segunda-feira, 15 de junho de 2009

ENTREVISTA COM SÉRGIO RESENDE, PRESIDENTE DO TJMG



Sérgio Resende é o atual presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Com a experiência de quem exerceu a Magistratura por mais de quarenta anos e o Magistério Jurídico por mais de trinta, o desembargador, muito gentilmente, nos recebeu em seu gabinete, no dia 28 de abril de 2009, e nos concedeu a seguinte entrevista. A edição final do texto contou com a preciosa colaboração de Santiago Pinto.


1. Como o senhor percebe a qualidade do ensino jurídico brasileiro na atualidade?

Eu percebo com muita apreensão, exatamente em função do seguinte fato: eu sou professor universitário desde 1974. Inclusive, me aposentei como professor, e continuei lecionando depois de aposentado. Lecionei, em Divinópolis, durante doze anos e, em 1986, iniciei na Milton Campos, e lá permaneci e ainda permaneço há vinte e dois anos. Durante, vamos supor, vinte anos, Belo Horizonte possuía as três Faculdades, aquelas tradicionais, a Federal, a PUC e a Milton Campos. Agora, sinceramente, eu não consigo mais detectar quantas Faculdades há, não apenas em Belo Horizonte, mas na grande Belo Horizonte. E, se nós formos analisar no Estado de Minas Gerais, então, nem se fala. E, evidentemente, isso é muito preocupante para a qualidade do ensino jurídico. Como que estas Faculdades novas estão conseguindo professores? O professor de Direito não pode surgir no dia seguinte à formatura. Há uma maturação, há um aprendizado, sobretudo em matérias básicas, os pilares do Direito: Penal, Processual Penal, Civil, Processual Civil, Constitucional. Enfim, é preciso um tempo de maturação, de convivência, de vivência. Fico muito preocupado, portanto, com o ensino jurídico brasileiro, em função exatamente desta irresponsabilidade do Governo Federal de permitir que se instalassem inúmeras Faculdades de Direito sem o menor critério, sem ter os pés no chão, sem ter os pés na realidade do País.

2. E os estudantes têm saído das Faculdades de Direito preparados para exercer a advocacia e a magistratura?

Bom, é aquela história. Como lecionei – eu posso dizer com orgulho até – em uma Faculdade muito boa, que é a Faculdade Milton Campos, preciso falar por ela, e não pelas outras. E não preciso dizer nada da Federal e da PUC, evidentemente. Nos concursos de Juiz, que é a minha área, posso dizer que a participação dessas três Faculdades sempre foi muito relevante. Eu me recordo de um caso específico da Milton Campos que, no penúltimo concurso de Juiz, nos oito primeiros lugares, tinha quatro alunos, inclusive o primeiro lugar. E isso é muito relevante. A Federal também, sempre presente, e a PUC. Estou falando das três, porque são as três antigas. Mas com essa quantidade exagerada de Faculdades é evidente que o nível tende a cair. Não tem como. Parece que o Governo agora está voltando os olhos para essa realidade. É por isso que a OAB institui, com razão e com energia, o exame da Ordem. Porque uma coisa é você querer ser bacharel: está aqui o seu diploma. Outra coisa é você querer ser advogado: então aprenda. Se houvesse um critério lógico, razoável, enérgico, de Faculdades de Direito, não haveria necessidade do exame da Ordem. Ele surgiu exatamente em função de se obrigar aquele que se formou em Direito a ter consciência do que o advogado vai fazer. O bacharel em Direito tem que ter noção de que ser advogado é muito sério. Eu, que estou na magistratura há mais de quarenta anos, posso dizer: quantas causas eu vi alguém perder ou deixar de ganhar, vamos colocar assim, por descuido, desídia, incúria do advogado. Só que o Juiz não pode fazer nada. A função do Juiz não é suprir a deficiência do advogado. Mas você percebe, no curso dos anos, que, muitas vezes, se a pessoa estivesse assistida por advogado que agisse com maior presteza, com maior acuidade, não teria perdido o prazo, teria feito uma defesa mais condizente. Quem é que vai saber disso? Ele não vai falar que foi irresponsável. Mas o Juiz percebe quando certa pessoa está sendo mal defendida e que vai perder por isso ou por aquilo. Portanto, acredito que o advogado tem, sim, muita responsabilidade ao peticionar, ao pegar uma causa para defender. E qual é a responsabilidade maior? Aprender o Direito, para poder defender alguém, ou entrar em juízo em nome de alguém.

3. E se o senhor fosse Ministro da Educação, e tivesse ampla liberdade de ação, que medidas implementaria para melhorar a qualidade de ensino no Brasil?

Não tenho a mínima idéia. Eu só te digo uma coisa: eu não faria o que os outros fizeram. Já é alguma coisa.

É uma excelente proposta, um plano de Governo muito bem feito...

4. Em sua opinião, é adequado o diálogo que atualmente se dá entre o Direito pensado nas Academias e o Direito aplicado nos Tribunais?

Você fala do divórcio que há entre as duas posições?

Isso. A falta de diálogo. O senhor sente que há falta de diálogo ou que o diálogo é bom?

O diálogo, como?

O senhor nota se há comunicação entre o Direito que está sendo estudado nas Academias e o Direito que está sendo aplicado pelos juízes?

Eu não sei dizer. Sinceramente, não sei dizer... Você fala daquilo que se leciona, e que se passa para o aluno, ou daquilo que acontece no dia-a-dia?

Isso. A doutrina tem estudado o que a jurisprudência produz? E a jurisprudência tem estudado o que a doutrina produz? Ou cada uma delas tem se autoalimentado?

Acho que a doutrina é mais estática. A jurisprudência faz o direito viver no dia-a-dia. O grande problema no Brasil, é que, se há um dispositivo de lei, a jurisprudência interpreta suas várias facetas, até definir uma que seja certa, até encontrar uma tendência. Depois que se solidifica um entendimento jurisprudencial a respeito de determinada norma jurídica, o País vem e modifica a norma. Então fica perdido, todo aquele esforço e que demorou anos para se solidificar. Reinicia-se, toda a discussão, em torno, às vezes, de uma mudança não muito grande, mas que dá ensejo a várias interpretações. Não há estabilização no nosso Direito. A quantidade de leis, de reformas legislativas, faz com que nós sejamos um País sem jurisprudência. Você não tem uma jurisprudência solidificada. Não dá tempo de ela se solidificar, que já vem uma modificação legislativa. É muito complicado. No Brasil, nós temos medo de fazer certas afirmações sobre lei ou sobre a jurisprudência. Ficamos pensando: será que não houve uma modificação? Acontece com a própria Constituição. Fico triste quando vejo alguém falar assim: “a atual Constituição”. Um País que usa a expressão “a atual Constituição” torna-se complicado. Você vai nos países tradicionais e eles não falam “atual Constituição”. E sim, a Constituição. Atual? O que quer dizer? É uma situação estranha você dizer “atual Constituição”. No Brasil, a Constituição é modificada como se mudam as leis ordinárias. Fico muito preocupado com o Congresso Constituinte. Outro dia estava dizendo que os deputados, que são cassados, que estão sendo objeto de processos, não são apenas deputados. A minha preocupação é que eles são constituintes. Isso é muito mais sério. Entendeu? É muito mais sério. Nós não pensamos que ele é constituinte, que ele pode modificar nossa Lei Maior. Está sendo processado. Não é meramente deputado, ele é constituinte. Acredito que chegou a hora do País parar, e se for o caso criar uma Assembléia Constituinte, com mandatos temporários. Não podemos continuar dessa forma, porque o Presidente da República, por exemplo, muda a Constituição, pois tem maioria. O que ele quiser, consegue. Tem a caneta. Consegue a maioria. O Presidente muda a Constituição ao seu bel prazer. O Fernando Henrique Cardoso não quis ser reeleito? Criou a reeleição. E para não falar que foi para ele, estendeu para todos os mandatos executivos. Não teve a mínima noção do que criou nos Tribunais. Se o Lula quiser um terceiro mandato, consegue. Essas são as censuras que a gente faz...

Dr. Sérgio, nós agradecemos a gentileza de nos ter recebido aqui e esperamos ter ocasião de voltar a conversar sobre esses assuntos com o senhor.

Nós temos que discutir. O País não pode ficar omisso. Vocês, que são mais novos, que são estudantes, têm que reagir. Nós todos temos que nos rebelar contra esse estado de coisas. Nós não podemos deixar um País da grandeza do Brasil, um País como o nosso, sendo levado por meia dúzia de pessoas. Nós temos quinhentos e tantos deputados, mas quais os que estão sempre na mídia? O que é esse tal “acordo de liderança”? Quem vota são os mesmos de sempre. Tem quinhentos e tantos, mas você não tira cinquenta que opinam? Isso é um absurdo. Isso não é representatividade. Quantos efetivamente têm voz lá dentro?

Dr. Sérgio, aproveitando, então, esse nosso assunto, o senhor acha que há esperança para os jovens estudantes de Direito? Há possibilidade de promover alguma alteração nessas instituições tão viciadas?

Eu acho que sim. Sabe aquele filme... Benjamin... como se chama, mesmo? Aquele em que o sujeito nasce velho... e vai morrendo...

O Curioso Caso de Benjamin Button.

Aquilo não pode. Nós não podemos matar a ilusão. É preciso que o jovem tenha sempre ilusão, porque se ele sonha com alguma coisa, ainda que pequena, vai conseguir. As pessoas mais velhas, já tarimbadas, estão muito tristes com a vida, desiludidas. Então, é preciso sonhar. Os sonhos não podem morrer, não é? É preciso que o sonho sempre exista. Navegar é preciso, sonhar idem. Eu acho que vocês têm que continuar sonhando, estudando, acreditando.

Dr. Sérgio, muito obrigado pela gentileza da entrevista.

Disponha.

Um comentário:

Mateus disse...
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