segunda-feira, 1 de junho de 2009

ENTREVISTA COM MIRACY GUSTIN


Entre as múltiplas atividades da Professora Miracy Barbosa de Sousa Gustin, está a de lecionar Metodologia do Ensino na Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFMG. Os alunos que cursam a matéria são privilegiados. Miracy não é apenas mais uma teórica da Educação, mas alguém que vive o ensino em todas as suas dimensões. Recentemente aposentada, Miracy continua dando suas aulas e segue trabalhando, sem descanso, na coordenação do Programa Pólos de Cidadania (www.polos.ufmg.br).

No dia 1º de abril de 2009, ao término de uma lição, ela nos concedeu a seguinte entrevista. A edição final do texto contou com a preciosa colaboração de Aline Rose Barbosa Pereira.

“Acho que ser professor é um processo dialético permanente de contribuir
e de receber contribuições que transformam as nossas visões de mundo
e que nos inserem em uma roda viva de ações emancipadoras”.


1. O que significa ser professor?

Certa vez alguém me fez essa indagação. Era, aliás, outro professor aqui desta Escola. Nós estávamos num grupo e a pessoa, que é religiosa, perguntou para todas as pessoas que estavam no grupo: “Por que você veio? Por que você está aqui? Qual seu papel em nosso mundo?” A única resposta que eu tinha no momento era: “Ser professora”. Eu não pensava em nada mais! E por mais incrível que pareça, eu sou mãe, avó, esposa, e só me vinha aquela resposta: Ser professora. Eu acho que ser professor é uma relação de responsabilidade que temos permanentemente com a sociedade, com nossa cultura. Ser professor supõe a condição permanente de atuação na transformação social, cultural, mas que também recebe dos alunos constantes subsídios para a sua própria transformação. Acho que ser professor é um processo dialético permanente de contribuir e de receber contribuições que transformam as nossas visões de mundo e que nos inserem em uma roda viva de ações emancipadoras.

2. Qual a maior alegria que a senhora experimentou no exercício do magistério?

Ah! Eu tive tantas alegrias!! (Risos). Bem, talvez, a maior alegria tenha sido quando escreveram um livro em minha homenagem. Mas eu tive outras alegrias também. Quando eu vejo, por exemplo, alunos de Metodologia do Ensino de nossa Pós-Graduação relatando-me experiências inovadoras nas salas onde eles estão em outras Faculdades de Direito e até mesmo aqui, que eu nunca tinha pensado que poderiam ser desenvolvidas! Ou seja, eles me superam a todo o momento, e trazem inovações que eu pensava nunca serem possíveis em uma Faculdade de Direito. Foram inúmeras as alegrias que eu tive ao longo da minha trajetória como professora de Metodologia do Ensino, aqui nesta nossa Faculdade. Eu já fui também professora de professores primários. Eu era professora do curso de formação de professores. Também ali tive essa mesma alegria: ver as minhas ex-alunas com relatos de experiências de tal forma inovadoras sobre as quais eu nunca havia pensado. Vejam, há muito tempo eu tenho tido esse retorno alegre. Talvez, por isso, eu seja uma pessoa feliz.

3. E a maior tristeza, professora?

Maior tristeza, como professora? Ai meu Deus, eu acho que não tive. A maior tristeza... como professora... Sim, eu tive uma tristeza muito grande, mas não se refere ao ensino superior, e nem à sala de aula. Eu pertenci ao Núcleo de Educação da antiga FEBEM e nós fizemos uma mudança bastante significativa no sistema educacional dessa instituição, no final da década de 70. Nós, do Núcleo de Educação, fizemos uma pesquisa e verificamos que nossos alunos iam para o Exército sem terem a oitava série e sem terem uma profissionalização. Então, fizemos uma reformulação no sistema de ensino da FEBEM e propusemos para o Conselho Estadual de Educação, à época, o chamado Curso Intensivo de Primeiro Grau, que era feito em seis anos. Todos os alunos sairiam com o curso completo e profissionalizados. E conseguimos isso. A minha tristeza – até aí é só alegria – a minha tristeza foi quando fomos colocados para fora, nós todos, do Núcleo de Educação da antiga FEBEM. Fomos colocados para fora da FEBEM, em razão da inovação que tínhamos provocado em benefício dos meninos que estavam lá. Ocorre que todos do Núcleo de Educação se deram muito bem fora de lá. Se nós temos hoje construtivismo em Minas Gerais, veio do Balão Vermelho, que foi organizado por pessoas do Núcleo de Educação da FEBEM. E há outras pessoas que trabalharam conosco e que, inclusive, conseguiram escrever artigo importante com Paulo Freire. Vejam, nem sempre as perseguições e as tristezas da tarefa de educar redundam em fracassos para sempre. É preciso acreditar que as mudanças em benefício da educação se não ocorrem imediatamente, elas se efetivarão algum dia.


4. Quais as habilidades ou competências que um bom professor deveria possuir ou desenvolver?

A primeira é a sensibilidade. Acho que o professor tem que ser sensível à diversidade das suas salas de aula. O segundo é a inclusão dos alunos na sala de aula, no sentido de que os professores, de um modo geral, excluem os alunos em suas aulas. Não porque querem, mas porque não percebem que alunos que não têm bibliotecas em casa, que são mais tímidos, etc., ficam calados e excluídos em sala de aula. Esta exclusão, para mim, é uma das piores exclusões, que é a exclusão do saber. E, além da sensibilidade e da capacidade de inclusão dos alunos em sala de aula, eu acho que o professor deve se dedicar aos estudos de pedagogia e de suas inovações. Ele deve ler muito, deve se aprimorar permanentemente, ele deve permanentemente estar à altura de corresponder às necessidades e demandas da turma. Deve ser alguém que estimula a capacidade de autonomia crítica em si mesmo e em seus alunos.

5. A senhora poderia indicar um autor ou alguns autores de Educação para um jovem professor começar a ler?

Anísio Teixeira, Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Lauro de Oliveira Lima, Edgar Morin. Ah, bem, tem mais. Eu não citei uma mulher!? Não façamos essa injustiça. Temos, por exemplo, Bárbara Freitag, apesar de ela agora não mais escrever sobre educação, ainda permanece seu livro "Escola, Estado e Sociedade". Também, Maria Helena Patto com o livro "A Produção do Fracasso Escolar" e Marise Nogueira com sua produção sobre a pedagogia das competências, dentre muitas outras que enriqueceram a educação nacional e mineira. Seria possível esquecer uma Helena Antipoff?

6. Aproveitando, então, o tema, se a senhora precisasse salvar apenas três livros de sua biblioteca, só três, quais seriam?

Ah... Eu salvaria "Pedagogia da Autonomia", do Paulo Freire. São três de educação?

Qualquer livro de sua biblioteca.

Eu salvaria o livro que eu e Guida escrevemos, é minha dissertação de mestrado e a tese de doutoramento dela, que é "Semeando Democracia". Eu gostaria de salvar esse. Em terceiro, acho que salvaria a Bíblia. Ninguém espera por esta minha última resposta, não é mesmo? (Risos)

A senhora quer falar um pouquinho sobre por que salvaria a Bíblia?

Eu acho que a Bíblia é a maior riqueza que a humanidade já teve, no sentido de um relato histórico, teológico, e humanitário. A Bíblia muda ao longo das nossas interpretações, e as interpretações atuais sobre os fenômenos relatados na Bíblia são de uma importância fora do comum. Primeiro, para a paz mundial, a questão da relação nossa com a humanidade como um todo, a relação com as diversas culturas. Isso tudo está lá. Mas, principalmente, o aprendizado do amor, do reconhecimento de nossas alteridades, de nossa relação de respeito com o outro.

7. Como a senhora percebe a qualidade do ensino jurídico brasileiro na atualidade?

Olha, eu acho que o ensino jurídico tem tido uma transformação muito grande. Eu escrevi, e há poucos dias lemos [na aula de Metodologia da Pesquisa], um texto meu sobre isso, falando sobre os tipos diversos de Faculdades de Direito. Nós temos aquelas que massificam o ensino, os alunos, etc., que não têm um projeto acadêmico, nem qualquer metodologia. Esse tipo de Faculdade de Direito não forma ninguém, e nem mesmo informa. Existem outras Faculdades de Direito, e eu estou falando da atualidade, que formam. Que têm um perfil mais técnico, às vezes técnico-dogmático e, se fosse possível – eu acho que dogmática e zetética são inseparáveis – mas eles se dizem Faculdades mais técnicas. Essas Faculdades pelo menos informam, o que não é o ideal. E, em busca do que é ideal, eu acho que está havendo uma transformação muito grande nas melhores Faculdades de Direito, com relação à formação de professores mais jovens, novos, que passaram por cursos de Metodologia do Ensino, que se dedicam às turmas como se aquela fosse a última turma que eles teriam. Eles são idealistas, e esse pessoal está transformando as Faculdades de Direito, no sentido de que eles vão não só informar, mas eles estão desenvolvendo habilidades e produzindo um profissional competente ao final do curso. Então, esse eu acho que é o objetivo maior de uma Faculdade de Direito. Formar competências emancipadas.

8. Se a senhora pudesse começar tudo outra vez, o que escolheria?

Seria professora!!! (risos) Mais o quê, se eu estou aposentada e continuo trabalhando!? (risos) e sem receber nada por isso. Mas, olha, é interessante, sabe? Eu, hoje em dia, gostaria muito, sabe Giordano, de aliar a questão do magistério a alguma coisa na área das artes. Eu tenho uma inveja, uma inveja no sentido positivo, inveja daquelas pessoas mais criativas, que se dedicam a uma reformulação do mundo por meio da criação maior do individuo, que é a arte, aquele senso artístico, seja do pintor, seja do escultor, seja do grafiteiro, sabe? Aqui na nossa cidade tem grafiteiros com um senso de estética muito grande. E eu, infelizmente, não tive essa capacidade. Isso me faz falta. Eu gostaria muito de aliar essas duas coisas. Eu penso que eu seria uma professora mais inovadora, mais criativa, mais aberta, mais completa.

Se isso fosse possível. (Risos)

Humberto Maturana fala um pouco sobre isso. Se essa completude fosse possível, seria ótimo.

Professora, muito obrigado. Nós, seus alunos, agradecemos por toda a sua dedicação ao magistério e também pela gentileza de nos receber aqui hoje.

Eu lhes agradeço, agradeço muito, por essa oportunidade que me ofereceram.

10 comentários:

Miro Soares disse...

Ei Giordano!
Parabens pelo Blog. Muito bem organizado e com bom conteudo!
Abraco.

Giordano Bruno Soares Roberto disse...

Miro,

Obrigado. Um abraço,

Giordano.

Oyama disse...

Inspiradora a entrevista! A Profa. Miracy é uma pessoa linda, em todas as dimensões que essa palavra pode assumir.

Prof. Giordano, parabéns e sucesso com o blog!

Giordano Bruno Soares Roberto disse...

Oyama,

Também sou fã da Miracy. Obrigado pela força.

Um abraço,

Giordano.

Anônimo disse...

Fui aluno da profa. Miracy, há 15 anos!
Até hoje, me recordo da seriedade dela, e de sua atuação sempre digna.
A leitura do Blog me inspirou saudades.
Parabéns ao Giordano, seu idealizador, e à nossa sempre querida profa. Miracy.
E um abraço do sempre aluno,
Rodrigo C. Rodrigues

henrique disse...

Parabéns Professor pela iniciativa.

Ninguém discute ensino na Faculdade de Direito, pois acha-se que pedagogia se restringe a treinar professores para o ensino básico.

Espero que o Blog seja acessado e comentado pelos alunos.

E não há escolha melhor que a Miracy para entrevistar.

Henrique Chaves

Giordano Bruno Soares Roberto disse...

Rodrigo e Henrique,

Obrigado pelo incentivo.

Grande abraço,

Giordano.

André disse...

A entrevista com a Professora Miracy foi ótima!

Parabéns pelo blog Giordano!

Giordano Bruno Soares Roberto disse...

André,

Que bom que você gostou!

Um abraço,

Giordano.

Unknown disse...

Imortal professora Miracy que nas palavras de um seu ex-aluno na verdade é mesmo um touro, com todo o respeito. Querida professora e amiga voce é inspiração para pessoas de bem. Tem com sua missão. Eterna e adorável professora... Que Deus lhe conceda muitos anos de vida para que possa continuar com sua nobre missão de formar novas e novos Miracys... Nossa sociedade e nosso Brasil precisa imensamente de novas Miracys. Seu eterno aluno e discípulo Gérson.