No último texto, prometi ajudar na árdua tarefa de descobrir pistas sobre vocação. Mas acabei percebendo que ainda não é a hora de fazer isso. Antes, precisamos conversar sobre alguns pontos. E o primeiro tem a ver com as dimensões do nosso campo de investigação. Dito de outro modo, será necessário um esforço conjunto para descobrir qual é, afinal, o tamanho do mundo em que habitamos. A boa notícia é que parece possível resumir todas as alternativas em apenas duas respostas básicas, o que significa que cada um de nós estará inevitavelmente em um desses campos, e apenas em um. Mas a notícia ruim é que os habitantes desses dois territórios não são muito acostumados a dialogar.
Sem nenhuma intenção polêmica, C. S. Lewis começa o seu belíssimo “Milagres” com a seguinte distinção: “Alguns acreditam que não existe nada além da Natureza. Chamo essas pessoas Naturalistas. Outros julgam que além da Natureza existe algo mais. Denomino-os Sobrenaturalistas”.
Um pouco mais adiante, com a clareza habitual, o autor de “As Crônicas de Nárnia” tem o cuidado de oferecer as seguintes explicações adicionais:
O Naturalista acredita que um grande processo de “formação” existe “por conta própria” no espaço e no tempo e que não existe nada além disso. O que chamamos coisas e acontecimentos específicos são apenas partes nas quais analisamos o grande processo em determinados momentos e locais no espaço. A essa realidade única e total ele chama Natureza. O Sobrenaturalista acredita que uma Coisa existe por conta própria e produziu a estrutura do espaço, do tempo e da progressão dos acontecimentos sistematicamente interligados que os preenche. Ele chama Natureza a essa estrutura e a esse preenchimento. Ela pode ou não ser a única realidade que a Coisa Inicial produziu. É possível que haja outros sistemas além daquele a que chamamos Natureza.
Assim, deve ficar claro que, para os naturalistas, as pistas para a descoberta de uma vocação somente podem ser encontradas nos limites da Natureza, já que, no seu modo de compreender, toda a realidade se esgota em seu interior, enquanto que, para os sobrenaturalistas, as pistas podem estar para além da Natureza ou podem ter sido nela dispostas por aquela Realidade Última de que tudo deriva.
Trocando em miúdos, um ateu e um cristão, por exemplo, ficariam inevitavelmente constrangidos a buscar estratégias diferentes para descobrir o tipo de atividade a que se dedicar. Vocação, para o primeiro, não poderia se referir a Deus, em cuja existência não acredita, mas apenas aos próprios desejos e aptidões. Para o segundo, vocação poderia ser entendida como uma espécie de convite feito por Deus.
Aliás, esse tipo de distinção parece nos conduzir a uma outra pergunta, que pretendo analisar no texto seguinte.
De todo modo, as ideias que apresentarei ao longo de toda a série podem ser úteis para naturalistas e sobrenaturalistas e, conforme espero, também podem ajudar no diálogo respeitoso e alegre entre pessoas com distintas formas de ver o mundo.
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