quinta-feira, 11 de agosto de 2016

O Professor Universitário e a Administração Acadêmica

Dedico esse pequeno texto à 
Maria Fernanda Salcedo Repolês, 
amiga querida, companheira de tantos desafios, 
com quem sempre aprendo coisas novas.


Minha experiência na administração acadêmica não é muito ampla. Mesmo assim, quero correr o risco de compartilhar umas ideias com aqueles que desejam se aventurar por esse terreno sinuoso. Tenho em mente o jovem professor que vai assumir um cargo administrativo pela primeira vez. E, desde logo, peço licença para ilustrar os princípios com experiências pessoais. 

Então, vamos lá. 

Acredito que o professor terá sucesso na administração acadêmica se souber observar, entre outras, as seguintes diretrizes.

1. Tenha um plano

Nada mais óbvio. O gestor que não tem um plano ficará todo o tempo apenas apagando incêndios. Nesse caso, sua especialidade acabará sendo a administração do caos. Além disso, sem saber aonde deseja ir, nem ele nem qualquer outra pessoa poderão avaliar se a gestão foi um sucesso ou um completo desastre.

Em 2011, quando eu e a professora Maria Fernanda Salcedo Repolês nos candidatamos à coordenação do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMG, apresentamos um projeto à Comunidade Acadêmica. Nele, registramos que o nosso principal objetivo era “o de contribuir para a progressiva melhoria da qualidade do Programa de Pós-Graduação” e, de modo mais específico, pensando na avaliação da CAPES, elaborar e executar um planejamento que nos permitisse “realizar as modificações necessárias para que, na avaliação de 2013, possamos obter o reconhecimento de que estamos no caminho certo e, na avaliação de 2016, possamos obter a nota 6”. Na ocasião, também indicamos que seria necessário ter “serenidade para dialogar, inteligência para planejar e coragem para executar”.

Nos dois anos de trabalho, o caminho foi bastante árduo e cheio de surpresas. Mas o plano serviu para nos guiar o tempo todo.

2. Recolha informações em várias fontes

Antes de tomar qualquer decisão, o administrador precisa formar um quadro bastante amplo. Para isso, não deve se contentar com os conhecimentos já adquiridos ou com os interlocutores habituais. Deve procurar cada pessoa que entende do tema em pauta e analisar todos os dados que puder obter.

Tão logo assimimos a coordenação do Programa de Pós-Graduação, procuramos recolher informações em várias fontes. Em primeiro lugar, cuidamos de estudar o Plano Nacional de Pós-Graduação, os documentos da área do Direito na CAPES e toda a legislação que regulamenta o assunto. Em seguida, tivemos encontros com ex-coordenadores do nosso Programa de Pós-Graduação, dirigentes do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, representantes da área do Direito na CAPES e integrantes da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da UFMG. Em cada reunião, levantamos dados preciosos.

3. Fique sempre pronto para ouvir

A abertura para ouvir críticas e sugestões não deve ficar restrita aos momentos especialmente destinados a esse fim. O gestor deve estar sempre pronto a escutar. Quando tiver oportunidade, deve convidar colegas e estudantes para tomar um cafezinho e bater um papo. Se puder, deve deixar o gabinete de trabalho com as portas abertas.

Em 2012, a coordenação do Programa de Pós-Graduação em Direito cogitou a hipótese de suspender o processo seletivo. O número de servidores da Secretaria mal dava para atender a demanda de rotina. Não víamos possibilidade de elaborar um edital, atender duas ou três centenas de candidatos e organizar dezenas de bancas examinadoras. Nesse momento, uma servidora técnico-administrativa, conhecedora profunda da história recente da Faculdade, fez uma visita ao meu gabinete e me disse, com toda franqueza, que considerava um absurdo levar a ideia adiante. Com quase nenhuma delicadeza, ela me lembrou que eu mesmo já havia criticado a gestão anterior por esse motivo. Tentei explicar que não havia condições operacionais, mas ela simplesmente disse que essa desculpa era velha demais. Minha primeira reação foi rejeitar a crítica. Mas, depois, conversando com a Maria Fernanda e com os colegas da Secretaria, resolvemos publicar o edital. Para superar a dificuldade de  atender os candidatos, decidimos receber inscrições somente pelo correio. Para dar conta de tantas outras tarefas, resolvemos propor ao Colegiado a nomeação de uma comissão organizadora e contar com a colaboração de alunos voluntários em todas as fases do concurso. E, no final, tudo deu certo.

4. Estabeleça prioridades

Mesmo com um bom plano, o administrador deve ter sempre em vista a necessidade de estabelecer prioridades. Com muita frequência, não será possível executar todas as tarefas. Então, é preciso saber escolher o que deve ser feito primeiro, o que deve ser feito depois e o que simplesmente não deve ser feito.

Impossibilitados de dar conta de tantas obrigações, eu e a Maria Fernanda decidimos dar preferência para aquelas que tivessem impacto coletivo em detrimento de outras que, mesmo importantes, tivessem repercussão individual. Assim, pedimos e obtivemos autorização da Pro-Reitoria de Pós-Graduação para suspender, por um ano, a tramitação dos pedidos de reconhecimento de títulos obtidos no exterior. Nesse período, dirigimos nossos melhores esforços para reorganizar o corpo docente, aprovar um novo regulamento e criar regras claras para credenciamento e recredenciamento.

5. Equilibre rotina administrativa e ação estratégica

Com prioridades bem estabelecidas, o tempo de trabalho deve ser equilibrado entre a rotina do setor e as ações estratégicas. Se o administrador não tiver cuidado, os requerimentos e as providências do cotidiano podem sufocá-lo, impedindo que ele dê andamento aos projetos que podem provocar as mudanças necessárias. 

6. Aproveite o valor simbólico dos pequenos gestos

Para conduzir as mudanças necessárias, elaborar bons discursos pode não ser o bastante. Um gesto bem escolhido e bem realizado pode ser infinitamente mais eficaz.

Quando assumimos a coordenação do Programa de Pós-Graduação em Direito, ficamos bastante incomodados com o clima pouco amistoso do relacionamento entre a Comunidade Acadêmica e os nossos servidores técnico-administrativos. Com boa dose de intuição, alteramos o modo de acesso ao local de atendimento. Antes, a porta ficava trancada e os interessados precisavam tocar a campainha e aguardar. Decidimos deixar a porta aberta. Além disso, afixamos um cartaz de boas-vindas. Em pouco tempo, notamos que o clima estava mais leve. Muitas causas devem ter concorrido para isso. Mas acredito que uma delas foi aquele pequeno gesto.

7. Trabalhe em equipe

Tendo recolhido as informações de que precisa e estando bastante consciente dos desafios que deve enfrentar, o administrador corre o risco de acreditar que pode promover as mudanças necessárias sem a ajuda de outras pessoas. Tolice. Se ele realmente deseja fazer algo de valor, não deve confiar exageradamente em sua capacidade de trabalho. Precisa montar equipes. Precisa identificar possíveis colaboradores. Precisa mobilizar as pessoas. 

8. Compartilhe informações e desafios

A primeira tarefa de quem deseja trabalhar em equipe é compartilhar, do modo mais amplo, as informações e os desafios. Assim, todos saberão o que precisa ser feito e cada um poderá identificar os modos de colaborar.

Durante nosso período na coordenação do Programa de Pós-Graduação em Direito, realizamos muitos encontros e palestras com o objetivo de compartilhar informações sobre o Sistema Nacional de Pós-Graduação. Desse modo, cada membro da Comunidade Acadêmica tinha condições de saber o que se esperava de sua atuação e de que modo poderia contribuir com maior eficácia.

9. Aproveite a energia dos estudantes

Na universidade, o administrador inteligente deve aproveitar a energia dos estudantes. Se os objetivos são valiosos e estão claramente indicados, não há razão para assumir posturas defensivas ou francamente hostis. Os estudantes, em geral, optam pelo lado certo. Podem exagerar no formato ou na ênfase, mas raramente se equivocam no conteúdo das críticas e das sugestões.

10. Respeite a sabedoria dos órgãos colegiados

Nas universidades públicas, a competência para a prática dos atos mais importantes é dos órgãos colegiados. O administrador não precisa deixar de apresentar suas propostas e defendê-las com os melhores argumentos, mas deve se render à sabedoria das decisões coletivas. 

Um dos momentos mais dramáticos da nossa experiência na coordenação do Programa de Pós-Graduação aconteceu por ocasião da escolha da universidade com a qual faríamos um programa interinstitucional de doutorado. Tínhamos convite de oito instituições. Quando o Colegiado decidiu privilegiar o diálogo com instituições públicas, restaram quatro possibilidades. Do ponto de vista da coordenação e com a ciência da gravidade de nossas atribuições, eu e a Maria Fernanda pensávamos que o certo seria escolher a instituição que apresentasse as melhores condições de trabalho. O Colegiado, ao contrário, decidiu que a prioridade deveria ser atender a instituição que tivesse a maior necessidade de firmar a parceria. Na opinião da maioria dos nossos colegas, se o objetivo do projeto era diminuir a assimetria, tínhamos que procurar o parceiro em relação ao qual a assimetria fosse maior. E assim ficou decidido que trabalharíamos em conjunto com a Universidade Federal do Amapá. Vencidos no debate e com certo temor pelo tamanho do desafio, cuidamos de executar, do melhor modo, a decisão do Colegiado.

11. Equilibre momentos de debate e momentos de decisão

Tão grave quando tentar decidir uma questão que não foi suficientemente debatida é continuar debatendo uma questão que já está pronta para ser votada. Decisões prematuras podem originar revolta e indignação ou podem simplesmente não ter eficácia. Debates infinitos, no entanto, geram desânimo e desmobilização.

12. Tire o time de campo

Depois de dar a sua contribuição, tire o time de campo. Não tente interferir na gestão do seu sucessor. Se for convidado, colabore. Mas não tome a iniciativa.

Um comentário:

Maria Fernanda disse...

Caro Giordano, gostei muito de seu post. E acrescentaria a ele um item: escolha bem o seu parceiro de trabalho. Para mim, foi um prazer estar ao seu lado nessa caminhada difícil, na qual a melhor parte foi ter estreitado os laços de amizade. Abraços.