas uma provocação. No método padrão a aula é tudo.
Para facilitar a explicação é interessante tratar primeiro da conduta do docente e depois da maneira como se comportam os discentes.
O professor prepara todas as suas aulas com antecedência, o que é natural e positivo, entretanto, ao organizar o curso, vale-se exclusivamente de um só manual. Isso faz com que ele se exima do trabalho hercúleo de lidar com as questões difíceis que a matéria sucita: no manual escolhido se encontram as respostas definitivas para tudo. Se o professor for o autor de um livro, garantidamente, escolherá a obra de sua lavra como aquela a ser seguida durante o semestre. As vezes, com alguma sorte, o professor escolhe um bom manual, mas o usual é a adoção de autor com maior capacidade para simplificar a matéria (o que não é coisa boa, já que o Direito nunca é simples).
A doutrina escolhida é então diluída e permeada por opiniões do mestre, para ser posteriormente apresentada em sala de aula de maneira superficial. O porque das coisas permanece um mistério, raciocínio jurídico é algo raríssimo e verdadeiras discussões são prontamente findadas com respostas evasivas ou absurdas (o professor ignora o questionamento do aluno, responde a uma pergunta que não foi formulada e continua com a aula). A isso se soma a leitura em voz alta de dispositivos da lei estudada, seguida de hermenêutica pedestre. O professor parece nunca ter cogitado a possibilidade do aluno ele mesmo ler o manual e a legislação fora do horário do curso, sendo a aula reservada para as lições e discussões sobre os pontos mais difíceis da ementa, fora as questões da ordem do dia. O método padrão passa longe disso, pressupõe serem os alunos uns pusilâmines perdidos entre as questões do Direito, incapazes de saber o que diz, exempli gratia, Caio Mário por meio da leitura de Caio Mário.
E se alguém aprendeu alguma coisa ou não é um mistério. Os procedimentos de avaliação são meros expedientes burocráticos destinados a aprovar ou reprovar alunos (alguns partidários do método padrão nunca reprovam ninguém, outros são carrascos sádicos, não há regra quanto a isso). Os trabalhos raramente são lidos, o esperado é que ninguém preste atenção no que se diz nos seminários e as provas, bem, as provas são especialmente sintomáticas. É por meio delas que fica claro que os professores que optaram pelo método padrão se enxergam como "a luz, a verdade e o caminho”. É por meio delas que se constata o inelutável império do magister dixit: quem recebe as maiores notas são aqueles com a maior capacidade de repetir o que disse o professor, incluindo todas idiossincrasias e platitudes do mestre. O sujeito que se debruça sobre várias obras diferentes, procura saber o que diz a jurisprudência do Tribunal de Justiça, do STF e do STJ é um coitado, nota bem melhor obtém aquele que estudou apenas pela cópia do caderno do aluno com maiores propensões a taquígrafo.
E fato é que a maioria dos alunos não se opõe ao método padrão, na verdade, não seria exagerado dizer que muitos o aprovam com veemência. Como certa vez disse a Professora Juliana Cordeiro acertadamente, é celebrado um pacto de mediocridade. Isso se dá porque o método garante aos discentes que o validam duas coisas essenciais, a ilusão de que estão aprendendo algo (e estão, em algum nível, só que muito aquém do possível), e, a garantia de que obterão boas notas no final do semestre, já que para garantir o A basta anotar furiosamente tudo o que o professor disser durante a aula e repetir ipsis litteris na prova, quando palavras-chave acionarão a memória do caderno decorado. É quase como um reflexo condicionado, é quase pavloviano.
E, sem se darem conta disso, com o caminhar do curso, os alunos são moldados pelo método padrão: sabem exclusivamente o que foi exposto em sala de aula, da maneira como foi exposto em sala de aula, quando se põem diante de algum ponto desconhecido de uma matéria que já cursaram culpam imediatamente o professor - "Ah, mas Fulano não ensinou isso!"- se irritam com os mestres propensos a polêmicas e digressões, ficam aborrecidos com qualquer ponderação histórica ou filosófica, começam a condenar a falta de preparo dada pela faculdade ao se depararem no estágio com as dificuldades da prática, et caetera.
E assim passa o grosso do curso de Direito, com a mesma maturidade, seriedade e profundidade intelectual do Ensino Médio. Exceções à regra existem? Naturalmente, mas são exceções à regra. Um professor por semestre? No muito, no muito.
Dizem que a coisa de verdade acontece no mestrado. Eu não sei.
7 comentários:
Concordo plenamente! De fato esse "método padrão" existe e é utilizado pela maioria dos professores. Muito bom o texto e o blog também. Parabéns pela iniciativa, Professor.
Também gostei muito do texto. Aproveito para agradecer ao Jorge a gentileza da contribuição. E se alguém puder, por favor, me diga como ficar bem longe do "método padrão" e, pensando um pouco mais alto, como propor a celebração de um "pacto de excelência"?
Giordano, você é claramente um professor que não se vale do famigerado "método padrão". A pluralidade de textos indicados, a abordagem crítica e progressista da matéria estudada, as discussões em sala de aula e a capacidade de ir além do direito positivado lhe fazem partidário de um método muito melhor.
Suas provas abertas também expõem isso. Melhor do que elas, só as do Villela.
Abraço,
Ana.
Acredito que a adoção de "estudo dirigido" facilita a programação do aluno que deseja estudar em casa. Assim, o professor passa, previamente, determinados pontos que são essenciais ao entendimento da matéria e que podem ser encontrados nos livros ou em outros textos indicados. Com isso evita-se discussões em sala de aula de temas mais simples e reserva-se uma tempo maior para lições complexas.
É claro que nem todos os alunos estudam em casa, mas, pelo menos em algumas situações, pode-se exigir que o estudo dirigido seja feito em casa e entregue antes da aula(atribuição de pontos ao trabalho) e explicar que nela serão feitas atividades de maior dificuldade como, por exemplo, questões práticas ou análises jurisprudenciais.
Prezado comentarista anônimo,
Além de indicar o conteúdo programático da disciplina, de que modo o professor ainda deveria "dirigir" o estudo dos alunos? E, caso isso seja recomendável, como justificar a atribuição de pontos?
Giordano.
Professor,
O Sr. fez algo interesante no final do ano passado na turma de Contratos(5º período) que foi entregar uma folha cujo título era "o que é essencial". Isso, para mim, é uma forma de estudo dirigido, mas pode ser entregue antecipadamente aos alunos para que eles possam estudar o conteúdo principal antes da aula e assim reservar mais tempo para outras questões mais complexas(conforme dito na resposta anterior). O fato de resolver as questões em casa e entregar na aula seguinte já é suficiente para a atribução de pontos. Embora alguns alunos vão copiar as respostas de outros, não acredito que exista um sistema totalmente infalível a isso. E também pode complementar, na atribuição de pontos, a auto-avaliação feita pelo Sr. no último semestre. O Professor Salgado também fazia um bom método que era indicar textos extras numa semana e, na semana seguinte, os alunos deveriam resolver algumas questões sobre aquele texto na sala e em seguida entregar as respostas. Era bom, pois os alunos costumavam estudar os textos e assim já se tinha conhecimento anatecipado sobre a matéria da aula.
De fato, acredito que há estratégias que possam auxiliar, não dirigir, o estudo individual. Não estou muito seguro, no entanto, da adequação de atribuir pontos para a realização de atividades sugeridas com essa finalidade. Penso que isso pode atrapalhar a espontaneidade com as mesmas devam ser feitas.
Até,
Giordano.
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