Quem foi obrigado a ler Machado de Assis na escola talvez nunca possa gostar de Machado de Assis. Se for esse o seu caso, deixe-me propor uma experiência. Num dia tranquilo, sem a pressão de compromissos urgentes, tome uma edição de O Alienista, que é uma das histórias mais divertidas que já li. Se não tiver o livro, que é sempre o melhor, utilize a versão disponível no Domínio Público, sítio eletrônico do Governo Federal (www.dominiopublico.gov.br). O livrinho tem menos de 40 páginas e pode ser lido em uma ou duas horas. O ideal é fazê-lo olhando o mar, sentado à sombra, tomando água de coco. Ou na montanha, de frente para a lareira, bebendo uma xícara de café. Mas também costuma funcionar em casa, na biblioteca ou na praça. O importante é ler. Mas faça isso devagar, aprecie, sinta o gosto de cada palavra, tal como se faz com um último pedaço de sobremesa.
Para uma pequena amostra, veja como o nosso autor começa o texto:
As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas. Estudara em Coimbra e Pádua. Aos trinta e quatro anos regressou ao Brasil, não podendo el-rei alcançar dele que ficasse em Coimbra, regendo a universidade, ou em Lisboa, expedindo os negócios da monarquia.
— A ciência, disse ele a Sua Majestade, é o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo.
Bom, depois de fazer a experiência, não deixe de me dizer o que achou das aventuras e desventuras do Dr. Bacamarte e, principalmente, de ter lido o Machado sem tê-lo pendente sobre o pescoço.
Para melhorar a expressão em língua portuguesa, não consigo pensar em nada diferente de ler os clássicos. Certamente que têm seu lugar o estudo rigoroso da gramática, o hábito de escrever com frequência, o auxílio de profissionais especializados e mesmo a colaboração de amigos e colegas. Mas nada substitui a leitura de bons autores.
No prólogo de Como e Por Que Ler, Harold Bloom disse o seguinte:
Lemos, intensamente, por várias razões, a maioria das quais conhecidas: porque, na vida real, não temos condições de “conhecer” tantas pessoas, com tanta intimidade; porque precisamos nos conhecer melhor; porque necessitamos de conhecimento, não apenas de terceiros e de nós mesmos, mas das coisas da vida. Contudo, o motivo mais marcante, mais autêntico, que nos leva a ler, com seriedade, o cânone tradicional (hoje em dia tão desrespeitado), é a busca de um sofrido prazer.
Para o crítico literário estadunidense, esse “sofrido prazer”, articula-se de certo modo com o Sublime e encerra uma possibilidade de “transcendência secular”.
Em Cristianismo Puro e Simples, C.S. Lewis dirá que essa fome de beleza, que pode ser despertada pela arte, na verdade, não pode ser satisfeita por ela, mas tem a possibilidade de nos remeter à fonte de toda a Beleza.
Assim, pois, podemos ler para conhecer a nós mesmos, aos outros e ao mundo, para experimentar alguma forma de satisfação interior e, também, para despertar a sede por algo que seja maior que a realidade imanente. Agora, no entanto, sugiro apenas que a leitura, sobretudo dos clássicos, é a melhor forma de promover as habilidades de expressão escrita e oral.
Talvez fosse bom oferecer uma lista de sugestões. Mas isso fica para o próximo texto.
Um comentário:
Professor,
Fui um desses que, na escola, leu Machado de Assis sem o mínimo de maturidade intelectual para considerá-lo outra coisa que não um chato.
Bem mais tarde, passei a delirar com o Bruxo, especialmente motivado por indicações de outro professor de direito, o Lenio Streck, que o cita com certa frequência.
Se há quem ainda o acha um chato e jamais encararia um livro inteiro dele, mesmo que com menos de 40 páginas, aconselho os contos "Idéias do Canário" (http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua000206.pdf), "A Sereníssima República" (http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000239.pdf) e "Teoria do Medalhão" (http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000232.pdf).
E, para finalizar o comentário, cito duas frases atribuídas da Dilson de Oliveira Nunes: "Há duas maneira de abrir a cabeça de uma pessoa: ler um bom livro ou usar um machado. Recomendo o de Assis."
Abraços,
Henrique.
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