quarta-feira, 3 de junho de 2009
POTHIER VISITA O RECIFE
Antonio Drummond foi professor de Direito Civil na Academia Jurídica do Recife. A história que passaremos a transcrever, registrada por Esmeraldino Bandeira, aconteceu na década de 1870. Sua leitura, além de algum divertimento, pode servir para lembrar, aos professores, o quanto é antiga a presença de alunos descomprometidos em sala de aula e, a todos, o quanto é perigoso possuir boa-fé em demasia.
“Teve Antonio Drummond como discípulo o seu sobrinho Gaspar de Drummond, de todos vós certamente conhecido pelo grande talento que lhe iluminou o espírito.
Não era o Gaspar afeiçoado aos livros e certa vez verificou o talentoso Pai, portador de nome igual, que ainda se conservavam coladas as folhas dos livros que no começo do ano comprara para o filho.
Alarmado com essa prova flagrante de tão grande vadiação recorreu ao irmão professor – Antônio de Drummond, pedindo que chamasse a contas o sobrinho, narrando-lhe a perturbadora descoberta que fizera das páginas ainda coladas.
Não se demorou em atender ao irmão o professor e logo na primeira sabatina chamou à lição o sobrinho Gaspar.
Caiu-lhe então por sorte um ponto de Direito Civil, muito difícil, porque para o Gaspar todos os pontos eram assim difíceis por não saber nenhum.
Exponha o ponto, ordenou o professor.
Dispondo de palavra fácil e imaginosa, não se fez de rogado o talentoso Gaspar, empenhando-se desde logo num improviso em que sobravam palavras bonitas e faltavam em absoluto noções sobre a matéria.
Já se impacientava na cadeira o professor, quando a uma afirmação desabaladamente bárbara do sobrinho, não teve mão em si e o interrompeu, inquirindo: Com quem aprendeu isso o Sr. estudante?
– Com Pothier, respondeu de pronto.
– Com Pothier? Não é possível, impugnou o professor.
– Com Pothier, permita a ilustrada Cadeira, que, com o devido acatamento eu o reafirme, retrucou Gaspar.
– Não é possível, Senhor: Pothier jamais escreveria uma barbaridade como essa que o sr. lhe atribui.
Estava ganha a partida. Achara Gaspar de Drummond um assunto fecundo para o improviso a que fora arrastado.
Cheio de vênias e méllurias, insistiu no despropósito, cumulando-o ainda de outras de igual porte na respectiva fundamentação, pois que – 'abyssus abyssum invocat'.
E lá vai senão quando faz nova imputação caluniosa a Pothier.
Não se pôde mais conter o professor e mandando que o orador parasse por um momento, ordenou ao bedel que fosse buscar na Biblioteca da Faculdade as obras completas de Pothier.
A essa ordem, contrapôs sentencioso Gaspar de Drummond; – eu logo vi; estamos equivocados.
– Estamos equivocados, como? Interjecionou enraivecido o professor; equivocado está o senhor.
– Permita-me ... Vou explicar o nosso equívoco...
– Sim, o nosso equívoco, reiterou Gaspar, pois ao passo que supõe a ilustre Cadeira que eu me refiro ao notável civilista Pothier, autor de obras de grande tomo; eu me refiro ao meu colega e amigo Pothier – ao Francisco Pothier Rodrigues Lima que agora mesmo está presente e aqui sentado ao pé de mim.
A maior hilaridade pôs termo à discussão e com os moços não se sabe se riu ou não o professor.
O que se sabe é que no fim do ano não saiu reprovado o improvisador imaginoso e eloqüente”.
(BANDEIRA, Esmeraldino. Uma Palestra Sobre Reminiscências da Faculdade de Direito do Recife. Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, Recife, ano XXXIII, 1925, p. 396-398).
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