terça-feira, 30 de janeiro de 2018

“Pista 5: Quem vai contar piada no seu velório?”

Contar piadas num velório pode não ser uma atitude ruim, desde que o comediante saiba respeitar a dor das pessoas presentes e somente se a morte não tiver acontecido em circunstâncias especialmente trágicas. 

Alguém poderá dizer que a morte é sempre uma tragédia. Mas não é verdade. Eu mesmo já fui a três velórios em que a tristeza não era a nota dominante.

Um deles foi o da minha avó paterna. Meu pai e minha tia choravam. Eu, minhas irmãs e meus primos, também. Mas não deixamos de cantar os hinos bonitos de que ela gostava. Lembramos de muitas histórias que vivemos com ela. E recebemos o abraço das pessoas que a admiravam. A sensação era de estar diante de alguém que completara a jornada.

O segundo foi de uma pessoa que eu não conhecia e de quem jamais ouvira falar: Armindo de Oliveira Silva. Fui com o simples objetivo de acompanhar minha esposa, professora no Colégio Batista Mineiro, onde ele também trabalhara como professor e diretor. Mas nunca vou me esquecer do que vivi. As pessoas se revezavam ao microfone para dizer tudo o que o professor Armindo tinha feito por elas. Coisas como a primeira oportunidade de trabalho, um conselho, um abraço, uma palavra de incentivo. Os integrantes da família tinham a serenidade no olhar e recebiam alegremente o afago dos amigos. Há poucos dias, lendo sobre a história do Colégio, que vai comemorar o seu primeiro Centenário, não pude conter as lágrimas quando passei pelo seguinte depoimento do professor:

Saudade! Tenho razão de tê-la e muita. 53 anos de íntima convivência dá pra ter saudade. Meu querido Colégio, ninguém pode amar-te tanto! Também ninguém conviveu tanto contigo. Foste a minha casa. Vi-te bem pequeno ainda. Vi-te crescer, crescemos juntos. Poderíamos dizer da saudade da juventude. Um dia tu me acolheste pelas mãos do teu insigne diretor, Dr. Alberto Mazoni Andrade. Como vai longe isso, meu Deus! Lá pelos idos de 1942; para ser mais exato, quatorze de fevereiro de 1942. Nunca mais nos separamos. Tu me deste tudo o que sou, eu te dei toda a minha vida. Tu me acolheste, acolheste meus filhos, acolhes agora meus netos com o mesmo carinho. Como é grande o teu coração! Da nossa vida em comum senti sempre divergir nossos destinos: enquanto tu crescias e te tornavas grande e forte, eu envelhecia e diminuía. Hoje, como tu és grande, e como eu sou pequeno! Isto é necessário, eu devo passar e tu deves permanecer, enquanto o Senhor da eternidade o quiser.

O terceiro episódio marcante aconteceu numa pequenina cidade do interior de Minas, chamada muito poeticamente de São João do Manteninha. Eu estava de férias, em Mantena, distante uns 20 quilômetros dali, quando soube do falecimento do conhecido pastor Enéias. Ao longo da infância, escutei muitas histórias sobre ele. Na primeira vez em que o vi, já era velho. Aliás, essa é a definição de velho que ouvi de meu amigo Brunello Stancioli: velho é o sujeito que já era velho na primeira vez em que você o viu. 

Durante a cerimônia fúnebre, além de cantar os mais belos hinos e ouvir depoimentos cheios de carinho, acompanhei a leitura de trechos de uma carta, que o pastor havia escrito há mais de 15 anos, ainda lúcido, quando fora desenganado pelos médicos por conta de uma pneumonia. Nunca ouvi nada mais lindo. Do que pude guardar na memória, lembro-me do agradecimento amoroso aos cuidadores, das palavras apaixonadas para a companheira de toda a vida, dos conselhos afetuosos a cada um dos filhos e netos, da exortação enérgica aos jovens pastores e dos recados aos vizinhos e aos amigos de longa data.

Acho que me alonguei demais ao tratar de um assunto que muitos querem evitar. Mas há uma razão para isso.

Em “Os Sete Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes”, Stephen Covey sugere duas formas bem radicais de pensar sobre o sentido da vida.

A primeira é imaginar que tipo de escolha uma pessoa faria caso recebesse o diagnóstico de uma doença terminal. Esse tipo de experiência pode ajudar a descobrir o que é realmente importante. 

Mas é a segunda estratégia que me interessa. Para ajudar no processo de discernimento, o autor convida o candidato a imaginar o próprio funeral, com riqueza de pormenores, incluindo os depoimentos de quatro oradores, representando a família, os amigos, os colegas de trabalho e os companheiros de alguma instituição religiosa ou comunitária. 

A ideia é inusitada, mas sugiro que você faça uma tentativa. O que as pessoas diriam de você? Elas descreveriam que tipo de filho ou filha, pai ou mãe, amigo ou amiga? E que tipo de colega de trabalho? Que características seriam mais mencionadas? De que tipo de marcas ou lembranças elas falariam.

Pensei bastante no assunto, mas não puder enxergar com muita clareza. Só sei que espero que o meu velório seja desses em que os amigos podem contar piada, mas bem baixinho, que é pra manter a ordem.

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