segunda-feira, 8 de junho de 2009

ENTREVISTA COM JOÃO BAPTISTA VILLELA



SEGUNDA PARTE

“O ensino brasileiro vai de mal a pior.
Nunca o vi tão decadente em toda a minha vida”.


1. Como o senhor percebe a qualidade do ensino jurídico brasileiro na atualidade?

Muito mal. O ensino brasileiro vai de mal a pior. Nunca o vi tão decadente em toda a minha vida. Eu tenho aí algo como quase 50 anos de magistério jurídico, acho que o ensino jurídico no Brasil vai muito mal, a grande maioria dos professores não sabem, não preparam, não têm amor ao magistério e, mutatis mutandis, pode-se dizer o mesmo dos alunos. Os alunos são, em grande maioria, despreparados e não dão à atividade discente o que ela cobra. Ninguém aprende por osmose, ninguém aprende sem um pesado investimento de esforço, e eu não vejo esforço por parte dos discentes – estou falando em termos gerais – não vejo esforço por parte dos docentes e não vejo interesse da sociedade. A nossa sociedade hoje se move por valores marcados por tudo, menos pela cultura. É uma sociedade preordenada ao obscurantismo.

2. Se o senhor fosse ministro da educação, e tivesse ampla liberdade de atuação, que medidas implementaria para melhorar a qualidade do ensino jurídico no Brasil?

Reduziria a um décimo, pelo menos a um décimo, o número de estabelecimentos de ensino existentes no Brasil. Significa que eu cortaria 90 %. Mandaria fechar. E se eu não fosse ministro do Brasil, mas de Cuba, mandaria essas pessoas que estão lá plantar cana. Seria muito mais produtivo para a sociedade. Investiria pesado nas que remanescessem, melhorando as instalações, as condições de uso, melhorando as bibliotecas, melhorando a remuneração e concedendo bolsas para os alunos que não pudessem pagar. Em nenhuma hipótese eu dispensaria o talento e o esforço dos alunos. A Universidade é um segmento para os bem dotados. Ninguém precisa ter um curso universitário para ser feliz, para ter o essencial da vida. É preciso também acabar com essa ilusão de que não há caminho para o bem estar que não passe pela Universidade. Há, perfeitamente, e todos têm direto ao bem estar, todos têm direito à felicidade. Agora, a Universidade é uma instância de serviço e, como os recursos em qualquer caso são limitados, para esse serviço devem ir as pessoas que estão em melhores condições de o prestar ou retornar os investimentos à sociedade.

3. Se o senhor pudesse salvar apenas três livros de sua biblioteca, quais seriam?

Você sabe uma pergunta semelhante que fizeram ao Chesterton?

Não.

Perguntaram, se ele fosse ter que viver em uma ilha, completamente isolada, qual é o livro que ele levaria?

Imagino.

Qual é?

A Bíblia.

Não...

Chesterton, o teólogo britânico!?!

Pois é. Não. O manual do construtor de barcos.

(Risos)

É difícil. Essa pergunta é muito difícil. Não é limitada ao universo jurídico, não? Livros em geral?

A gente poderia dividi-la: três livros extrajurídicos e depois três jurídicos.

Eu levaria, para ser mais preciso, eu levaria comigo os Evangelhos. Se eu tivesse que, digamos, ter um número de páginas limitado, eu sacrificaria parte da Bíblia, e ficaria com os Evangelhos, para ter espaço para levar alguma outra coisa. Levaria não mais do que uma página que contivesse um soneto de um místico espanhol do século XV ou XVI que se chama “A Cristo Crucificado”. É apenas um soneto. Então, eu também, digamos, sacrificaria o mais do livro para levar esse soneto. E como terceira obra, o que eu levaria, meu Deus do céu!? Como terceira obra.... difícil essa pergunta.... Bem, eu tenho que responder, então, eu vou incluir como terceira justamente a “Oração aos Moços”.

Gostaria de mencionar agora três obras jurídicas que o senhor salvaria?

Ah.... sim. Vamos lá: a “Nueva Filosofía de la Interpretación del Derecho”, do Recaséns Siches, “Direito e Coerção”, do Mata Machado, e as “Pandectas”, de Pothier.

4. Qual foi a maior alegria que o senhor experimentou no exercício do magistério?

É muito difícil. Eu experimentei muitas e fortes alegrias no exercício do magistério. Seria difícil eu apontar aqui exatamente qual foi a maior. Mas eu responderia à sua pergunta evocando uma alegria recente que eu tive. Eu estava nos corredores da Faculdade de Direito da USP, tinha estado lá para alguma atividade. Conversava com uma pessoa lá dentro quando percebi que uma terceira pessoa, que eu não conhecia, aguardava para falar comigo. Terminada a conversa com meu interlocutor imediato, essa pessoa se aproximou, se apresentou, disse o seu nome e que era de uma determinada cidade aqui do interior de Minas, e que tinha se apresentado vários anos antes aqui ao exame da Pós-Graduação, para entrar no Mestrado, creio, e foi examinado por mim. E que eu o reprovei, mas que ele me pediu alguns conselhos sobre o que poderia fazer para se preparar convenientemente. Eu não me lembrava, mas ele disse que eu passei alguns conselhos, que ele os seguiu e obtivera sucesso. Estava agora a caminho de terminar a sua Pós-Graduação em São Paulo e dizia que jamais havia esquecido das minhas sugestões. Que ficou feliz em ter aquela oportunidade de agradecer.

5. E alguma tristeza, professor?

Tristezas também tive, colecionei algumas tristezas que, em geral, se reconduzem àquele sentimento de frustração do professor que se vê magoado, ou que se vê agredido precisamente pelo que ele faz de bom, de bem. Por exemplo, a revolta dos alunos com respeito a nota sempre me causou mal-estar. Eu passei por situações muito agudas nesse particular. Não é o aluno que me dissesse “olha eu não gostei da sua aula, o senhor não explicou bem, o senhor parece que não preparou bem a matéria ou não a soube explicar” Não. É aluno que se julgou gênio e cujo amor próprio não tolera qualquer restrição. Uma nota que não lhe agrada é como se fosse uma ofensa à sua honra. Ora, sem humildade, ninguém se aplica ao estudo. Sem tolerância para admitir as limitações, não há diálogo na Universidade.
Então, as tristezas que eu tive são mais a expressão, assim, de frustrações, por ver-me desestimado, agredido, precisamente quando eu fazia o melhor, o melhor para o aluno, queria levá-lo ao crescimento, à superação de si mesmo.

6. Professor, se o senhor tivesse que começar tudo outra vez, escolheria novamente o magistério?

Ah, sem dúvida nenhuma! Essa aí é a pergunta que menos me deu dificuldade para responder. Claro, começaria. Eu me sinto muito feliz de ter optado pelo magistério e fico, às vezes, na quadra em que eu estou na vida, avaliando o passado – o Norberto Bobbio é quem diz isso, que na idade senil a vida é muito feita de memória do que fizemos, do que fomos. E quando eu me pergunto se eu escolhi o caminho certo, dou graças a Deus por ter me concedido essa benção de ter escolhido o magistério. Penso que nada me realizaria tanto quanto o magistério.

E nós, seus alunos, também agradecemos, professor. Obrigado. E obrigado pelo carinho de nos ter recebido.

Por nada.

Um comentário:

Fernanda disse...

São bem interessantes essas entrevistas, professor

O soneto que o prof. Villela mencionou é mesmo belíssimo, vejam:



A CRISTO CRUCIFICADO

No me mueve, mi Dios, para quererte
el cielo que me tienes prometido;
ni me mueve el infierno tan temido
para dejar por eso de ofenderte.

Tú me mueves, señor; muéveme el verte
clavado en una cruz y escarnecido;
muéveme ver tu cuerpo tan herido;
muévenme tus afrentas y tu muerte.
Muéveme, en fin, tu amor, y en tal manera
que aunque no hubiera cielo, yo te amara,
y aunque no hubiera infierno, te temiera.

No tienes que me dar porque te quiera,
pues aunque cuanto espero no esperara,
lo mismo que te quiero te quisiera