Uma lista de recomendações literárias é praticamente inútil para leitores maduros, que já descobriram suas preferências de gênero e estilo. E também não é necessária para quem está rodeado de bons leitores e, portanto, pode receber orientação de modo pessoal e afetuoso. É por isso que pensei numa que pudesse servir de guia inicial para os que desejam adquirir ou desenvolver o hábito da leitura, e não sabem com quem discutir o assunto.
Antes de começar, tenho três esclarecimentos sobre como pretendo realizar a tarefa.
Primeiramente, devo dizer que só escolhi livros que tocaram o meu coração, que me fizeram refletir e que ainda me sinto bem só de pensar neles. Não incluí os de poesia, mas fica logo dito que meus poetas favoritos são Fernando Pessoa, Adélia Prado, Carlos Drummond de Andrade e Manuel de Barros. Em relação a eles, não me parece adequado recomendar um livro específico, pois todos podem ser lidos com prazer. As antologias, organizadas pelos próprios poetas ou por especialistas, podem ser úteis para um primeiro contato. E no que se refere a livros publicados em outros idiomas, sugiro cuidado com as traduções, quando houver mais de uma alternativa. Algumas são feitas em linguagem excessivamente complicada. Para os livros de Shakespeare, por exemplo, recomendo as de Millôr Fernandes, pela leveza com que foram feitas. E para o Dom Quixote, a de Eugênio Amado, pelo mesmo motivo.
Em segundo lugar, esclareço que a ordem de apresentação dos textos não tem a ver com o tanto que gosto deles ou com o valor literário que imagino que possuem, mas com o grau de dificuldade que a leitura sugere. Para que ninguém fique desanimado, vou começar com livros pequenos, escritos em linguagem clara, deixando para o final os que costumam exigir maior esforço dos leitores. Pode parecer estranho, mas algumas das primeiras indicações são facilmente classificadas como literatura infantil. É que nesse caso, como em tantos outros, estou de acordo com C.S. Lewis, para quem “uma história para crianças de que só as crianças gostam é uma história ruim”.
Finalmente, uma vez que não sou crítico literário, fui constrangido a adotar uma forma diferente de apresentar os livros. Não falarei de seus autores e das escolas a que pertencem. Nem mesmo tentarei oferecer algo como um resumo das obras. Vou apenas transcrever as palavras inicias de cada uma ou, no caso das de teatro, um trecho de alguma fala mais interessante. Assim, espero que os próprios autores tenham a chance de conquistar seus novos leitores.
Agora, pois, ao trabalho!
1. Campo Geral, de Guimarães Rosa:
Um certo Miguilim morava com sua mãe, seu pai e seus irmãos, longe, longe daqui, muito depois da Vereda-do-Frango-D`Água e de outras veredas sem nome ou pouco conhecidas, em ponto remoto, no Mutúm. No meio dos Campos Gerais, mas num covoão em trecho de matas, terra preta, pé de serra. Miguilim tinha oito anos.
2. Hamlet, de William Shakespeare:
HAMLET: Ser ou não ser - eis a questão.Será mais nobre sofrer na almaPedradas e flechadas do destino ferozOu pegar em armas contra o mar de angústias -E, combatendo-o, dar-lhe fim?
3. O Rei Lear, de William Shakespeare:
LEAR: Enquanto isso revelaremos nossas intenções mais reservadas. Dêem-me esse mapa aí. Saibam que dividimos em três o nosso reino. É nossa firme decisão diminuir o peso dos anos, livrando-nos de todos os encargos, negócios e tarefas, confiando-os a forças mais jovens, enquanto nós, liberados do fardo, caminharemos mais leves em direção à morte.
4. O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, de C.S. Lewis:
Era uma vez duas meninas e dois meninos: Susana, Lúcia, Pedro e Edmundo. Esta história nos conta algo que lhes aconteceu durante a guerra, quando tiveram de sair de Londres, por causa dos ataques aéreos. Foram os quatro levados para a cada de um velho professor, em pleno campo, a quinze quilômetros de distância da estrada de ferro e a mais três quilômetros da agência de correios mais próxima.
5. O Hobbit, de J.R.R Tolkien:
Numa toca no chão vivia um hobbit. Não uma toca desagradável, suja e úmida, cheia de restos de minhoca e com cheiro de lodo; tampouco um toca seca, vazia e arenosa, sem nada em que sentar ou o que comer: era a toca de um hobbit, e isso quer dizer conforto.
6. Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis:
Algum tempo hesitei se devia abrir essas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo.
7. Diário de Um Pároco de Aldeia, de George Bernanos:
Minha paróquia é uma paróquia como as outras. Todas as paróquias se parecem. As paróquias de hoje, naturalmente. Ontem, eu dizia ao vigário de Norenfontes: o bem e o mal devem equilibrar-se numa paróquia, só que o centro de gravidade é colocado em baixo, muito embaixo. Ou, se se prefere, um e outro se sobrepõem, sem misturarem-se, como dois líquidos de densidade diferente. O padre riu em minha cara.
8. O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes:
Num lugar da Mancha, cujo nome não quero lembrar, vivia, não faz muito tempo, um fidalgo, desses de lança guardada em cabide, adarga antiga, rocim fluxo e galgo corredor.
9. O Homem que Era Quinta-Feira, de G.K.Chesterton:
O arrabalde de Saffron Park, rubro e esfarrapado como uma nuvem ao pôr do Sol, ficava a poente de Londres. Todo de tijolo vermelho, construído sem plano, tinha um perfil fantástico. Fora o grande rasgo de um construtor especulativo, besuntado de arte, que atribuía às suas construções, umas vezes, o estilo “isabelino”, outras vezes o do tempo da rainha Ana, parecendo confundir as duas soberanas.
10. Os Maias, de Eça de Queiroz:
A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875, era conhecida na vizinha da R. de São Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela Casa do Ramalhete, ou simplesmente o Ramalhete. Apesar deste fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casarão de paredes severas, com um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro andar, e por cima uma tímida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado, tinha o aspecto tristonho de residência eclesiástica que competia a uma edificação do reinado da senhora D. Maria I: com uma sineta e com uma cruz no topo, assemelhar-se-ia a um colégio de Jesuítas.
11. Crime e Castigo, de Dostoiewski:
Numa tarde tórrida de princípio de Julho saiu um jovem do quarto mobilado que ocupava num enorme prédio de cinco andares situado na viela S. e dirigiu-se lentamente, e com ar indeciso, para a ponte K.
12. Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa:
- Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha em minha mocidade.
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