terça-feira, 22 de dezembro de 2009

BOAS FÉRIAS!

Caríssimo leitor,

Obrigado pela companhia durante esse semestre.

Desejo-lhe um ótimo final de ano e um excelente período de férias!

Até a volta,

Giordano.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

ENTREVISTA COM LUCIA MASSARA


Lucia Massara é professora de Direito Civil na UFMG e na Faculdade de Direito Milton Campos, e advogada especializada em Família e Sucessões. Entre 1978 e 1994, foi Procuradora-Geral da UFMG. Dirige, há 10 anos, a Faculdade de Direito Milton Campos. No dia 6 de outubro de 2009, concedeu-nos a entrevista a seguir transcrita, em cuja realização colaboraram Santiago Pinto e Luiza Amaral.


“Ser professor é compartilhar com os estudantes a sua esperança, a sua desesperança, o seu conhecimento, a sua necessidade de aprendizado, a sua vida, o seu sonho”.


1. Professora, de onde vem o apelido Lucia Massacre? O povo quer saber...

Uma feliz coincidência. Quando fiz concurso nesta Faculdade, o resultado saiu no dia 20 de maio, e a minha contratação só em julho, mas ao chegar em casa, no dia 20, havia uma pilha com 180 trabalhos de casamento putativo, para corrigir. O professor Wilson Mello da Silva havia indicado este trabalho para o quinto ano – era o titular da disciplina Família e Sucessões. E como eu encontrei os trabalhos com aquela repetição de parágrafos e de exposição, eu dei notas apenas considerativas, tipo 1 em 20, e estou esperando até hoje que se apresente o autor do copião, para que seja a ele atribuída a nota cabível. Continuo esperando. Isso foi um fator até então desconhecido nesta Casa: a nota baixa para um número muito grande de estudantes.

E o apelido dura desde então...

Sim. É, para mim, um apelido muito carinhoso, por isso o conservo. Continuo exigente. Eu pratico o lema do Che Guevara: é preciso endurecer, sem perder a ternura.

2. Como a senhora se decidiu pelo magistério?

Eu sofri uma influência bastante forte de dois professores que conheci no período inicial da minha vida de estudante belorizontino. Um foi o professor João Milton Henrique, que foi meu professor de Prática Jurídica no curso de contabilidade que fiz no IMACO. E outro foi o professor Wilson Mello da Silva, que foi meu professor de Direito Civil no segundo ano desta Faculdade.

Professor Wilson Melo fez uma coisa própria de educador. Nós havíamos malandrado muito no primeiro ano, estudando a Parte Geral. Quando ele foi designado para dar para nós o Direito das Obrigações, começou a se dedicar aos elementos da obrigação e percebeu que nós estávamos perfeitamente inadaptados em pessoas, bens, ato e fato jurídico. Ele fechou o programa de Obrigações e usou o primeiro semestre do segundo ano para nos dar a Parte Geral e o segundo semestre do segundo ano para nos dar o Direito das Obrigações. Considerei esta atitude como caracterizadora de uma responsabilidade profissional muito grande. Serviu-me como uma grande lição. E a esse tempo eu já era funcionária da Prefeitura, e trabalhava no serviço jurídico, no qual já trabalhavam estes dois professores: o João Milton e o Wilson Melo.

O meu trânsito com eles me ajudou muito no conhecimento da figura do professor, da tarefa do professor, da função do professor, e da alegria que eles sentiam em ministrar aulas. E acho que não errei.

3. E o que é ser professor?

Ser professor é compartilhar com os estudantes a sua esperança, a sua desesperança, o seu conhecimento, a sua necessidade de aprendizado, a sua vida, o seu sonho. A vida e o sonho mesmo. É construir juntos uma perspectiva de vida nova, para eles e para nós.

4. Que habilidades a senhora considera importantes para quem participa da administração escolar?

Antes de mais nada, é preciso ter conhecimento profundo sobre o sistema de educação no qual sua escola está inserida. Não se administra sem conhecer o que é a instituição.

Em segundo lugar, você precisa ter clareza de objetivos.

Em terceiro lugar, é necessário contar com um corpo técnico bem entrosado, pois a confiança recíproca é o elemento propulsor da atividade administrativa.

E em quarto lugar é preciso transmitir à comunidade alcançada pela sua administração um nível elevado de confiança e de segurança, o que só é possível se o dirigente estiver aberto a ouvir, a dialogar e a assumir os riscos de suas decisões.

Isso tudo pode funcionar em uma escola pública, como a Faculdade de Direito da UFMG?

Creio que o sistema da administração pública difere um pouco do sistema da administração de uma escola privada. Para que isso possa ocorrer, ou primeiro, para que isso possa começar a ocorrer, é preciso reagrupar os corpos docente, discente e técnico-administrativo. Se não conseguirmos falar a mesma linguagem, vamos pregar para o vento. Por quê? Porque o que se vê de um lado não é o que se vê do outro, e com dissidência frontal você não consegue uma administração feliz.

5. Pensando ainda nessa comparação de escolas particulares e públicas, que diferença a senhora nota quanto à relação professor-aluno?

O professor de uma escola particular tem um contato mais próximo com a administração. O diretor mantém diálogo permanente e atuante com os docentes, seja na sala dos professores, seja nas reuniões com as coordenações de área, que ocorrem com maior periodicidade. O chefe de departamento é uma pessoa presente na sala dos professores. As reuniões ocorrem com muita periodicidade. Nós temos professores responsáveis por áreas determinadas, que reúnem as áreas, as disciplinas daquele grupo, com muita frequência. Então, as questões relativas ao ensino são discutidas com muito mais propriedade. Eu tenho reuniões do Conselho Superior agendadas no calendário [da Faculdade de Direito Milton Campos] e, havendo ou não assunto assunto a conversar, a reunião acontece, porque o crescimento nasce dessa união.

Na escola pública há uma divisão na administração. Há um dirigente administrativo, o Diretor, e um responsável pela direção do curso – o Coordenador do Colegiado. Além disso, há Congregação, Chefias de Departamento e nem sempre os grupos funcionam harmoniosamente. Se não houver sintonia, certamente haverá dificuldades.

Além disso, a escola pública traz uma dificuldade para fazer com que os professores efetivamente passem a integrar os núcleos de decisão. Passem a se comprometer com as decisões. É muito comum na escola pública o professor dar a sua aula e se sentir com o seu dever cumprido, sem que ele se candidate ao Colegiado, a representante na Câmara, como representante na Congregação. Então, a escola pública não agrega tanto quanto a escola particular.


6. Como vai o ensino jurídico no Brasil?

Temos uma dificuldade no ensino, que vem do primeiro grau, do ensino básico. Há estudantes que estão chegando despreparados para o curso superior. Muitas vezes há deficiência na forma de expressão. Costumo pedir aos estudantes que “Não maltratem a Língua Portuguesa, pois ela é nosso instrumento de trabalho”. A contextualização dos fatos e acontecimentos de relevância jurídica também oferece dificuldades, pois a Lei das XII Tábuas, o Código de Napoleão e outros textos importantes nem sempre se vinculam a um período histórico determinado. Outro fator relevante é a ânsia que um número significativo de alunos apresenta: como fazer? Mas, para que a prática possa ser bem exercitada, o conhecimento teórico é fundamental. Além do mais, temos o ensino jurídico muito voltado para a repetição do direito positivo, faltando a reflexão. O que tem faltado é o conhecimento de base. Ensinamos contratos, sem que o aluno se mostre firme na teoria geral dos negócios jurídicos. Discutimos a formação da família, com nulidade e anulação de casamento, e, muitas vezes, falta ao estudante a necessária segurança sobre a manifestação de vontade, sua autonomia e seus vícios.

Precisamos, cada vez mais, apuração de conteúdo, a busca da sintonia fina entre o que se estuda no início, no meio e no final do curso.

Os fatores para a avaliação concreta da qualidade dos profissionais que saem dos nossos cursos ainda não alcançaram um nível de elevada segurança, trazendo, assim, para o dirigente, a constante preocupação por um ensino de qualidade sempre ascendente.

7. A que a senhora atribui o fato de sempre estar entre os professores com maior avaliação positiva pelos alunos?

Acho que são três fatores diferenciais. Um deles é que o aluno sempre vai me encontrar na sala de aula. Eu digo a eles que nós temos um contrato e que eu vou procurar desempenhar a minha parte com a maior dignidade possível, comparecendo todos os dias e todos os horários.

Em segundo lugar, sempre levei para a sala de aula todas as novidades que acontecem no dia a dia forense (pulos do gato?), na apresentação e tramitação dos projetos de lei, nos comentários da doutrina, em especial se divergentes, nos julgamentos mais recentes, na mudança da jurisprudência e seus fundamentos, para não permitir que a aula se transforme em mero comentário da legislação fria. Mostrar ao estudante que o os fatos simples do dia a dia estão envolvidos pelo Direito, levar a ele comentários, críticas bem embasadas, discutir projetos e propostas, buscar uma dimensão diferente daquela que se encontra nos livros, despertando interesses e motivando os alunos para a importância de uma visão mais ampla dos institutos jurídicos.

E, por último, é a disponibilidade que eu sempre ofereço aos alunos para ficar mais um “tiquinho”, para discutir, para mostrar onde é que é, para retomar a Parte Geral, para retomar o Direito das Obrigações, para retomar os Direitos Reais, e fazer uma integração do Direito de Família e Sucessões quanto a isso.

8. Qual, então, a riqueza que o professor que tem larga experiência prática pode trazer para o magistério?

Veja, a realidade da aplicação do Direito é a forma que se tem para demonstrar ao aluno que ele não está estudando algo abstrato, que o Direito é vida, a la Goethe. E a vida não se desenvolve pura e simplesmente nos livros. A vida se desenvolve no dia-a-dia, ela se desenvolve no processo, ela se desenvolve nas relações familiares, ela se desenvolve na mediação. Então, não basta que se concentre nos livros, é necessário que se tenha esse sentimento de vivência, essa pulsação que dá para a gente o viés de todo dia, e a busca de continuar sendo professor, sendo advogado, sendo profissional. Porque se assim não fosse, o professor já estaria prontinho para ir para casa, assim que completasse o seu tempo de serviço.

9. Qual a pior falha que um professor pode cometer?

Achar que é infalível. É não ter disponibilidade para reconhecer que se equivocou. É entender que o seu ponto de vista é o único cabível. É não permitir ao estudante que erre e aprenda com o seu erro – eu acho que esse é o melhor momento de se aprender, quando o equívoco é cometido, porque você tem a paciência de desconstruir a ideia do aluno e ajudá-lo a reconstruir o conceito adequado. Aprendemos dois, ele porque trouxe uma ideia equivocada, que viu ser desfeita, e eu porque fui capaz de desconstruir e ajudar a construir. E isso cria um ímã entre professor e aluno que nada neste mundo é capaz de afastar.



10. A senhora experimentou alguma tristeza no exercício do magistério?

Provavelmente sim, mas eu acho que o nível de comparação entre a alegria de ser professor e o desacerto, as frustrações, é tão reduzido, que eu teria dificuldade em me lembrar de alguma. E como certamente lembrar não me daria satisfação, não quero fazer força.

11. Então, as alegrias, quais são as maiores?

Olha, uma alegria muito grande é você aplicar uma prova com um nível de exigência elevado e encontrar nas respostas dos alunos a perfeita adequação daquilo que foi ministrado. Ou seja, é você verificar que o aluno tem acompanhado, não acompanhado simplesmente para repetir, acompanhado porque o entendimento está instalado nele.

Uma segunda alegria que o professor tem é verificar que o seu aluno foi capaz de voar sozinho. É verificar que o seu aluno foi capaz de sair dali, prestar o Exame da Ordem, voltar e dizer: “Lembra daquilo que você falou na sala? Caiu na Ordem. A gente ficou reclamando, mas caiu”. Então, isso traz um retorno. O aluno que é aprovado em um concurso e desenvolve sua atividade profissional com proficiência; o aluno que também se torna professor, que se torna escritor de obras jurídicas, que apura sua formação pela via da pós-graduação, trazem retorno inestimável. Mas há também os alunos comerciantes, empresários, profissionais de outra área, que não se furtam de reconhecer que se tornaram cidadãos mais conscientes após o curso de graduação em Direito. Ou seja, não é preciso ser profissional do Direito, é preciso entender o Direito como uma ciência que abre outros horizontes para a vida pessoal.

12. Que palavra a senhora diria a um jovem, estudante de Direito, ou já graduado, que pensa em se dedicar ao magistério?

Venha!

Então, professora, muito obrigado pela conversa. É uma grande alegria ouvir os ensinamentos que a senhora comunicou a todos nós e também conviver com a senhora e aprender, no dia-a-dia, o que é ser professor. Obrigado, professora.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

"TWITTER" NA EDUCAÇÃO

Há alguns dias, coloquei duas perguntas no Twitter.

A primeira, que se dirigia a estudantes de Direito, era a seguinte: "Por que você segue seus professores no Twitter?".

E a segunda, dirigida aos professores universitários, era: "Que objetivos educacionais você pretende atingir ao utilizar o Twitter?".

Só um professor, o Marcos Lourenço Capanema (MLCapanema), a quem agradeço, enviou resposta:

"Acho que o twitter, assim como todas as ferramentas da internet, melhora a comunicação entre aluno e professor. O professor que não se adequar às novas tecnologias não conseguirá se comunicar com os jovens alunos".

Dos estudantes, todos da Faculdade de Direito da UFMG, aos quais também agradeço, recebi as seguintes respostas:

"Pela esperança de ler algo produtivo, bem digno de sair nas vozes malditas do jornal do CAAP [Centro Acadêmico Afonso Pena, da Faculdade de Direito da UFMG]..."
Marcela Barros (MarceBarros).

"Mais por curiosidade... Ver o que é que os admirados professores comentam sobre as coisas da vida, do mundo".
Elis Bastani (elisbastani).

"Os professores são exemplo. O que vemos em aula é fruto de um processo, e o twitter revela um pouco dessa construção".
Clara Coutinho (Kakau).

"Pq aprendo! mtos professores colocam coisas interessantes, para a gnt ler e descobrir, inovar, adquirir novos conhecimentos".
Lucas Paulino (lucaspaulino).

"Olha prof., sigo todo mundo q me influencia de alguma forma. Curiosidade mesmo de saber o q essas pessoas andam pensando...".
Mariana Souza (MariCFS).

Agora, caro leitor, gostaria de saber o que você pensa sobre o assunto.

O Twitter pode desempenhar algum papel importante na educação?

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A ARTE DE PERGUNTAR

Estudiosos de metodologia da pesquisa concordam que um dos itens mais importantes na elaboração de um projeto é a formulação da pergunta.

Nas várias etapas do processo de ensino e aprendizagem, o levantamento dos problemas também é ponto dos mais relevantes.

Mas é no momento das arguições, desde as que se realizam por ocasião de provas orais, até as que se dão em sessões de defesa de teses de doutoramento, que se pode descobrir quem domina a arte de perguntar.

A partir da leitura do episódio que passo a transcrever, preservado pela crônica acadêmica, pergunto se seria possível concluir que essa era uma das muitas qualidades pedagógicas de Antonio Joaquim Ribas que, entre 1860 e 1870, foi professor catedrático de Direito Civil na Faculdade de Direito de São Paulo.

"De uma feita, perguntava ele a um examinando:
– Que se entende por – pessoa?
– Pessoa é – todo ente capaz de direitos e obrigações – respondeu-lhe o estudante.
– Que é – ente? – prossegue o dr. Ribas.
– Ente é tudo o que existe; mas entro em dúvida...
– Que é – dúvida?
Aí, o estudante hesitou, e, instintivamente, pôs-se a fazer movimento oscilatório com o indicador e o dedo maior da mão direita, dizendo:
– Dúvida, sr. dr., dúvida...
E continuava com a mímica dos dois dedos estendidos em movimento oscilatório:
– Dúvida...dúvida...
– Não diga nada! – acudiu o examinador. – O senhor não poderá encontrar definição oral tão expressiva como esse gesto que está fazendo. Dúvida é isto mesmo: é a vacilação entre dois juízos".

(NOGUEIRA, José Luís de Almeida. A Academia de São Paulo: Tradições e Reminiscências. Volume II. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 143, 144).

terça-feira, 10 de novembro de 2009

AULA "SEJA O QUE DEUS QUISER!"

Durante minha graduação em Direito, tive um professor que chegava em sala de aula e perguntava: Onde a gente parou mesmo? Aí, depois de ouvir a resposta dada por um aluno, começava a falar sobre o tema que lhe parecia mais adequado. A aula não tinha unidade. Nós nunca sabíamos o que estávamos estudando nem o que estudaríamos na sequência. Eu não gostava disso. Mas eu não era um bom aluno...

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

ELE, O PROFESSOR, VISTO POR UM ALUNO

Bem no início do período republicano, a Faculdade de Direito de São Paulo teve um muito peculiar professor de Direito Civil. Seu nome era Vicente Mamede.

De acordo com a crônica acadêmica, em suas aulas, os alunos "liam jornais", "faziam literatura", "jogavam", "fumavam", sem falar nos que "fugiam pela janela". Nelas, não se podia ouvir "nenhuma opinião moderna", mas apenas a repetição dos mesmos autores, ano após ano.

Nas arguições, "quando a vítima era dos decoradores", quando respondia a lição "de cor, papagaialmente", a sessão transcorria sem maiores problemas.

Mamede, no entanto, era exato cumpridor de seus deveres. Não faltava jamais e chegava sempre no horário marcado.

Nos jornais da época, apareceu a seguinte composição, atribuída a um estudante brejeiro e reproduzida por Almeida Nogueira, com ligeiras modificações, sem o "naturalismo excessivo" que apresentava no original:

Assiduidade férrea

Após pesquisa profunda,
Descobriu o grão Mamede
Que é na tunda, só na tunda,
Que a inteligência tem sede.
À vista deste sucesso
Do seu talento divino,
Vai propor logo ao Congresso
Uma reforma no ensino,
Exigindo que o estudante,
P’ra poder ser aprovado,
Mostre ao lente, com desplante,
Ter o assento calejado.

(NOGUEIRA, José Luís de Almeida. A Academia de São Paulo: Tradições e Reminiscências. Volume IV. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 92; FERREIRA, Waldemar. A Congregação da Faculdade de Direito de São Paulo na centúria de 1827 a 1927. Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, São Paulo, v. XXIV, 1928, p. 92, 93).

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O MAGISTÉRIO É UMA VIAGEM! PREPARE-SE!*

Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, disse:

"Na véspera de não partir nunca,
Ao menos não há que arrumar malas".


De fato, quem pretende ficar em casa não precisar realizar preparativos. Mas quem deseja por o pé na estrada não pode deixar de pensar no assunto.

Exercer uma profissão é como fazer uma viagem. Não é a toa que a realização continuada de qualquer tipo de trabalho é denominada carreira. Sim, carreira, jornada, caminhada, viagem.

O magistério é uma viagem.

Como se preparar para empreendê-la?

Que itens colocar na bagagem?

É evidente que o tipo de preparo prévio depende do tempo de que se dispõe para fazê-lo. Muitas vezes, os instrumentos de que o professor necessita para bem desempenhar suas funções são adquiridos ao longo de sua jornada.

Havendo possibilidade, no entanto, eu sugeriria que o interessado cuidasse de colocar na mala os seguintes itens:

1. Caráter

Paulo Freire, em Pedagogia da Autonomia, afirma que:

“Quem pensa certo está cansado de saber que as palavras a que falta a corporeidade do exemplo pouco ou quase nada valem”.

O que se candidata ao magistério deve cuidar de explorar suas próprias fragilidades, identificando os pontos que devem ser trabalhados, para, em seguida, empregar todos os recursos a que puder ter acesso a fim corrigi-los e avançar rumo a novos desafios.

Do contrário, ficará obrigado a ver suas palavras desmentidas, diariamente, pelo modo como se comporta.

Dizer que caráter é item que deve ser colocado na bagagem é acreditar que o homem pode experimentar mudanças interiores, pequenas ou grandes. E eu acredito nisso.

2. Paixão

Rubem Alves, em Conversas com Quem Gosta de Ensinar, propõe a seguinte reflexão:

“Se nem nós estávamos em nosso discurso, como poderíamos pretender que aqueles que a escola nos entregou como alunos estivessem?”

Se o professor não acredita no que pensa, no que diz, ou no que faz, nunca poderá provocar reações positivas em seus alunos.

O magistério não é daquelas profissões a que os praticantes podem se entregar mecanicamente, esperando o término do expediente para buscar realização e felicidade.

O professor, muito embora afligido por angústias e dificuldades, deve ser feliz enquanto realiza o seu ofício.

Se a paixão pelo ensino não estiver na bagagem, o trajeto promete muito sofrimento, tanto para o viajante quanto para aqueles que tiverem o azar de se encontrar com ele.

3. Conhecimento

Rui Barbosa, na sua Oração aos Moços, confessou:

“Estudante sou. Nada mais. Mau sabedor, fraco jurista, mesquinho advogado, pouco mais sei do que saber estudar, saber como se estuda, e saber que tenho estudado”.

Para o bom exercício de suas tarefas, o professor deverá utilizar conhecimentos amplos e variados.

E bem fará o candidato ao magistério jurídico se trouxer, dos bancos acadêmicos, bons elementos de Filosofia e de História; do Direito, em geral, e especialmente do ramo a que pretende se dedicar; de línguas estrangeiras, principalmente das que forem mais úteis ao objeto de suas futuras pesquisas; de Didática e de Metodologia do Ensino Superior; e, por fim, de tudo que for útil para que tenha vernaculidade.

A lista, embora ampla, não deve servir para desanimar os candidatos.

Quanto a mim, preciso dizer que comecei a viagem sem estar minimamente preparado em alguns desses itens, e ainda hoje me sinto bastante inseguro em muitos deles.

É o caso de colocar na mala, antes do embarque, exatamente tudo o que for possível, mas não deixar de acrescentar outros objetos enquanto a viagem acontece.

4. Experiência

Experiência no magistério só se poderá obter no exercício do magistério. Nada mais evidente.

Mas há certas atividades que poderiam ser muito proveitosas aos candidatos à docência, especialmente três: monitoria, iniciação científica, participação no movimento estudantil.

Com a primeira, pelo convívio diário com o orientador, o interessado poderia perceber o modo como são realizadas as mais diversas tarefas ligadas ao magistério, desde a preparação de aulas, até o preenchimento de relatórios. Com a segunda, experimentaria a pesquisa, atividade a que o futuro professor deverá necessariamente se dedicar. Com a terceira, obteria elementos que o poderiam ajudar no exercício de funções administrativas.

Desse modo, envolvendo-se com tais atividades e outras semelhantes, o estudante que se sente chamado para o magistério poderá começar a obter aquilo de que fala o Camões: “um saber só de experiências feito”.

CONCLUSÃO

Esses são apenas alguns elementos que os interessados deveriam colocar na bagagem. Trazê-los consigo pode tornar o percurso um pouco mais suave. Mas não evita os imprevistos, nem impede os acidentes. Afinal, como disse o Rosa:

“O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.

*Essas questões foram apresentadas aos participantes do I Congresso da CORED-MG, realizado na Faculdade de Direito da UFMG, em 24 de outubro de 2009.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

COMO SE PREPARAR PARA O MAGISTÉRIO?

Se exercer o magistério fosse como empreender uma longa viagem, que itens o interessado deveria colocar na bagagem?

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

HOMENAGEM AOS MESTRES

Não consigo terminar uma aula e deixar o quadro sem apagar.

Quando um aluno, ao apresentar um trabalho, começa a falar muito baixo, tento me colocar no extremo oposto da sala de aula.

Gosto de entregar e discutir o plano de ensino logo no primeiro encontro.

Tenho o hábito de verificar as expectativas da turma no início de cada semestre.

Sempre destino a primeira aula para que professor e alunos se apresentem.

De vez em quando, leio trechos de obras literárias em sala de aula.

Não aprendi nenhum desses procedimentos em livros de didática ou de metodologia do ensino.

Sem que eu me desse conta, todos acabaram se incorporando à minha prática pedagógica.

Só agora percebo que eles me foram emprestados por meus antigos mestres.

Sim, o que, hoje, sou, também como professor, devo-o, em grande parte, aos meus mestres.

O que me faz lembrar de Fernando Pessoa, escrevendo sob o heterônimo de Álvaro de Campos:

“Em quantas coisas que me emprestaram guio como minhas!
Quanto me emprestaram, ai de mim!, eu próprio sou!”


Aos meus mestres, portanto, por tudo o que me emprestaram, minha gratidão, sempre, e minha homenagem, hoje, Dia do Professor!

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

31 DE FEVEREIRO: DIA DO PROFESSOR!

15 de outubro era o dia do professor.

O Calendário Acadêmico da UFMG, há alguns anos, determina que a data seja comemorada em 28 de outubro, que é Dia do Servidor Público.

A PUC/MG, estabeleceu que, nesse ano, a data será lembrada em 13 de outubro, dia imediatamente posterior ao de um feriado nacional.

Para duas das maiores universidades do País, portanto, não faz muita diferença reservar um dia específico para que o professor seja homenageado.

Para evitar arbitrariedades, sempre indesejáveis, e para não atrapalhar a vida de ninguém, proponho que, de agora em diante, 31 de fevereiro seja o Dia Nacional do Professor. Sugiro, ainda, que a data jamais possa ser alterada. E que, nela, não se faça outra coisa senão celebrar a existência e reconhecer a dedicação dos nossos mestres.

Estou seguro de que, pelo menos nesse dia, o professor será lembrado e reconhecido. E quem sabe, com o passar dos anos e com o costume de se comemorar a data sempre em dia tão especialmente reservado, o Brasil não dê ao magistério o valor que ele merece!

terça-feira, 6 de outubro de 2009

O SEGREDO DE RUI BARBOSA

Em 1870, Rui Barbosa concluiu o bacharelado na Faculdade de Direito de São Paulo. Cinqüenta anos depois, ouviu-se, na mesma Escola, a leitura de um discurso de paraninfo, por ele composto, publicado, posteriormente, sob o título de Oração aos Moços. Trata-se de singular peça de oratória, tida, por João Baptista Villela, como um dos dez mais belos textos escritos em língua portuguesa. Dele, escolhi transcrever um pequeno trecho, apto a sugerir, a estudantes e estudiosos, do Direito e de outras Ciências, o caminho para se obter verdadeiro sucesso nos estudos.

"Estudante sou. Nada mais. Mau sabedor, fraco jurista, mesquinho advogado, pouco mais sei do que saber estudar, saber como se estuda, e saber que tenho estudado. Nem isso mesmo sei se saberei bem. Mas, do que tenho logrado saber, o melhor devo às manhãs e madrugadas. Muitas lendas se têm inventado, por aí, sobre excessos da minha vida laboriosa. Deram, nos meus progressos intelectuais, larga parte ao uso em abuso do café e ao estímulo habitual dos pés mergulhados n'água fria. Contos de imaginadores. Refratário sou ao café. Nunca recorri a ele como a estimulante cerebral. Nem uma só vez na minha vida busquei num pedilúvio o espantalho do sono.

Ao que devo, sim, o mais dos frutos do meu trabalho, a relativa exuberância de sua fertilidade, a parte produtiva e durável da sua safra, é às minhas madrugadas. Menino ainda, assim que entrei ao colégio, alvidrei eu mesmo a conveniência desse costume, a daí avante o observei, sem cessar, toda a vida. Eduquei nele o meu cérebro, a ponto de espertar exatamente à hora, que comigo mesmo assentava, ao dormir. Sucedia, muito amiúde, encetar eu a minha solitária banca de estudo à uma ou às duas da antemanhã. Muitas vezes me mandava meu pai volver ao leito; e eu fazia apenas que lhe obedecia, tornando, logo após, àquelas amadas lucubrações, as de que me lembro com saudade mais deleitosa e entranhável.

Tenho, ainda hoje, convicção de que nessa observância persistente está o segredo feliz, não só das minhas primeiras vitórias no trabalho, mas de quantas vantagens alcancei jamais levar aos meus concorrentes, em todo o andar dos anos, até à velhice. Muito há que já não subtraio tanto às horas da cama, para acrescentar às do estudo. Mas o sistema ainda perdura, bem que largamente cerceado nas antigas imoderações. Até agora, nunca o sol deu comigo deitado e, ainda hoje, um dos meus raros e modestos desvanecimentos é o de ser grande madrugador, madrugador impenitente".

(BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Rio de Janeiro: Ediouro, p. 61-63).

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

RUI BARBOSA RECOMENDA

Rui Barbosa, quando perguntado sobre como se poderia adquirir vernaculidade, recomendou a leitura de Padre Vieira. Pensando nisso, ao final de uma aula, li um trecho, a seguir transcrito, de um magnífico sermão do religioso português.

A partir dele, é possível dizer se Rui tinha razão. Sobre isso, cada um pense o que quiser.

Não pode haver dúvida, porém, quanto à completa irrelvância contemporânea do assunto discutido pelo pregador no distante ano de 1650.

Felizmente, os problemas de que cogita há muito já não nos assolam mais!

Com a palavra, então, o Padre Vieira:

"Quais serão as consequências de um voto injusto em um tribunal? Quais serão as consequências de um voto apaixonado em um conselho? Ajude-me Deus a saber-vo-las representar, pois é matéria tão oculta e de tanta importância. Consulta-se em um conselho o lugar de um vice-rei, de um general, de um governador, de um prelado, de um ministro superior da Fazenda ou Justiça: e que sucede? Vota o conselheiro no parente, porque é parente; vota no amigo, porque é amigo; vota no recomendado, porque é recomendado: e os mais dignos e os mais beneméritos, porque não têm amizade, nem parentesco, nem valia, ficam de fora. Acontece isto muitas vezes? Queira Deus que alguma vez deixe de ser assim. Agora quisera eu perguntar ao conselheiro que deu esse voto e que o assinou, se lhe remordeu a consciência, ou se soube o que fazia? Homem cego, homem precipitado, sabes o que fazes? Sabes o que firmas? Sabes que ainda que o pecado que cometeste contra o juramento de teu cargo seja um só, as consequencias que dele se seguem são infinitas e maiores que o mesmo pecado? Sabes que com essa pena te escreves réu, de todos os males que fizer, que consentir, e que não estorvar esse homem indigno por quem votaste, e de todos os que dele se seguirem até o fim do mundo? Oh grande miséria! Miserável é a república onde há tais votos; miseráveis são os povos onde se mandam ministros feitos por tais eleições; mas os conselheiros que neles votaram são os mais miseráveis de todos: os outros levam o proveito, eles ficam com os encargos”.

(VIEIRA, António. Sermão da Primeira Dominga do Advento. In: VIEIRA, António. Sermões. Tomo I. Porto: Lello e Irmão, 1959, p. 61).

terça-feira, 22 de setembro de 2009

OUTRAS MAIORES PERGUNTAS

Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas, disse:

“Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas”.

Eu gosto dessa frase. Gosto tanto que vivo fazendo perguntas. Por exemplo:

1. Como se pode admitir com tanta naturalidade que professores do Ensino Superior exerçam o magistério sem nenhum conhecimento de Didática ou de Metodologia do Ensino?

2. Por que, enquanto professores, repetimos muitos dos erros que criticávamos nos nossos antigos mestres?

3. Por que o esporte preferido dos alunos continua sendo falar mal dos professores e o dos professores reclamar dos alunos?

4. Se a avaliação é o grande pesadelo de alunos e professores, por que ela continua do mesmo jeito há tanto tempo?

Quem tiver alguma ideia sobre esses assuntos, ainda que provisória, não deve guardá-la apenas para si. Fica, desde logo, convidado a oferecê-la ao debate. Uma grande solução pode vir de um simples comentário. Uma resposta importante pode ser sugerida tão somente por uma nova forma de propor a pergunta. Afinal, o mesmo Riobaldo confessou:

“Mas foi aquele grão de idéia que me acuculou, me argumentou todo. Ideiazinha. Só um começo. Aos pouquinhos é que a gente abre os olhos; achei, de per mim”.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

RECOMPENSAS DO MAGISTÉRIO

Quanto às recompensas ligadas ao magistério, reconheço que algumas são muito evidentes. Um sorriso, um agradecimento, uma atitude de compreensão, um gesto de apoio. Encontrar um ex-aluno na rua e simplesmente ouvi-lo dizer: “Oi, professor”. Tudo isso é muito bom. Mas o que mais me estimula no exercício da profissão passa bem longe dos olhos e dos ouvidos. Depende exclusivamente do coração. Trata-se da fé, ou, quem sabe, da esperança de que nem tudo é vão, de que alguma coisa vai ficar, talvez um princípio, talvez uma inspiração, talvez um incentivo.

Aliás, se o coração não estiver cheio de esperança, o caminho pode ser árido demais. Quando os valores numa sociedade deterioram é muito provável que haja reflexos em todas as profissões. Mas qual delas, além do magistério, será mais frontalmente atingida? Se não há mais gentileza, respeito, honestidade, paciência, gratidão, onde a ausência será mais sentida que na sala de aula?

Este trecho é parte integrante do artigo intitulado de Considerações Sobre o Magistério Jurídico, publicado na Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Para consultá-lo na íntegra, acesse www.gbsr.com.br .

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

AO MESTRE, COM CARINHO

Sabe aquela cena clássica do estudante da educação infantil que entrega uma maça ao professor? Pois bem. Às vezes, os professores ganham presentes de seus alunos. Nas próximas linhas, transcrevo trechos de uma história, narrada por Spencer Vampré, que fala justamente disso.


Joaquim Augusto Ribeiro da Luz, estudante da turma de 1870 a 1874, tomou especial ojerisa ao Dr. Justino, por um R, que lhe pusera, aliás merecidamente, pois não passava por estudioso.

[...]

A zanga do Luz desabava, quebrando as vidraças do Dr. Justino. Mal vinha o vidraceiro, a colocar vidros novos, surgiam certeiras as pedradas do estudante, e as janelas se esburacavam, tilintando os estilhaços sobre os lajedos da calçada.

Novos vidros, e, passadas umas poucas horas, à noitinha, ou na manhã seguinte, lá vinham de novo as pedradas, enquanto o Dr. Justino, de dentro, rugia enfezado:

– “Enquanto aquele biltre cá estiver, não ganho para vidros!”

E, afinal, se resignou a deixá-los quebrados, até que o Luz se formasse.

E se formou, por sinal com um plenamente, por empenho do Dr. Furtado. É que o subdelegado de polícia também não o queria ver mais em S. Paulo.

– “Eu preferia, – exclamava o lente de Direito Administrativo, – eu preferia que se acabassem os cadetes, ou que se acabasse o mundo, a ter de suportar mais um ano semelhante demônio!”

Não quis, porém, o endiabrado rapaz, afastar-se de São Paulo, sem pregar uma última peça ao Dr. Justino.

Este se achava, como de costume, a cavaquear, às duas horas da tarde, na loja do Sá Rocha, quando lhe surge, em atitude respeitosa, o terrível inimigo de suas vidraças.

O Dr. Justino voltou a cara para outro lado.

– “Sr. Doutor Justino, venho dar-lhe uma satisfação” – disse o estudante humildemente.

E o Dr. Justino impassível.

– “Senhor doutor, uma satisfação não se recusa: e esta é a última vez que me vê; amanhã, parto para minha Província, e não queria levar este remorso...porque eu me arrependo amargamente das minhas leviandades de rapaz, contra uma pessoa tão respeitável, um mestre tão sábio...porque a verdade é que, como estudante de Direito, sempre o acatei, como a um civilista profundo, uma das glórias da Faculdade”...

A esse tempo o Dr. Justino se ia voltando insensivelmente para o rapaz, e descarregando os sobrolhos, a princípio ferozmente contraídos.

– “Seria para mim grande tristeza, – continuava o estudante, – deixar, no espírito de V. Exª, uma recordação penosa...Venho pedir-lhe perdão de tantas loucuras de rapaz, Sr. Dr. Justino!”

Acreditando na sinceridade do estudante, começou o lente meio enleiado:

– “Está baim, está baim...Este seu proceder o reabilita. Teve os seus desmandos de rapaz...mas, corrige-se, arrepende-se. Está baim! Ora deixe-me dizer-lhe: – o Sr. Luz estudava pouco, mas revelava talento. Hoje, que está formado, aplique-se mais ao Direito, e poderá vir a ser um advogado capaz. E para o que eu lhe puder prestar, aqui estou.”

E estendia-lhe a mão, querendo pôr fim à conversa.

– “Oh! obrigadíssimo, Sr. doutor. Mas, quero merecer-lhe um obséquio: – aceitar este pequeno mimo, que tomo a liberdade de lhe oferecer – e destinado ao seu uso pessoal.”

E apresentava um embrulho quadrado, em papel de seda, atado com fita cor-de-rosa.

O Dr. Justino escusava-se acanhado.

– “É uma pequena lembrança, sem valor, e destinada ao seu uso pessoal, como recordação minha”...

– “Já agora me há de recordar o seu nome, Sr. Luz, sem precisar lembrança: basta a nobreza do seu arrependimento.”

– “Mas, condescenda, Sr. doutor, com esta última criancice. Faça-me o obséquio de aceitar.”

E deixando-lhe o embrulho nas mãos, retirou-se o Luz, não sem haver antes abraçado do Dr. Justino, e foi postar-se numa alfaiataria fronteira, onde estava um grupo de estudantes à espreita.

Logo que o Luz se retirou, começou o lente a abrir o envólucro, sob os olhares curiosos do lojista.

– “Algum objeto de escritório”...dizia o Dr. Justino, ao desfazer o embrulho pesado, e com muito enchimento de papel.

– “É o que deve ser”, concordava o Sá Rocha.

Mas, afinal, o lente recuou, pálido de raiva.

O presente que o Luz lhe trouxera, – para seu uso pessoal, – era uma ferradura!

E o Luz, da casa fronteira, enquanto os outros estudantes se escondiam:

– “Serve? Se não servir, troca-se por outra!”

– “Patife, grandíssimo biltre!” estertorou, num assomo de cólera, o Dr. Justino, enquanto o lojista o segurava pelo braço, e o levava, delicadamente, para o interior da loja.

(VAMPRÉ, Spencer. Memórias Para a História da Academia de São Paulo. Volume II. 2. ed. Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1977, p. 44, 45).

terça-feira, 8 de setembro de 2009

O PIOR DEFEITO DE UM PROFESSOR

Recentemente, perguntei a três grandes mestres qual o pior defeito que um professor pode ter.

João Baptista Villela, sem um segundo de hesitação, disse:

"Arrogância".

Marcelo Galuppo, depois de pensar um pouco, respondeu:

"O maior defeito que um professor pode ter é achar que não tem defeitos".

César Fiuza, por sua vez, disse:

"Eu acho que a pior falha de um professor é perseguir os seus alunos".

São as opiniões de três grandes mestres.

E, para você, qual o pior defeito de um professor?

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

A BESTIALIZAÇÃO DO EDUCADOR

Contribuição enviada por Cleusa Maria Alves Nunes, professora do sistema público, e Lucas Daniel Alves Nunes, estudante do 7º período da Faculdade de Direito da UFMG

No inicio da década de 90, com o triunfo mundial do capitalismo, os países detentores de grandes capitais passaram a exercer influência sobre os países endividados, determinando, inclusive, políticas educacionais. Antes de tal época, a educação na América Latina tinha como principais alvos a redução do analfabetismo e a aproximação da universidade à população, até então, reduto da classe economicamente superior. Com as mudanças da década de 90, a educação transformou-se em mero instrumento pragmático de alcance estatístico, havendo o incentivo à abertura – muitas vezes com financiamento público – de instituições de ensino superior privadas e públicas, grande parte sem condições mínimas necessárias para o aprimoramento intelectual do aluno. Perdeu-se o compromisso com a qualidade e com a principal vocação do ensino: a formação de cidadãos conscientes do mundo, independentes intelectualmente e capazes de elaborar reflexões críticas. Criou-se uma mão-de-obra mais qualificada, mas não profissionais autônomos de conhecimento.

Nessas transformações, surgira o processo de “bestialização” do educador, como relata Alexandre Brasil Fonseca, em palestra oferecida na quarta conferencia latino-americana da AIPESC, em 2004. O professor, na maioria das instituições, devido ao grande número de alunos, é obrigado a permanecer dentro de sala de aula em quase totalidade de seu tempo, afastando-se das pesquisas, do preparo das aulas, do atendimento individualizado dos alunos e da qualificação acadêmica. Assim, o processo de “bestialização” do educador criara meros professores reprodutores de manuais e códigos, sem o mínimo desenvolvimento didático e autonomia científica, incapazes de valorizar teorias e incentivar o aluno na elaboração do conhecimento.

Não é só nas instituições privadas, que visam principalmente o caráter financeiro da educação, como muitos acreditam, que se pode ver esse processo. Nas instituições públicas, grande parte dos professores, desanimados com baixos salários e grande quantidade de alunos desinteressados, transforma o processo de aprendizado em uma mera troca: o aluno recebe nota suficiente para ser aprovado, em contraprestação, convive com a negligência do professor. Se os alunos, revoltados com as faltas freqüentes e não compromisso em sala, reclamam institucionalmente de um educador, muitas vezes vêem-se perseguidos por ele. Tão pouco pode fazer o educador. Se esse exige dos alunos o suficiente para criação de um pensador independente, cobrando certo rendimento, acaba sendo julgado como “carrasco”, passando a ser mal recebido em seu local de trabalho – em alguns casos, sofrendo ameaças e lesões físicas, como se vê constantemente em jornais e noticiários.

O educador atual tem que rever seu papel de intermediador do processo de ensino-aprendizado, mas não é ele o único responsável pela desestruturação dos cursos superiores atuais. Cabe, também, aos alunos, cada vez mais alienados, banalizados e subestimados pelas políticas públicas de educação, aprofundar seus conhecimentos sobre o objeto de seu estudo, independente da cobrança do professor, adquirindo a consciência da importância de se tornar um profissional independente, crítico e capaz de adaptar-se à diferentes necessidades que surjam no decorrer de sua profissão. Ao governo, faltam políticas educacionais não meramente estatísticas, mas voltadas para a valorização dos profissionais da educação, investindo em capacitação desses, possibilitando uma independência cientifica e inovadora.

Enquanto o trinômio da educação (professor, aluno e governo) não estiver ciente de seus deveres, o que se verá é cada vez mais uma dependência brasileira intelectual, principalmente dos grandes centros de conhecimento, pesados investidores em modelos inovadores de pesquisa e extensão universitárias.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

ENTREVISTA COM CÉSAR FIUZA



César Fiuza é professor de Direito Civil na UFMG, na PUC/MG e na FUMEC. Doutor em Direito pela UFMG. Autor, entre outros, de Direito Civil: Curso Completo, já na 13ª edição. Por muitos anos, foi diretor da Faculdade de Direito da PUC/MG, tendo implantado, naquela instituição, o Programa de Pós-Graduação. Recentemente, foi eleito chefe do Departamento de Direito e Processo Civil e Comercial da Faculdade de Direito da UFMG. No dia 21 de agosto de 2009, recebeu-nos, em sua residência, para a seguinte entrevista, em cuja realização Santiago Pinto e Luiza Amaral, monitores de Direito Civil, prestaram significativa colaboração.

“Eu acho que quem mais aprende na sala de aula é o professor. A todo o momento, eu estou aprendendo alguma coisa nova com os meus alunos.”

"Eu tinha um colega que falava que era diletante, que dava aula por diletantismo, e eu ficava pensando “mas vai ser diletante assim lá nos quintos do inferno”, porque ele devia dar umas 50 aulas."

"O jovem estudante que queira ingressar no magistério...tem que experimentar...para ver se gosta. Se não, faz um concurso, vai advogar, vai vender tomate na feira. Eu acho que a gente tem que ser feliz. Fazer o que gosta."

1. O que significa ser professor?

O que significa ser professor? Bom, para mim, significa trabalhar. Significa trabalhar em uma coisa de que eu gosto e pela qual eu fiz uma opção, há uns 20 anos atrás, não, menos, uns 15 anos. A opção de, de repente, abandonar tudo e ficar só na docência.

E como foi essa opção?

Eu tinha que optar. Chegou em um ponto que eu falei: “ou eu advogo ou eu dou aula”. E foi uma decisão muito difícil na minha vida. Muito difícil. Aí eu optei por dar aula, por deixar de trabalhar e ficar só dando aula. (Risos).

E como o senhor vê essa opção, agora, passados alguns anos?

Eu não me arrependo, não. Eu acho que foi uma forma de me fazer profissionalmente. Conquistar um espaço. Enfim, de galgar, de trilhar uma carreira. Fazer uma diferença. Fazer uma coisa que contasse.

2. Quais foram seus grandes mestres?

Meus grandes mestres... Pessoas que me influenciaram muito... Você diz só na academia?

Não necessariamente. Na vida.

Talvez os meus avós. Meu avô materno, meu avô paterno, por aí, não é? Talvez a gente comece por aí.

Na escola.. Mestres que me marcaram? Bom, um primeiro que me vem à mente é o professor João Bosco Leopoldino [da Fonseca], um grande mestre, que me marcou muito.

A professora Silma [Mendes Berti]. A professora Silma foi minha primeira professora de Direito Civil. Não, a minha primeira professora de Direito Civil foi a Lúcia [Massara], que também foi uma grande mestra que eu tive – grande amiga, eu gosto muito dela. E a professora Silma foi uma professora que me marcou muito porque ela dava aula – eu acho que ela estava começando, e nós éramos uns 20 alunos – ela dava uma aula muito legal. Eu não consigo repetir a aula que ela dava. Foi, eu acho, a grande professora de Direito Civil que eu tive, a professora Silma. Talvez ela que tenha, não, acho que não, acho que para o Direito Privado quem me puxou foi o meu avô paterno, para o Direito Comercial. E para o Direito Civil foi a vida.

3. E por falar em Direito Civil, o que Direito Civil: Curso Completo, já na 13ª edição, significa para você?

Olha, significa muita angústia porque ele está longe de ser o que eu gostaria que fosse. Então, toda vez que eu olho para ele, eu tenho vontade de enfiar debaixo da cama, sabe? Ficar lá quietinho. Porque sempre que eu olho para ele eu sinto uma sensação de incompletitude, de que: “gente, eu tenho que dar um jeito nisso aqui”. Eu preciso... E o material para colocar nele, para inserir nele, está só se acumulando, se acumulando, se acumulando... E eu não vejo a hora de poder parar e... Eu acho que vou ter que fazer um Pós-Doc só para poder fazer essa atualização que eu quero. Ficar assim uns 6 meses internado em um quarto de hotel, fazendo a atualização que eu gostaria de fazer. Aí ele vai dobrar de tamanho, mas...

Nessa trajetória de aproximadamente 10 anos, que experiências interessantes, significativas, a publicação deste livro já lhe proporcionou?

Não sei. Assim, não teve nenhuma experiência marcante com a publicação do livro não. A experiência mesmo que a gente adquire ao publicar um livro que vai tendo outras edições eu acho que é essa experiência de incompletitude. Quando eu olho para aquela primeira edição, eu falo: “meu Deus, como eu tive coragem de publicar esse negócio?”. Mas deu certo. Quer dizer, se aos meus olhos hoje aquela primeira edição é uma porcaria, não foi na época. O público gostou. Tanto que teve a segunda, a terceira, a quarta, a quinta...

Então, quer dizer, a grande experiência, a grande lição que eu tiro disso tudo é que a gente às vezes tem que ter coragem, sim, de pôr a cara, de receber críticas e de ver, enfim, que as coisas são assim mesmo, que a gente não pode ter medo não.

4. Como o senhor percebe a qualidade do ensino jurídico brasileiro?

Olha, eu acho que as coisas estão mudando. O Brasil – eu não sei se é o Brasil ou se é o mundo, mas a gente pode falar do Brasil –, eu acho que a LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional] melhorou muito o ensino. A primeira coisa que a LDB fez – na minha opinião, a grande virada que ela deu – foi a profissionalização do ensino. Na minha época de estudante, todo mundo tinha a impressão, e esta impressão era de uma certa forma estimulada pelos professores, de que professor dava aula por bico, por diletantismo, e até hoje eu vejo colegas, e às vezes eu me espanto porque são meninos, meninos de 20 e poucos anos, 30 anos, que falam assim: “não, eu sou um advogado que dá aula”. Aí eu fico pensando: mas que bobagem. A LDB acabou com esse tipo e profissionalizou a docência. Esse aí, para mim, foi o primeiro passo para melhorar a qualidade do ensino. Quer dizer, hoje, o professor é um profissional. Ele é docente por profissão. Ele não é docente por bico, por diletantismo, por nada disso.

Eu tinha um colega que falava que era diletante, que dava aula por diletantismo, e eu ficava pensando “mas vai ser diletante assim lá nos quintos do inferno”, porque ele devia dar umas 50 aulas. Vai gostar de ser diletante assim lá longe.

Mas, enfim, eu acho que isso aí foi uma grande coisa. Não sei. Eu acho que o ensino melhorou. Hoje em dia, a faculdade de Direito não é mais curso de giz, quer dizer, ela é muito mais do que isso. Hoje, o aluno tem que fazer iniciação científica, monografia, atividades complementares, o professor tem que se titular, tem que correr atrás, tem que publicar, ter bolsa de produtividade [do CNPq]. Isso eu acho que melhorou, fez com que a qualidade do ensino melhorasse.

5. Que diferenças mais significativas o senhor percebe entre o curso jurídico em uma escola pública e em uma escola particular?

Olha, eu vejo assim, do ponto de vista institucional, você tem problemas e vantagens na escola pública. E o interessante é que eu fui Chefe de Departamento em uma escola particular e agora sou em uma escola pública. Na escola particular, a coisa é mais tensa, porque você sabe que tem que espremer para conseguir. Na escola pública, você fica mais relaxado, porque sabe que não adianta espremer que não vai conseguir nada mesmo. Porque não tem verba, não tem nada. Mas assim mesmo a gente vai tentando, e o Judiciário tem até nos ajudado neste ponto. Agora a gente [no Departamento de Direito e Processo Civil e Comercial] ganhou um professor para fazer frente a essa molecagem do Governo Federal. Então, na escola particular, a relação é mais tensa. Eu sinto isso, não sei. Talvez porque eu tenha me tornado Chefe de Departamento na escola pública depois de uma experiência na escola particular de muitos anos e então eu já tenha entrado com mais cabedal. Talvez isso tenha me relaxado mais. Mas, na escola particular, a relação era mais tensa. Na PUC – estou falando aqui é da PUC – a gente tinha que estar a toda hora batendo nas portas dos pró-Reitores, do Reitor, a choração era maior para conseguir as coisas. Na Federal, a gente sabe até onde pode ir. Mais do que aquilo, não adianta ir, porque aí sai da esfera até da Reitoria, passa para a do Ministro. E aí é que entra o Judiciário, porque se o Ministério do Planejamento age com molecagem, o Judiciário põe a coisa no lugar.

O senhor quer dar um exemplo dessa molecagem?

O exemplo é o seguinte: não tem vaga para professor efetivo, mas para substituto tem. Quer dizer, então, para cada um efetivo você tem 10 substitutos, que podem ser até muito bons – não estou dizendo que não são – mas que são professores muito limitados, porque não podem orientar, não podem lecionar na Pós-Graduação, não podem fazer nada. Fica aquele professor, às vezes, excelente professor, não estou dizendo que não seja – eu já fui substituto, você já foi – mas poxa vida, se tem vaga para substituto de um professor que se aposentou, então é porque tem vaga, não é? Por que não se abre um concurso? Porque não querem. Porque tem que sobrar dinheiro para pagar cartão coorporativo, para pagar o cabeleireiro da dona Marisa, para pagar os atos secretos dos senadores. Então, aí, realmente não sobra dinheiro para contratar professor para as nossas Universidades.

6. E, falando de administração escolar, que habilidades o senhor destacaria como importantes para quem participa dessa atividade?

Olha, eu acho que o perfil do administrador acadêmico é um perfil diferente. Ele não pode ser um administrador de um supermercado. Ou de uma indústria. Mas de qualquer forma ele tem que ter um ponto em comum, porque existe aí uma qualidade que é comum: é o jogo de cintura, a inteligência emocional, o respeito pelos colegas, pelos funcionários. Além, é claro, de uma visão acadêmica do que se espera da Universidade naquele momento. Isso eu acho muito importante. Daquilo que a gente tem, que a gente pode mudar, e daquilo que a gente tem que se adaptar mesmo.

7. E, agora, saindo das atividades administrativas e ingressando na sala de aula, como o senhor percebe esse espaço?

Olha, é um espaço de que eu gosto. É um espaço muito divertido, onde a gente aprende muito. Eu acho que quem mais aprende na sala de aula é o professor. A todo o momento, eu estou aprendendo alguma coisa nova com os meus alunos. Eu fico, às vezes, abismado como tem gente inteligente, como tem gente atualizada, pessoas que fazem questões interessantes. Eu gosto muito deste espaço da sala de aula. Agora, é óbvio que com algumas turmas a gente se identifica mais, com uns alunos se identifica mais. Isso aí é assim mesmo. Às vezes, tem turma com que a gente não se identifica, alunos com quem a gente não se identifica. Mas isso faz parte do jogo. Eu acho muito legal.

8. Qual a pior falha que um professor pode cometer?

A pior falha de um professor? Eu acho que a pior falha de um professor é perseguir os seus alunos. Na minha carreira docente eu acho que nunca vi um professor perseguir um aluno. Eu já vi aluno se achar perseguido. Isso aí eu já vi. Mas é gente com mania de perseguição. Agora, rigorosamente, um professor que persiga um aluno, nunca vi não. Acho que já... Não, já vi sim... Uma única vez... Eu acho isso deprimente. É a falta de respeito mesmo. Eu acho que este é o pior defeito que um professor pode ter. Faltar com o respeito com os seus alunos.

Bom, eram essas as questões que eu havia proposto. Há alguma consideração que o senhor gostaria de fazer a um jovem estudante de Direito que cogita ingressar no magistério, que tem dúvidas sobre isso?

Eu acho que o jovem estudante que queira ingressar no magistério tem que pensar naquilo que a Universidade espera dele, que o meio acadêmico espera dele. E, hoje, é titulação, publicação, pesquisa. Tem que experimentar: iniciação científica, monitoria. Depois, começa, vai dando aula por aí, vai experimentando para ver se gosta. Se não, faz um concurso, vai advogar, vai vender tomate na feira. Eu acho que a gente tem que ser feliz. Fazer o que gosta.

Professor, eu agradeço muitíssimo a gentileza de nos receber aqui, hoje, e agradeço muito especialmente por tudo que o senhor representa para mim, para a minha formação, desde a iniciação científica, passando pela monitoria, monografia de final de curso, dissertação de mestrado, até a tese de doutoramento, além de toda orientação, apoio, incentivo. Minha gratidão por tudo isso. Muito obrigado, professor.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

CARTA AOS LEITORES

Caríssimos Leitores,

É hora de realizar o primeiro balanço das atividades do blog.

Minha única certeza, nesse momento, é a de que desejo continuar. Seria enorme hipocrisia, portanto, perguntar se devo fazê-lo.

Ao invés disso, gostaria de ouvi-los a respeito dos rumos que o empreendimento deve tomar.

Que temas devem ser abordados?

Que pessoas devem ser entrevistadas?

Que aspectos negativos devem ser evitados?

Que aspectos positivos devem ser mantidos?

Aproveito, ainda, para convidá-los a participar ativamente da construção do conteúdo que nos interessa, seja pela apresentação de críticas e comentários aos textos publicados, seja pelo envio de artigos relacionados à temática proposta.

Estudantes estão convidados, por exemplo, a descrever o modo como um professor especial provocou impactos em sua vivência acadêmica ou a analisar alguma deficiência do nosso sistema de ensino.

Professores estão convidados, por exemplo, a contar algum fato pitoresco acontecido em sala de aula ou a indicar um dos muitos desafios do ensino jurídico.

Na esperança de que o nosso diálogo se torne cada vez mais amplo, aberto e produtivo, despeço-me, com um abraço fraterno.

Até mais,

Giordano.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

2000 ACESSOS EM 80 DIAS

Hoje, 80 dias depois do lançamento, o blog registra 2000 acessos e, aproximadamente, 50 comentários.

A todos os leitores e colaboradores, muito obrigado!

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

COMO LIDAR COM ALUNOS DESMOTIVADOS



Em recente visita a minha terra natal, a bela e pacata cidade de Mantena, no interior de Minas, encontrei-me com a secretária municipal da Educação, Maria do Rosário Baía, a Ruzza, como nós, seus ex-alunos, a chamamos.

Ruzza era das poucas professoras que impunham respeito apenas por sua presença, sem precisar pedir silêncio e muito menos apelar para qualquer método autoritário.

Uma das passagens mais especiais de minha trajetória escolar se deu justamente quando da devolução de uma de suas provas. Estávamos na 8ª série. O fato foi tão marcante que guardo a avaliação até hoje. A nota era sofrível, 7 pontos em 20.

Mesmo com o péssimo resultado, a professora não me chamou para uma daquelas conversas chatíssimas. Não intimou meus pais a comparecer para uma reunião. Não me disse palavras duras.

Apenas escreveu algumas frases na parte superior da prova (clique na figura para ler).

Só.

Essas palavras me fizeram pensar. Produziram profundo impacto em mim. Jamais pude esquecê-las. Muito sutilmente elas me ajudaram a crer que eu podia mais.

Não tenho nenhuma receita de como lidar com alunos desmotivados, ao contrário do que o título parece sugerir.

Sobre o assunto, só tinha mesmo essa história pra contar.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

PROFESSORES INESQUECÍVEIS

Mesmo com o passar de muitos anos, todos nos lembraremos de três tipos de professor. Dos excêntricos, dos picaretas e dos grandes mestres. Quando um grupo de alunos conversa no corredor ou quando dois antigos colegas se reencontram, em geral, passam um bom tempo falando de integrantes das duas primeiras categorias. Esses acabam ficando famosos. São inesquecíveis. Grandes mestres, ao contrário, podem ser bem discretos. Falar sobre eles não é tão interessante. Mesmo assim, não podemos esquecê-los. É que as marcas que eles deixam não ficam apenas na superfície. Eu tive grandes mestres. E você?

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

DIREITO, MAGISTÉRIO E POESIA

De 1858 a 1881, José Bonifácio, o Moço, foi professor de Direito Civil na Faculdade de Direito de São Paulo. Era muitíssimo querido pelos alunos. Discípulos como Rui Barbosa, Joaquim Nabuco e Castro Alves deram testemunho de como foram influenciados por ele. Entre os múltiplos interesses do mestre, estava a poesia. Nada mais natural. Direito, especialmente Direito Civil, é poesia. Magistério, da educação infantil ao ensino superior, é poesia também. Transcrevo a seguir uma das composições do Andrada, a de que mais gosto:

MEU TESTAMENTO

Vem cá, traze a tua caixa de costura,
E, em vez de agulha, tira o teu rosário,
O caso é sério,
Pode causar-te riso...
Tu vais servir-me agora de notário.

Em nome da Santíssima Trindade,
Livre o juízo e são o entendimento,
Sentado em teu banquinho,
Inda a teus pés sonhando,
Eu dito, escreve tu meu testamento.

De todos os meus bens desembargados,
Faço-te minha herdeira universal;
Mas não sem condições,
Guardarás, se puderes,
Meu coração no fundo do dedal.

Deixo-te um longo beijo bem ao meio
Da fina boca...oh! sim, guarda-o com medo!
Pode haver curioso
Que por instinto ou hábito
Tente roubar do cofre o meu segredo.

No cantinho do lábio entre umas dobras
De púrpura sutil e junto à neve,
Deixo-te meus suspiros
A procurar carinhos
De longas horas em momento breve.

Não te deixo um abraço...foram tantos!
Não sei se o diga, corará teu rosto...
Talvez nas aperturas
Das nacionais finanças
Ouse o fisco lançar-te algum imposto.

Deixo-te aquele olhar tão feiticeiro,
Meio luz, meio sombra, assim, assim,
Ao pé do jasmineiro,
Aquele olhar tão lânguido,
Aquele olhar do banco do jardim.

O mais é reservado e escrito fica
Em teu quartinho e ao lado do teu leito,
Flores, quadros, perfumes,
Meus sonhos a voar...
Queres um codicilo mais bem feito?

Guarda estes versos; são meu testamento.
Podem cerrá-lo anéis de teus cabelos;
Mas se ingrata o perderes,
Virei roubar-te à noite
Minhas cartas de amor entre os novelos.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O PAPEL DA AVALIAÇÃO NA VIDA DO ESTUDANTE

João tinha 7 anos. Caiu da árvore e quebrou a perna. Foi ao médico. Voltou com a perna engessada e de muletas.

Depois de um tempo, tirou o gesso, mas continuou usando muletas.

Fez fisioterapia. A perna ficou boa. Mas não abandonou as muletas.

João tem 20 anos. Suas pernas são perfeitamente saudáveis. Mas ele usa muletas.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O DIA EM QUE A AMIZADE TERMINA

Até aquele dia, em geral, tudo vai muito bem. Quando o professor diz "bom dia", a turma responde quase em uníssono. Quando conta piadas, mesmo as que ninguém entende, a turma ri, nem que seja por educação. A participação é boa, as peguntas são feitas com gentileza, o clima é leve.

Depois daquele dia, no entanto, tudo fica diferente. Descobre-se que o professor, na verdade, é um chato, ranzinza, muito apegado a formalidades, intolerante, não aceita que ninguém pense diferente do que ele, injusto, parcial, e um pouco desonesto também.

Aquele dia, o dia em que a amizade termina, é o dia em que o professor devolve a primeira avaliação.

Dia infeliz!

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

GALUPPO OU VILLELA: QUEM TEM RAZÃO?

Como vai o ensino jurídico no Brasil?

Em entrevista ao blog, João Baptista Villela fez a seguinte declaração:

"O ensino brasileiro vai de mal a pior. Nunca o vi tão decadente em toda a minha vida".

Marcelo Galuppo, por sua vez, afirmou o seguinte:

“Eu acho que o ensino jurídico brasileiro é ótimo. Eu sou a favor de abrir um curso de Direito em cada esquina”.

Afinal, quem tem razão?

sábado, 1 de agosto de 2009

DE VOLTA ÀS AULAS! AINDA BEM!

Em todo início de período letivo, eu sempre tenho o mesmo sentimento. E isso desde a educação infantil, passando pelo ensino médio, e até a Universidade. Quando era aluno e também como professor. É uma mistura de ansiedade, curiosidade e empolgação. Rever os amigos, encontrar pessoas novas, contar histórias, compartilhar experiências. Além, é claro, daquela expectativa de que, agora, tudo será novo. O planejamento será cumprido. As tarefas serão executadas a tempo. Os antigos erros serão definitivamente eliminados.

É verdade que esse estado de espírito não costuma durar muito. Mas isso não importa.

O que importa, meus amigos, é que um novo semestre já chegou!

A todos, portanto, um bom recomeço!

sábado, 18 de julho de 2009

O QUE VOCÊ FAZ NAS FÉRIAS?

Professores e estudantes têm dois períodos de férias por ano. Em julho, na verdade, apenas uns poucos dias de recesso.

O que deveríamos fazer nesse tempo?

Certamente que os estudantes não deveriam rever tópicos de matérias anteriores, nem elaborar projetos de monografia, nem estudar para os malditos concursos.

Certamente que os professores não deveriam colocar o currículo Lattes em dia, nem terminar de escrever livros e artigos, nem preparar umas aulinhas para o próximo semestre, e nem mesmo ficar atualizando sites e blogs.

Ao contrário, uns e outros fariam muito bem se usassem o tempo para ler bons livros, ouvir boa música, ver bons filmes, ficar com a família e os amigos, e viajar, se possível.

Por recomendação de um aluno, o Gabriel Lazarotti, estou lendo A Cabana e, por enquanto, vou gostando. Tenho ouvido bastante as músicas de um CD que se intitula Mergulhado, presente de outro aluno, o Rafael Niepce, autor de algumas das letras, belíssimas, por sinal. Antes de ontem, assisti A Dúvida. Ontem, Modigliani. E, hoje, não sei se vejo Capote, O Jardineiro Fiel ou Alexandre. Na próxima semana, devo viajar com a família para a terra natal, a belíssima e pacata cidade de Mantena, no interior das Minas Gerais.

Espero não trabalhar nos próximos dias.

Espero, inclusive, não postar mais nenhum texto no blog até o início de agosto.

Não sei se vou conseguir.

E, você, o que vai fazer nessas férias?

quinta-feira, 16 de julho de 2009

O MÉTODO PADRÃO

Contribuição enviada por Jorge Cunha Conrado,
bacharel em Direito pela UFMG,
integrante da turma que se formou no 2º semestre de 2008



"Dizem também que [foi] mau estudante, ou por outra, estudante displicente, mas isso só serve para aumentá-lo na minha estima. A nossa Escola de Direito não é melhor nem pior do que o comum das escolas, de Direito ou ou não, que não dão gosto nenhum de serem freqüentadas".

-- Carlos Drummond de Andrade, em crônica sobre o poeta Ascânio Lopes, publicada em 1931.

Durante os meus cinco anos da Faculdade de Direito presenciei a repetição de uma conduta que só pode ser descrita com sinceridade como maçante. Existem vários tipos de professor e várias maneiras de ministrar aulas, mas há um método, um modus operandi mais utilizado do que outros, que, de tão escolhido pelos docentes, pode ser chamado de método padrão.

Esse método parte de dois pressupostos básicos, primeiro, o de que a única forma possível do aluno aprender a matéria ensinada é pelo contato direto com o professor, e, segundo, o de que a única forma do professor transmitir suas lições é por meio da aula expositiva.

Heidegger disse muita coisa que me parece simplesmente incomprensível ou inaceitável, mas em algo concordamos, o filósofo alemão dizia que a aula é apenas uma provocação. No método padrão a aula é tudo.

Para facilitar a explicação é interessante tratar primeiro da conduta do docente e depois da maneira como se comportam os discentes.

O professor prepara todas as suas aulas com antecedência, o que é natural e positivo, entretanto, ao organizar o curso, vale-se exclusivamente de um só manual. Isso faz com que ele se exima do trabalho hercúleo de lidar com as questões difíceis que a matéria sucita: no manual escolhido se encontram as respostas definitivas para tudo. Se o professor for o autor de um livro, garantidamente, escolherá a obra de sua lavra como aquela a ser seguida durante o semestre. As vezes, com alguma sorte, o professor escolhe um bom manual, mas o usual é a adoção de autor com maior capacidade para simplificar a matéria (o que não é coisa boa, já que o Direito nunca é simples).

A doutrina escolhida é então diluída e permeada por opiniões do mestre, para ser posteriormente apresentada em sala de aula de maneira superficial. O porque das coisas permanece um mistério, raciocínio jurídico é algo raríssimo e verdadeiras discussões são prontamente findadas com respostas evasivas ou absurdas (o professor ignora o questionamento do aluno, responde a uma pergunta que não foi formulada e continua com a aula). A isso se soma a leitura em voz alta de dispositivos da lei estudada, seguida de hermenêutica pedestre. O professor parece nunca ter cogitado a possibilidade do aluno ele mesmo ler o manual e a legislação fora do horário do curso, sendo a aula reservada para as lições e discussões sobre os pontos mais difíceis da ementa, fora as questões da ordem do dia. O método padrão passa longe disso, pressupõe serem os alunos uns pusilâmines perdidos entre as questões do Direito, incapazes de saber o que diz, exempli gratia, Caio Mário por meio da leitura de Caio Mário.

E se alguém aprendeu alguma coisa ou não é um mistério. Os procedimentos de avaliação são meros expedientes burocráticos destinados a aprovar ou reprovar alunos (alguns partidários do método padrão nunca reprovam ninguém, outros são carrascos sádicos, não há regra quanto a isso). Os trabalhos raramente são lidos, o esperado é que ninguém preste atenção no que se diz nos seminários e as provas, bem, as provas são especialmente sintomáticas. É por meio delas que fica claro que os professores que optaram pelo método padrão se enxergam como "a luz, a verdade e o caminho”. É por meio delas que se constata o inelutável império do magister dixit: quem recebe as maiores notas são aqueles com a maior capacidade de repetir o que disse o professor, incluindo todas idiossincrasias e platitudes do mestre. O sujeito que se debruça sobre várias obras diferentes, procura saber o que diz a jurisprudência do Tribunal de Justiça, do STF e do STJ é um coitado, nota bem melhor obtém aquele que estudou apenas pela cópia do caderno do aluno com maiores propensões a taquígrafo.

E fato é que a maioria dos alunos não se opõe ao método padrão, na verdade, não seria exagerado dizer que muitos o aprovam com veemência. Como certa vez disse a Professora Juliana Cordeiro acertadamente, é celebrado um pacto de mediocridade. Isso se dá porque o método garante aos discentes que o validam duas coisas essenciais, a ilusão de que estão aprendendo algo (e estão, em algum nível, só que muito aquém do possível), e, a garantia de que obterão boas notas no final do semestre, já que para garantir o A basta anotar furiosamente tudo o que o professor disser durante a aula e repetir ipsis litteris na prova, quando palavras-chave acionarão a memória do caderno decorado. É quase como um reflexo condicionado, é quase pavloviano.

E, sem se darem conta disso, com o caminhar do curso, os alunos são moldados pelo método padrão: sabem exclusivamente o que foi exposto em sala de aula, da maneira como foi exposto em sala de aula, quando se põem diante de algum ponto desconhecido de uma matéria que já cursaram culpam imediatamente o professor - "Ah, mas Fulano não ensinou isso!"- se irritam com os mestres propensos a polêmicas e digressões, ficam aborrecidos com qualquer ponderação histórica ou filosófica, começam a condenar a falta de preparo dada pela faculdade ao se depararem no estágio com as dificuldades da prática, et caetera.

E assim passa o grosso do curso de Direito, com a mesma maturidade, seriedade e profundidade intelectual do Ensino Médio. Exceções à regra existem? Naturalmente, mas são exceções à regra. Um professor por semestre? No muito, no muito.

Dizem que a coisa de verdade acontece no mestrado. Eu não sei.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

ENTREVISTA COM MARCELO GALUPPO - 2ª PARTE



“Eu acho que o ensino jurídico brasileiro é ótimo. Eu sou a favor de abrir um curso de Direito em cada esquina”.

“Acho que não existe gênio. Toda vez que alguém se apresenta para mim como sendo gênio, eu sei que estou diante de um “picareta”. É mais um homem que fala javanês”.


7. Como você percebe a qualidade do ensino jurídico?

Eu acho que o ensino jurídico brasileiro é ótimo. Eu sou a favor de abrir um curso de Direito em cada esquina. Eu acho abusivo o controle que a OAB faz nos cursos de Direito. Acho que tem que haver controle pelo Ministério da Educação, mas isso não é assunto da OAB. Acho que é um equívoco histórico. Isso tem que ser revisto em algum momento.

Por que eu acho que tem que ter um curso de Direito em cada esquina? Deixa eu te contar um caso, que um amigo me contou, o Claudio Michelon. Claudio Michelon, hoje, é professor em Edimburgo, era assistente do MacCormick. E ele é professor, também, na Federal do Rio Grande do Sul. E, antes de ser professor da Federal do Rio Grande do Sul, era professor de uma Faculdade do interior, dessas populares, em uma cidade lá perto. Num dia, já professor da Federal, ele voltou a essa cidade, foi a um bar comprar uma água e um rapaz virou para ele e falou: – “Professor, o senhor aqui?”. O rapaz era o faxineiro, estava limpando o bar. ¬Ele falou: – “É, você é quem?”. – “Eu fui seu aluno há não sei quantos anos atrás, tô aqui nesse bar”. Aí o Cláudio falou assim: – “Então, não adiantou nada, você fez um curso de Direito e é faxineiro”. – “Não, adiantou sim! Porque agora eu sou doutor também. Agora eu não bato mais na minha mulher”. A história, ela parece cômica, mas é verdade. Qualquer educação amplia as perspectivas e transforma as pessoas. Não acho que há trabalho para esse tanto de pessoas que se formam em Direito, mas eu acho que a educação superior não serve só para arrumar trabalho para as pessoas. Então, a primeira coisa é essa: eu sou a favor de uma ampliação do número de vagas.

A segunda coisa é o seguinte: eu acho que o ensino jurídico tem alguns problemas. O primeiro problema do ensino jurídico é que nós não formamos pessoas qualificadas para atuar no Direito. O curso de Direito não faz isso. Conversando com o Juventino [Gomes de Miranda Filho], professor da PUC, outro dia, eu falei assim: a advocacia é uma atividade tão complexa, tão complexa, que, às vezes, envolve até Direito. O quê que a faculdade não ensina? Não ensina, por exemplo, a negociar. Não ensina a trabalhar em conjunto. Não ensina a administrar financeiramente um escritório. Há coisas que são fundamentais para a advocacia, para magistratura, para o Ministério Público que não são ensinadas. E aí a gente fica criando profissionais que têm como modelo de atuação a litigiosidade. Isso não tem mais lugar no mundo contemporâneo. O mundo contemporâneo é um mundo de sinergia. As pessoas não são contra, elas são com umas com as outras. Eu fico pensando se a gente não tem uma deformação do caráter dos estudantes, que acaba tornando eles muito litigiosos. Isso é um problema do ensino jurídico. Outro problema do ensino jurídico é um problema de conflito de geração. Os professores se formaram em uma geração muito diferente dos alunos. E, volta e meia, eu ouço um discurso assim: os alunos de hoje são preguiçosos, os alunos de hoje não querem estudar, os alunos de hoje não lêem mais. Na verdade, o que aconteceu foi uma mudança muito radical, a sociedade da informação, a internet. Eu li, há pouco tempo, um artigo, no Valor Econômico, de um professor do Rio de Janeiro. Ele falava o seguinte: quando ele era aluno – isso aconteceu comigo – quando a gente fazia uma petição, a gente tinha que procurar na doutrina, porque era impossível encontrar jurisprudência. Você tinha que pegar volume por volume da revista, olhar uma por uma, e procurar. Enquanto, na verdade, na doutrina, pelo caráter sistematizador, você encontrava a informação muito mais facilmente. Só que, hoje, com a internet, isso se inverteu. É só você ver as petições. As petições são pautadas hoje por jurisprudência. Mas por quê? Porque hoje é possível encontrar facilmente jurisprudência. Então, um problema do ensino jurídico é esse: mudou o mundo e os professores ainda vivem no mundo antigo. Há pouco tempo foi lançado no Brasil um livro do Win Veen, sobrenome de um dos autores, um holandês, chama-se “Homo Zapiens – Educando na Era Digital”. Eu fui, há algum tempo atrás, a uma exposição do Darwin. Estava em um Congresso em Lisboa, tinha um tempo livre, aquela exposição que estava em São Paulo estava lá, e eu fui. Eu olhei os textos na parede e falei assim: “Olha, nem eu não agüento ler esses textos”. Havia um monte de textos escritos na parede. E fiquei me perguntando assim: será que as pessoas mais jovens, com a metade da minha idade, vinte anos, será que vão ler? Não vão ler. Eles querem informações precisas, e uma característica da informação precisa é que ela é curta. Algo mudou no mundo e o ensino jurídico ainda não percebeu isso.

Uma terceira coisa no ensino jurídico é que a experiência mais frutífera que já houve no Direito é a adoção da monografia de graduação. Os alunos eram completamente diferentes antes disso. O processo de formação deles ficou muito mais aprimorado, em termos de capacidade de pesquisar algo para fazer uma petição, por exemplo. Então, eu acho que esses três elementos, eles têm que ser levados em conta. Primeiro, é preciso aumentar o número de cursos de Direito, porque curso de Direito não serve só para formar advogado. Ele tem uma natureza civilizatória, como qualquer curso tem. Segundo, os professores precisam ter em vista que o mundo não é mais o mundo em que eles se formaram. Terceiro, nada é mais importante no curso de Direito do que aquilo que o aluno ensina a si mesmo. Isso é importante porque eu fico pensando, por exemplo, em uma questão muito séria. Eu estou convencido de que a tópica está correta, na concepção dela. E, portanto, acho que é estranha a tentativa dos professores de ensinar Direito Civil, Direito Penal, Direito Comercial de modo sistemático. Algo que precisa ser repensado é o ensino a partir de casos, mas entendendo o que está por trás disso. Está por trás disso a ideia de que é impossível o conhecimento sistemático, abarcante de todo o Direito. Mas, no entanto, quando os professores ensinam, é o velho modelo. Teoria Geral, Obrigações, aí os Contratos, Teoria Geral dos Contratos, depois os Contratos em Espécie, dentro dos Contratos em Espécie, os típicos e os atípicos, depois.... A vida não funciona assim. Esse é o problema.

Especificamente sobre esse ponto...

Ah, tem também a questão do que nós não ensinamos aos nossos alunos. Aquilo que eu estava falando de habilidades que compõe as profissões jurídicas para além do Direito. O Direito é uma parte importante. Eu fiz aquela brincadeira, mas o Direito é uma parte realmente importante. Mas não é tudo. Não é tudo.

Especificamente sobre esse ponto da velocidade, da dificuldade de se deter em textos longos, os manuais chegaram ao fim?

Eu tenho pensado, Giordano, em escrever um livro de Introdução [ao Estudo do Direito] inteiro na internet. O aluno, no início do semestre, compra uma chave, que dura seis meses. Ele compra a chave por dez reais, de forma que seja desestimulado a copiar o livro de outra pessoa. Tenho pensado nisso. Não sei até que ponto eu conseguiria fazer isso, porque, talvez, a minha mentalidade esteja muito no velho modelo. Não sei.

Efetivamente, uma coisa que você pode perceber é que os livros têm diminuído de tamanho. Os livros são cada vez menores, a não ser em Portugal. Mas aqui no Brasil os livros são cada vez menores, não é? Cada vez são menores. Deixa eu dar um exemplo: César Fiuza. César Fiuza é uma pessoa que percebeu isso antes da hora. Não há mais espaço para o Tratado de Direito Privado. Não é mais possível um aluno estudar, um aluno de graduação, estudar Direito Privado através do Tratado de Direito Privado. Agora, ao mesmo tempo, quando eu quero aprofundar em uma questão, uma questão pontual, não vou ter que ler os sessenta volumes do Tratado para descobrir que, na verdade, o que caracteriza a hipoteca é a não transferência do domínio. Eu leio um pedacinho só. Não há mais lugar para esses grandes livros. Por exemplo, quando eu estudei Direito, no início da história da Constituição de 1988, o Celso Bastos e o Ives Gandra, os dois fizeram Comentários à Constituição em vários volumes. Não existem mais comentários à Constituição em vários volumes. Sobre o Código de Processo Civil, há uma obra clássica, que é o comentário da Forense. Hoje, os comentários, Nelson Nery, por exemplo, são em um volume só. Isso é uma marca do tempo. E se você comparar o comentário da Forense com o do Nelson Nery, por exemplo, você vai ver que o do Nelson Nery está estruturado em jurisprudência, enquanto o da Forense é doutrina. O modelo mudou e nós não nos demos conta. Os professores não se deram conta disso. Isso é um problema.

8. O que você pensa do sistema utilizado no último vestibular da UFMG, segundo o qual os egressos da escola pública tiveram bônus de dez por cento e, entre esses, aqueles que se autodeclararam pretos ou pardos tiveram bônus de quinze por cento?

Eu sou a favor das cotas. A PUC, ela não tem uma experiência com cotas, mas ela tem uma outra experiência, com o ProUni. Quando o ProUni foi criado, o medo que havia era o de que o nível dos alunos caísse muito. O que aconteceu, na prática? O que aconteceu na prática é que os pontos necessários, no ProUni, para que o aluno entrasse na PUC são tão altos que só os alunos bons do ensino público foram para a PUC. O desempenho dos alunos do ProUni tem sido maior do que o dos aprovados no vestibular. No caso das cotas, é a mesma coisa. Eu acho que o que vai acontecer é que os alunos que vão entrar pelas cotas são alunos que, por várias injunções, provavelmente nem tentariam fazer o vestibular, apesar de terem condições. Eu acho que a gente vai ter que esperar para ver se vai funcionar ou não. Eu acho que a discussão talvez mais séria é sobre o futuro do vestibular. Isso é uma questão séria.

E o quê você pensa sobre isso?

Não tenho...

Substituir por um sorteio?

O Rubem Alves fala isso. Que seria muito mais justo e muito mais humano sortear. O Rubem Alves não fala em sorteio, não, o Rubem Alves fala assim: pega todos os vestibulandos e solta lá no meio da floresta amazônica. Quem chegar com vida aqui tem vaga. É uma ideia, porque o vestibular é desumano. No caso do Direito, não. No Direito, passar é um pouquinho difícil. Depois que passou, você se forma tranquilamente. Se estudar pouco, pouco eu não digo, mas se estudar o que uma pessoa deve estudar, passa. No caso da Medicina, em que você tem que praticamente fechar uma prova de vestibular, em física, geografia – não estou dizendo que física e geografia não sejam importante – mas fechar uma prova de vestibular para entrar em um curso de Medicina? É uma exigência muito desumana. E que, por definição, exclui pessoas que vieram do ensino público, que tiveram condições de vida mais adversas.

9. O magistério para você é fonte de angústia ou de alegria?

De alegria.

Não te angustia, não?

Não. Por quê? Por que me angustiaria? Qual angústia?

Eu percebo inúmeras angústias envolvidas na tarefa de ensinar. Mas isso, na sua experiência, não é muito relevante?

Mas que tipo de angústia?

Uma angústia é a de lidar, em um espaço tão curto de tempo, com tantas pessoas e tão diferentes...

Eu perdi, como se diz, eu perdi a fantasia, por exemplo, de que seria capaz de memorizar o rosto e o nome dos meus alunos. Já não tenho mais essa ilusão. Alguns eu vou memorizar. Não são necessariamente os melhores. Às vezes, por várias injunções, uma pessoa chama atenção no meio da turma. Não é possível mais isso. O número de alunos ficou muito grande para a gente memorizar tudo. Mas isso não me angustia mais. Isso não me angustia.

Eu sempre tive muita facilidade, por exemplo, eu nunca tive angústia em dar uma aula. Não tenho esse medo: como será que eles vão achar que a minha aula é? Não é o que passa pela minha cabeça. É difícil. Não me angustia. Para mim, o magistério é uma fonte de prazer.

10. Qual é o pior defeito que um professor pode ter?

Ah, eu vou ter que pensar... Não sei, Giordano... eu tenho que pensar um pouco. Essa eu teria que pensar.

11. E se tivesse que começar de novo, o magistério seria a sua escolha?

Seria. Seria. Mas cada vez mais eu acho... Há algum tempo atrás, eu voltei a advogar. Eu parei de advogar depois do meu doutorado e acho que foi ruim. Porque, ao voltar a advogar – claro que depois de eu ter amadurecido, quando eu advogava antes do meu doutorado eu não percebia isso – eu comecei a perceber algumas coisas importantes que estão fora do meio acadêmico. Eu acho, então, que em um saber tipicamente profissional, aplicado, como o nosso, a prática é tão importante quanto a teoria. E acho que é importante que os alunos façam estágio. Acho que as coisas estão ficando um pouco exageradas. Os estágios estão começando no quarto período. Mas eu acho que, mesmo para um aluno que tem pretensões acadêmicas, a experiência prática é enriquecedora.

No caso do novo bacharel, você acha que é possível começar duas carreiras ao mesmo tempo, o magistério e a advocacia, por exemplo?

Eu acho que sim. Acho que sim. Eu acho que, na verdade, é preciso compreender melhor os limites e as especificidades de cada uma delas. Mas a gente só compreende esses limites quando a gente vive as duas. Porque, por exemplo, a tendência dos professores acadêmicos é academicizar tudo, e a dos advogados é praticizar tudo. E acho que falta um meio termo, um equilíbrio, que é importante.

Marcelo, eu agradeço muitíssimo a...

Eu estou aqui pensando qual seria o maior defeito que o professor pode ter. Eu sei qual é o maior defeito. O maior defeito que um professor pode ter é achar que não tem defeitos. O problema é que eu sei de tantos defeitos que eu tenho, e acho que eles são tão graves, que eu não sei qual seria o pior. Eu costumo dizer para os meus alunos o seguinte: Eu tenho a impressão de que a vida acadêmica é mais ou menos como "O Homem que Falava Javanês", do Lima Barreto. Ou, então, pra ficar mais professoral, tem a aula do Roland Barthes. Roland Barthes fala que, quando a gente começa a vida intelectual, a gente ensina mais do que sabe. A gente não entende as coisas direito, mas ensina assim mesmo. E, com o passar do tempo, nós passamos a ensinar o que sabemos e, depois, quando a gente realmente começa a saber as coisas, menos do que a gente sabe. Mas que o objetivo do intelectual é esquecer o que sabe. O bom professor é aquele que esqueceu tudo o que sabia.

Tudo isso tem a ver com a mesma ideia. Eu tenho muito medo, Giordano, de pessoas que se acham gênios. Eu não acredito que existam gênios. Eu não acredito em inteligências brilhantes. Ao contrário, eu percebo inteligências multifuncionais. Acho que gênios, que escrevem milhões de livros, que conhecem todo o Direito, mas que têm uma vida emocional falida...Não sei, acho que o equilíbrio é importante. Acho que não existe gênio. Toda vez que alguém se apresenta para mim como sendo gênio, eu sei que estou diante de um picareta. É mais um homem que fala javanês.

Marcelo, muito obrigado pelo carinho, pela atenção e por tudo que o privilégio de ter sido seu aluno me proporcionou ao longo do tempo.

A maior felicidade de um professor é ver que seus alunos conseguem trilhar um caminho próprio. Fazer o seu próprio caminho. Fazer a sua própria luz brilhar. Acho que é o maior prazer que um professor tem.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

ENTREVISTA COM MARCELO GALUPPO



Marcelo Campos Galuppo é doutor em Direito pela UFMG, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC/MG, presidente da Associação Brasileira de Filosofia do Direito e Sociologia do Direito e também do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. No dia 24 de junho de 2009, ele muito gentilmente nos concedeu a seguinte entrevista. Nenhuma das etapas, da seleção das perguntas à edição final do texto, teria sido possível sem a eficiente colaboração de Santiago Pinto.

PRIMEIRA PARTE

“Eu acho que é muito importante pensar nos mestres não como aquelas pessoas que foram nossos professores, necessariamente. Mas como pessoas que, de alguma forma, fizeram isso: ajudaram a gente a ser diferente do que a gente era antes”.

1. O quê significa ser professor?

Acho que é transformar vidas. Acho que isso é que é educação. Acho que ser professor é isso.

2. E quais foram seus grandes mestres?

Ah, difícil. Eu tive grandes mestres. E cada um deles por uma razão muito distinta. Eu acho que é muito importante pensar nos mestres não como aquelas pessoas que foram nossos professores, necessariamente. Mas como pessoas que, de alguma forma, fizeram isso: ajudaram a gente a ser diferente do que a gente era antes.

Por exemplo, apesar de eu nunca ter sido aluno do [João Baptista] Villela, eu sempre conversei muito com ele. E eu tenho me perguntado muito como é possível que um homem – eu tenho perguntado isso para todo mundo, sabe Giordano – como é possível que um homem, trinta anos atrás, com a Constituição anterior, com o Código Civil anterior, tenha se antecipado a toda doutrina do Direito de Família, por exemplo, na questão da desbiologização da paternidade?

Um outro exemplo é o [José Alfredo de Oliveira] Baracho. O Baracho me marcou muito porque ele me ensinou uma coisa muito importante sobre professores universitários: é que a coisa mais importante que o professor universitário pode fazer é abrir oportunidades para os seus alunos. Isso é uma coisa muito importante para os professores fazerem e eles nem sempre se dão conta de como isso é importante para a vida das pessoas.

Interessante, dos professores que eu tive na PUC, talvez os que mais me tenham marcado, no curso de Direito, não foram propriamente professores de Direito. Foi um professor de EPB (Estudos de Problemas Brasileiros), que é o Alisson – porque eu sou da época do EPB ainda. Você não pegou EPB?

Não.

Um professor de Cultura Religiosa, que é o Paulo Agostinho, não sei se foi seu professor?

Também não.

Mas você pegou Cultura?

Sim, mas com outro professor.

E uma professora de Filosofia, foi minha primeira aula na Universidade, que é a Sílvia, que foi coordenadora da Filosofia. São professores que marcaram muito na graduação.

Menelick [de Carvalho Netto] me marcou muito, porque aprendi muitas coisas sobre a docência com ele.

E um professor, em especial, que me marcou muito também, foi um professor da Filosofia, aqui da FAFICH (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas), que é o José Henrique dos Santos. Me marcou muito porque o José Henrique é um hegeliano, mas é a pessoa mais aberta que eu conheço a orientar pessoas com outras orientações. Eu aprendi muito com o José Henrique nesse ponto.

Mas é difícil falar de um professor marcante. Eu acho que o professor mais marcante que eu tive, na verdade, foi o movimento estudantil. Talvez tenha sido o lugar em que eu tenha aprendido mais na Universidade.

Tive professores marcantes, também, no ensino básico. No ensino médio, para ser exato. Tive uma professora muito marcante de português. Ela, por exemplo, desenvolveu em mim uma vontade muito grande de conhecer línguas. E é interessante, porque eu sou do interior, e quando eu mudei para Belo Horizonte, assim que eu me matriculei na Faculdade, eu me matriculei também na Cultura Inglesa, na Aliança Francesa, depois no Göethe, depois Cultura Alemã, e isso foi decisivo para a minha carreira. Conhecer línguas é algo decisivo em qualquer carreira jurídica, seja como advogado, seja, sobretudo, como professor. É fundamental. Então, é uma pessoa que me marcou muito.

Eu tive um professor de Civil, também, que foi muito marcante. Foi o [Antônio Ribeiro] Romanelli. De todos os professores de Direito que eu tive na graduação, quem mais me marcou foi o Romanelli. Eu aprendi muito com o Romanelli, que foi meu professor de Teoria Geral do Direito Civil. Isso me permitiu ter uma base muito boa, muito sólida em Teoria Geral do Direito Civil, em Direito Civil em geral. Outra pessoa que me marcou muito foi o Patrus [Ananias de Souza]. Fui aluno dele de Introdução. Foi ele quem me apresentou ao Grande Sertão: Veredas. A [Ministra] Carmem Lúcia, também, exerceu uma influência muito grande sobre mim.

3. Marcelo, em suas aulas, você faz constantes referências à literatura, ao cinema, à gastronomia, à teologia, essa prática deve ser atribuída a uma manifestação espontânea da sua personalidade ou ela é uma estratégia pedagógica deliberada?

Ela é uma estratégia pedagógica deliberada e, ao mesmo tempo, uma manifestação da minha personalidade.

Eu me preocupo muito com uma coisa, Giordano, que é a fragmentação do saber. Eu acho que o Direito não existe em um vácuo independente dos outros saberes. E eu acho que aumenta a compreensão dos alunos nós lançarmos mão desses outros saberes para eles poderem aprender o conteúdo do Direito, em geral. No meu caso, que é a Filosofia do Direito, isso fica mais evidente ainda. O diálogo ainda é mais evidente com os outros conhecimentos. Com a arte, com a literatura.

4. Em seu site (marcelogaluppo.sites.uol.com.br), você disponibiliza uma lista dos livros que ninguém deve deixar de ler.

Meu site, coitado, está muito desatualizado. Ontem, um aluno meu me falou que estava me seguindo no Twitter, mas que ele morreu de tédio, porque há dez dias eu estou preparando uma aula. (Risos)

Mas agora eu tenho um blog novo [www.marcelogaluppo.com]. E estou tentando twittar com mais freqüência [marcelogaluppo].

Bom, mas os cem livros estão lá, dispostos em uma ordem cronológica. E se você tivesse que fazer sugestão semelhante a quem, por algum motivo, só tem possibilidade de ler três, quais você escolheria?

Independente do tamanho dos livros?

Sim, ele tem tempo para ler três.

Tempo para ler três. Então, eu acho que a Bíblia. Acho que Grande Sertão: Veredas. E acho que Dom Casmurro.

5. Há outra coisa de que me lembro, com muita atualidade, de suas aulas. É a menção de que, em suas viagens, você gosta de visitar os cemitérios das cidades por onde passa. A visita a um túmulo específico causou alguma experiência significativa?

Eu acho que o túmulo que mais me impressionou foi o de Camões, em Lisboa. Ele está no Mosteiro dos Jerónimos. Eu fiquei muito emocionado quando estive lá. É interessante porque são quatro túmulos, no Mosteiro dos Jerónimos. Um é de alguém ligado à história portuguesa. Não me impressionou muito. Os outros três são Vasco da Gama, Fernando Pessoa e Camões. E eu acho que gosto mais de Fernando Pessoa do que de Camões, mas eu fiquei emocionado foi no túmulo de Camões.

Esse tipo de visita tem alguma coisa a ver com a possibilidade de provocar alguma reflexão sobre a morte e o sentido da vida?

Eu acho que tem muito com a minha percepção de Deus. Eu acho que a morte faz parte da vida. Ela não é uma interrupção. É muito interessante, várias pessoas falam: “Olha, a vida é muito curta, então você tem que aproveitá-la da melhor forma possível”. Eu costumo responder para essas pessoas é que o problema é se eles estiverem errados, e a vida for eterna. Esse é o problema. É tudo uma questão de perspectiva. E é muito interessante que eu sinto uma presença. Um lugar onde eu me sinto diante de Deus é em cemitérios. Eu sinto a presença de Deus.

Por exemplo, uma vez eu fui a um cemitério, o mais impressionante que eu já vi na minha vida. É um cemitério judeu lá em Praga. Ele é impressionante, é realmente impressionante. É um cemitério que, há muito tempo, dois ou três séculos, não é usado mais, mas que foi usado por seiscentos, oitocentos anos. Então, por causa disso, à medida que lotava o cemitério, eles iam acumulando mais camadas de terra por cima. Pegavam a lápide que estava embaixo e colocavam em cima, e uma outra na frente. Então, tem milhares de lápides em poucos metros quadrados. E é muito interessante, porque a forma como os judeus convivem com os seus mortos é muito diferente do que nós fazemos. Não sei se você já presenciou um sepultamento judaico. É muito interessante, primeiro porque o corpo é considerado imundo. Então, ao contrário do que os cristãos fazem, por exemplo, não há um velório dos mortos. Eles ficam separados, porque os vivos não podem ter contato direto com o corpo. Mas, na hora do sepultamento, o rabino, no caminho de onde fica o corpo até a sepultura, ele para três vezes. E, como, geralmente, nesses sepultamentos, há muitos que não são judeus, ele explica porque eles fazem isso: porque a família se recusa a entregar o corpo para a morte. Mas é muito bonito, porque, passado algum tempo, eles fazem uma cerimônia, que é a descoberta da Matseiva. E sempre que você vai a um cemitério judaico, ao invés de flores, porque não se usa flores nos funerais judaicos – é um cemitério sem flores – eles usam pedras. Vocês devem ter visto isso naquele filme, A Lista de Schindler. No final, os judeus que sobreviveram ao holocausto e que estavam vivos, iam ao túmulo do Schindler e colocavam pedras. Isso é muito bonito em um cemitério, porque a pedra, antes de mais nada, simboliza algo que dura eternamente. É muito diferente da flor. A flor é efêmera. Mas a pedra dura constantemente. Então, eles vão colocando as pedras, porque a memória deles é para sempre.

6. Em seu livro de metodologia da pesquisa...

Deixa eu te contar uma coisa sobre esse livro de metodologia.

Conte.

Uma colega minha me perguntou: – “Marcelo, como é que se faz isso?”. Eu respondi: – “Eu não sei!”. – “Mas você não escreveu um livro de metodologia?”. Eu falei: – “Escrevi”. – “Por que você escreveu?”. – “Porque eu odeio metodologia!”. – “Então, porque você escreveu o livro?”. – “É exatamente porque eu odeio! Eu não preciso ficar com essas coisas na cabeça! Então, eu escrevi para ficar livre”. (Risos)

E eu uso o seu manual para a mesma finalidade. Eu entrego aos meus orientandos e digo: “Leia, que eu não me ocupo disso”.

As pessoas me perguntam como se eu adorasse metodologia.

Mas a pergunta não tem muito a ver com a própria metodologia. É sobre uma frase que você diz lá: “Há muitas teses de doutoramento que são, na verdade, dissertações de mestrado.” Isso tem acontecido muito?

Eu acho até que tem mudado um pouco. Eu acho que tem melhorado. Engraçado, eu acho que você vai poder confirmar isso que eu vou dizer, a partir da sua experiência na UFMG. Hoje, eu tive uma conversa com os alunos do mestrado e do doutorado, porque tem um fenômeno que está acontecendo e que tem me preocupado muito, e eu acho que na UFMG deve acontecer a mesma coisa. Eu tenho percebido que os alunos do mestrado têm um compromisso maior com a Pós-Graduação do que os alunos do doutorado. Não sei como é que você percebe isso na UFMG.

Não sei. Acho que eu ainda não consigo fazer essa leitura.

Produzem mais, são mais produtivos, publicam mais. Não sei, eu acho que tem alguma coisa errada com o doutoramento em Direito no Brasil. Não saberia dizer exatamente o porquê, mas, via de regra, eu acho que os alunos do doutorado tendem a ser menos compromissados. Talvez, porque eles têm um prazo maior, quatro anos, enquanto os alunos do mestrado têm dois anos. Então eles têm que correr, porque têm que fazer em dois anos e dois anos passam-se muito rapidamente. Talvez seja isso. Mas o fato é que tem muitos trabalhos de doutorado que têm uma qualidade ruim, como trabalhos de doutorado.